Swami Krsnapriyananda Saraswati
Gita Ashrama
2010
A essência é o mais importante
Quando regamos a raiz da árvore, todos os galhos, ramos, folhas, flores e frutos são beneficiados. Também, quando alimentamos o estômago, todas as partes do nosso corpo são alimentadas. Deste modo, quando nutrimos a “fonte” que tudo nutre então estaremos nutrindo o Ser em potência. Isso quer dizer que não devemos nos preocupar somente com a forma, mas principalmente com o conteúdo. É por isso que o chela ou pretendente a devoto e o devoto são convidados a entoar os Santos Nomes do Supremo, na forma que lhe for indicado por seu guru, conforme a tradição da Sua escola.
O Ahamkara
Apesar de tudo, o cantar os Santos Nomes não deixa de ser uma ofensa a Sua essência, porque a plataforma condicionada da vida material está sob o comando do “falso eu”, ou do Ahamkara. Este ego é responsável por todo o sofrimento e eterno retorno ao mundo material. Ele é também chamado de “identificação objetiva” ou “identificação material”, “eu sou o corpo e suas relações”. Isso se chama Samsara.
Quando nos ocupamos somente com a forma e esquecemos-nos do conteúdo agimos de tal maneira como uma pessoa, que certa feita comprou uma linda gaiola dourada. Ela todos os dias cuidava muito da gaiola, até que um dia notou um certo cheiro ruim que saia da gaiola. Então se perguntou: “- Eu sempre limpo esta gaiola, ela está sempre brilhando, como pode estar com este cheiro tão ruim?” Daí percebeu que dentro da gaiola estava um pássaro, e o pássaro havia morrido de fome e sede. Assim age alguém que cuida somente da “gaiola das aparências”, ou “eu “ e “meu”; cuidando do aparente, sem se preocupar com o conteúdo; a essência fica ao relento. O Ego é o aparente, aquilo que não tem importância, porque é temporário e transitório. O Ser é o que não é aparente objetivamente, mas que tem importância vital.
O orgulho de “eu” e “meu”
Na época em que Sri Krishna estava no planeta, Ele tinha muitos discípulos e devotos. Então, certa feita, Ele ficou sabendo que um dos Seus discípulos estava muito orgulhoso pelo fato de estar executando muito fielmente as Suas ordens. O discípulo não negligenciava um só dia o canto dos Mantras. Quando praticava o Japa Yoga, ele observava muito atentamente se havia 108 vezes em cada volta; não cruzava o Meru, jamais usava o dedo indicador; na hora correta cantava o Gayatri, etc. Ele era um “virtuose” na realização sistemática do canto do Mantra, e em seguir os princípios e regulações. Não comia carnes, não se intoxicava, era uma Brahmachary estrito, não se envolvia com jogos de azar, etc. Sri Krishna percebeu que o devoto estava num tipo identificação muito peculiar que acontece quando estamos na chamada “fase ofensiva” do canto do Mantra, mesmo que já se tenha estado a tanto tempo na prática do Japa Yoga, porque a pessoa quer, de algum modo, e ainda que inconscientemente, conseguir algum resultado ou benefício, e até mesmo colocar-se acima dos outros devotos. Isso é chamado fase ofensiva do Canto do Maha Mantra.
Sri Krishna quis dar uma lição no Seu orgulhoso discípulo. Ele o chamou e perguntou-lhe: “- O senhor é de fato um devoto dedicado a MIM?”. No que o discípulo respondeu, “- Amado Guruji, não há nada que eu faça que não seja para o Senhor. Digo-lhe sinceramente que não há ninguém tão dedicado neste Ashrama para o Senhor quanto eu. Tudo o que o Senhor pede eu cumpro à risca. Isso lhe posso garantir!”.
Sri Krishna respondeu: “- Meu amado discípulo, eu gostaria que o senhor cumprisse uma tarefa, e somente então conseguirei ver se de fato o senhor é um grande discípulo e que cuida bem nas instruções que dou. O senhor deverá carregar tigelas com água, fazendo voltas na aldeia, durante todo um dia, e no final, veremos quantas gotas de água o senhor derramou”. O discípulo aceitou o desafio, dizendo que provaria que iria seguir à risca o que Sri Krishna havia lhe pedido.
Quando chegou de manhãzinha, antes mesmo do o sol aparecer, o discípulo pegou as tigelas com água, e colocou cuidadosamente um prato por sobre a parte de cima, como tampa, para que nem mesmo uma gota de água se evaporasse durante o dia. Assim iniciou a dar voltas na aldeia, e nem mesmo cumprimentava as pessoas, que cruzavam o seu caminho. As pessoas naturalmente balançavam as cabeças ao ver o devoto, dando a entender a sua posição formal, agindo como um robô. Mas todos já conheciam a natureza competitiva do ego, então logo viram que se tratava de mais um Lila ou passatempo do Senhor Krishna.
O devoto passou o dia dando voltas na aldeia com a tigela nas mãos. Quando chegou a noitinha, levou a tigela diante de Sri Krishna, que olhou muito cuidadosamente e lhe disse: “- De fato, não há sequer uma gota dágua faltanto!”. Então o discípulo respondeu: “- Eu não havia lhe dito? Neste Ashrama não há um discípulo tão seguidor das Suas ordens, de forma rigorosa, quanto eu!”. O Senhor Krishna disse: “- Oh! Meu amado discípulo! De fato, não é Meu mais aplicado devoto!”. “- Como não!? O Senhor não viu que não há nenhuma gota faltando?”, respondeu o discípulo, indignado! O Senhor Krishna respondeu: “- Meu amado, de fato, o mais pobre aldeão é o Meu melhor e mais fiel discípulo!”; “- Como? Como pode alguém que nem vive no Ashrama ser melhor do que eu?”, retrucou o devoto. O Senhor Krishna respondeu: “- Meu pequeno, enquanto você se preocupava em não derramar nenhuma gota de água da tigela, desde cedo pela manhã, aquele pobre aldeão agradeceu a Mim pelo dia que iniciava. Depois, ao meio dia, na hora de comer a sua pequena e pobre porção de arroz, ele ofereceu-a a Mim e agradeceu por ter o que comer. Depois, quando terminou o seu dia de trabalho árduo, e sentou-se na cama antes de dormir, agradeceu-Me pelo dia que havia passado. Enquanto ele lembrou-se de Mim três vezes, você estava muito preocupado em não derramar a água da tigela, de tal modo que nenhuma vez você se lembrou de MIM!”.
Assim, o discípulo ficou envergonhado de ver que estava apenas de preocupando com a forma, e não com o conteúdo. Com a lição de Krishna, ele aprendeu que na simplicidade do amor por Deus está a grandeza, e não na preocupação externa e aparente, e que todos os devotos do Senhor, não importando a situação econômica e social, são benqueridos por Ele.
Todos os exemplos que vimos e observamos nestas passagens, dizem que a essência é o mais importante, e que a associação com os devotos, nas duas diferentes posições e condições, diferentes linhagens e pensamentos, é o que há de mais importante e dignificante. Cada um deverá respeitar a posição do outro, e ajudar o outro a servir a Deus na forma como lhe é mais favorável. Tudo o mais será simples aparência. Enquanto cuidarmos do Ser, tudo o mais será cuidado.
Hari Hara Om Tat Sat
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