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domingo, 24 de outubro de 2010

Purusharthas e Varna Asrama



Purusharthas e Varna Asrama
Swami Krishnapriyananda Saraswati

Gita Asrama

2010

Bhumidevi, d'Ela tudo emana

Purusharthas
Conforme os Escritos védicos, a vida humana possui quatro metas ou Purusharthas. Estes são meios objetivos ou apontadores da vida de um ser humano. Todos eles são fundamentados no Ser Supremo ou Brahman, tendo eles, portanto, sido criados, diretamente pelo Supremo, para o completo desenvolvimento do que conhecemos como "humano". Muitas vezes os Purusharthas são comparados aos tetos do úbere de uma vaca. São quatro tetos num mesmo úbere, portanto, sendo a base do desenvolvimento humano, tendo a mesma fonte em comum. 

A palavra “humano” tem o sua filologia/origem em "Manu", o prajapati do qual as regras morais foram ditadas, para que o ser humano pudesse se realizar além da sua condição animal. Por conseguinte, originalmente "Humano" é quem segue as leis de Manu. 

É sabido que o ser humano não é um ilha isolada, e que possui aspectos biológicos, sociais, bem como psicológicos e espirituais. Também é dito que o ser humano é um microcosmos, portanto, nele está tudo o que precisa para ser feliz. Purusharthas tratam exatamente disso, sendo conhecidos como seguem: 1) Dharma ou reto agir; 2) Artha, ou reta distribuição e posse de riqueza; 3) Kama, o reto laser; o prazer nos seus aspectos naturais e regulados, e 4) Moksha, a busca ou sentido de liberação.

Os Purusharthas
Desnecessário dizermos que todos os seres humanos, enquanto entidades biológicas, têm um começo, um meio e um fim. Isso é natural do corpo ou da biologia humana. É por isso que o Sanatana Dharma, nos Seus textos sagrados como Vedas e obras morais como o Manu Smriti, dão uma orientação, segundo uma experiência vivencial, daquilo que é melhor ou mais adequado para a curta vida material do corpo humano. Estas orientações são mantidas pelos "acharas", ou princípios regulativos. As pessoas têm necessidades diversas como religião, educação, laser, descanso, trabalho. Também há uma série de aspectos ligados à justiça, porque os bens, as relações, sucessões, devem ser regulados de forma a atender os princípios sociais comuns, mesmo depois que abandonamos estes nosso corpo finito. É claro que todos precisam ter um mínimo de conforto para viver, e precisam ter seu trabalho ou karma para manter-se. Com exceção de Moksa, todos os outros aspectos da vida de relação dos Purusharthas são chamados objetivos ou materiais. Tudo o que diz respeito ao corpo, sua manutenção, seja biológica e social, é pertinente aos aspectos objetivos ou materiais. Ninguém deve negligenciar a alimentação, nem tampouco a higiene, nem os cuidados mínimos com suas coisas, seus bens, etc. Mas o enfoque que é dado àquele que está no caminho da busca da realização espiritual, tendo em vista alcançar Moksa, é o de desapego das coisas. Um sábio convive perfeitamente com tudo, sem apegar-se a nada. No gita está dito que quando é dia para sábio, é noite para o homem comum. Portanto, é apenas uma questão de enfoque, de ângulo de foco das coisas, como deve ser encarado e resolvido. Um devoto pode e deve participar da vida de relação; ele tem que manter-se, bem como a obrigação de manter os seus dependentes, no caso de tiver filhos ou alguém que precise de seu amparo, de algum modo. Um Yogi não é um anencéfalo assexuado. Ele está longe de ser uma ameba, mas o verdadeiro Yogi realiza o objetivo da vida humana, que é alcançar Moksha, o mais elevado dos Purusharthas.

Os quatro Ashramas
Para alguém seguir os Purusharthas de forma adequada foi então instituído o varna ashrama, que são degraus ou estágios do desenvolvimento segundo a ocupação e situação devocional nas diversas etapas da vida de cada um. O primeiro ashrama é chamado de Brahmacharya, onde a pessoa dedica-se ao estudo e conhecimento de uma função a qual irá exercer para manter uma família. Ela inicia a estudar por volta dos 8 anos, e completa sua formação por volta dos 24 anos. Nesta etapa, então, a pessoa deixa o ashrama de brahmacharya e ingressa na vida de casada. É feita uma cerimônia de ingresso no ashrama de Grihastha, ou de chefe de família. A palavra “grihasta” vem de “griha”, ou seja, “ter coisas”; “apegos”; é onde alguém exerce a sua atividade profissional, a qual aprendeu no gurukul, e começa acumular bens e obrigações materiais. Este ashrama é muito importante, porque sustenta todos os outros, além de sim mesmo. É obrigação de um chefe de família alimentar e dar o bem estar e estar bem para todas as criaturas vivas. É ainda hoje visto na Índia pessoas chefes de família que antes de uma refeição convidam aos quatro quantos se há alguém ou ser que necessite de comida, só então entram nas suas casas e comem. O ashrama de grihasta é uma etapa na vida do devoto. A ele não lhe é negado o prazer, na verdade a ninguém é negado nada, tudo é uma questão de ordem e controle. O casal, segundo a tradição do Sanatana Dharma, tem em vista ter família, portanto, filhos, e educá-los para o Supremo. Não há repressão no Sanatana Dharma, mas uma reta ação com relação aos afetos e relações, porque a pessoa deve ser responsável pelos seus atos, e ter obviamente responsabilidade diante deles. O grihasta-asrama está centrado em Kama e Artha, e em Dharma (agir conforme o dever prescrito ou na função que foi devidamente capacitado para realizar), mas não deixa de vislumbrar Moksa, porque no futuro será a dedicação especial do devoto. Passando a etapa de grihasta, uma vez tendo cumprido com todas as obrigações, ou seja, ter alimentado e educado os filhos, a ponto de eles poderem seguir suas próprias vidas, então o ashrama seguinte é chamado Vanaprastha, onde o devoto se afasta da vida familiar, por volta dos 50 ou 60 anos, e assim retoma os estudos que havia empreendido no ashrama de brahmacharya. Ficando mais alguns anos em isolamento das coisas do karma do mundo, ou seja, afastando das atividades tendo em vista acumular riqueza material, etc., o próximo passo é ingressar na quarta ordem, ou ordem de vida renunciada, chamada de Sannyasa. A partir de ai, o devoto vive tão somente para pregar e divulgar o Dharma. Não tem mais família, nem posses.

Cada uma das etapas do varnashrama é um processo muito metódico e sábio, que leva em consideração os aspectos sociais, psicológicos e biológicos da pessoas, bem como os espirituais. Os Purusharthas têm em vista isso: considerações com os aspectos pertencentes a natureza humana, como seu corpo, sua psique, suas relações na sociedade, e, por fim, a parte espiritual.

O devoto aprende no Karma Yoga, ou vida de relação, que o mundo é um continuo transformar. Mas a ação ou karma é necessária tão somente para a parte objetiva da existência material, porque o corpo, a sociedade, bem como o estar bem e o bem estar, necessitam de constante atividade. Ninguém poderá considerar-se feliz por comer muito pouco, dormir muito pouco, e assim por diante. Krsna diz no gita que um Yogi deve comer e dormir o suficiente, ou seja, deverá ter o mínimo de lazer e prazer para poder sobreviver. O que deve um Yogi saber realizar é o controle de suas ações, e abandonar o desejo de resultado delas; deverá viver desapegado da função do eu e do meu, aspectos profundamente ligados ao egoísmo, e consequentemente livrar-se as ideias de posse, porque elas nos atam no ciclo de nascimentos e mortes.

Independentemente da etapa ou ashrama em que está o devoto, deve-se desenvolver a ideia de que todas as coisas são bênçãos de Deus. Na fase de brahmachary, ele deverá procurar ver todas as mulheres como sua mãe. Na fase de grihasta, deverá ver todas as mulheres, menos a sua, como sua mãe; na fase de Vanaprastha, ele deverá também ver a sua mulher como sua irmã, e mais tarde, como sua mãe. Essa é a forma como alguém deverá encarar e superar a natural tendência mundana de desfrute. Uma mulher não deve ser vista ou desejado como um objeto egoísta de prazer de alguém, mas como parte de um todo além da vulgaridade de posse. Ninguém deve ser posse de ninguém, porque uma pessoa não é uma coisa ou “res” como se diz em Latim.

A meta suprema da vida é realizar o Absoluto - Krsna Prem
Por sua vez, os sentidos precisam de orientação e controle, não de repressão. Educar a mente somente será possível se controlarmos os sentidos. Todos sabem perfeitamente que o descontrole dos sentidos acaba gerando problemas. Por exemplo, se alguém se intoxicar com álcool ou drogas, com certeza irá ter atitudes que são contrárias a moral, etc. Krsna nos chama atenção disso no gita, quando diz que o muito desejar acaba fazendo com que alguém se frustre caso não realize o desejo, advindo então a ira, e esta levando à loucura. Para que alguém então mantenha-se no reto caminho dos Purusharthas, há os princípios regulativos, os quais dão base e sustentação aos Purushartas, bem como ao Varna-ashrama. Estes princípios regulativos são jurados pelo devoto ao guru, na ocasião da iniciação, a saber: i) não se intoxicar; ii) não praticar jogos de azar; iii) não comer carne; e iv) não praticar sexo sem relação de amor ou responsabilidade. Estes princípios regulativos nada mais são do que regras de higiene nas ações pessoais; são os primitivos kriyas ou atividades de purifacação da mente num grau bem iniciante. São algo como “quem fuma não sente o cheiro ruim de seu cigarro”, e na medida em que aqueles princípios são praticados, o pretendente tem então clarificada a ideia do que significa ahimsa e mente sem agitação.

Um devoto não é uma pessoa comum ou pashu, como se diz. O pashu é aquele que age tal qual um animal comum: vive para comer, acasalar, e se proteger, ou seja, vive tão somente na manutenção objetiva do corpo, e busca realizar os sentidos de forma irrestrita. Eu e meu são os preferidos dele; então tem apegos exagerados ao corpo e ao que a ele se relaciona (inclusive família, propriedade, etc.). Mas o devoto ou Yogi transcende a objetividade, mesmo possuindo coisas materiais, porém não irá viver em função delas ou dos desejos de ter coisas materiais.

O devoto deve cumprir com suas obrigações, como nos orienta Krsna, porém não deve ter em vista o resultado das ações ou objetivando desfrutar. O desfrute é algo que deve ser mediado pela ação correta. Aos poucos, quando o sadhaka vai sendo orientado pelo guru, os desejos ou direções da mente vão mudando. Então a luz do conhecimento além de eu e meu vai dissipando o egoísmo, e mostrando a verdadeira natureza humana, transcendendo a objetividade do corpo e de suas relações. Primeiramente o pretendente deverá conhecer o que faz e o que quer; depois deverá meditar no conhecimento sobre isso, e por fim, renunciar aos frutos das ações, compreendendo que o controle delas é algo sublime, assim alcançando a paz da renúncia.

Os Purusharthas, a forma como vamos evoluindo material, social e psicológica, e o modo como ingressamos nas diferentes etapas espirituais da vida, são perfeitas orientações. A realização da moralidade védica está além de uma teoria nascida da simples apreensão, ou de uma ideologia surgida num mito do tipo “eu acho isso”, “eu acho aquilo”; é uma segura realização do que realmente somos, ou seja, realização do Atma ou Puro Ser espiritual que somos.

O caminho do dharma é trilhado passo a passo. A renúncia aos frutos do resultado vai sendo alcançada no amadurecimento do sadhaka. Os passos são necessários, e a orientação do guru é indispensável. As palavras citadas do texto de Swami Sivananda, colocadas de forma isolada, perdem o sentido pretendido por Ele. Assim como na linguagem o contexto é o que importa, do mesmo modo, saber que alguém vive em função dos sentidos é algo díspar dentro do Sanatana Dharma. Swamiji refere-se aos bhogeswaras, ou pessoas que vivem tão somente para gratificação dos sentidos, estando plenamente convencidas que são o corpo e os órgãos dos sentidos. Junto a isso, creem tolamente serem as relações objetivas como família, propriedade,nação, raça, cor, sexo, gênero, etc., etc. todos aspectos pertencentes ao mundo material; regulados pela prakriti, o que é diferente do puro Atma que somos, e que está além da corrupção do tempo, lugar e circunstâncias.

Hari hara om tat Sat

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