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sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O que é hinduísmo



O que é Hinduísmo

SATGURU SIVAYA SUBRAMUNIYASWAMI

SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL
GITA ASHRAMA

Tradução, adaptação e comentários por 

SWAMI KRISHNAPRIYANANDA SARASWATI
Prof. Olavo DeSimon



"... as três crenças centrais para todos os hindus são o Karma, a Reencarnação, e a crença numa divindade todo-interpenetrante, formando o essencial da religião quotidiana, explicando nossa existência passada, guiando nossa vida presente, e determinando nossa futura união com Deus".

1. O que é o Hinduismo?
O hinduísmo é a religião mais antiga ainda existente, e o sistema cultural da Índia, seguida hoje por cerca de 2,5 bilhões de pessoas, principalmente na Índia, ainda que com grandes populações em outros países. Também chamada de Sanatana Dharma, a religião dos Vedas, o Hinduísmo açambarca um amplo espectro de filosofias que variam desde o pluralismo teísta até o monismo absoluto. Há uma família de miríades de fés, com quatro denominações principais: Saivismo, Vaishnavismo, Sahaktismo e Smartismo. Cada um destes quatro possuem crenças divergentes, o que faz cada um possuir uma religião completa e independente. Ainda assim, compartem uma vasta herança de cultura e crenças: o karma, o dharma, a reencarnação, a divindade onimpregnante, a adoração no templo, os sacramentos, a pluralidade de deidades, os muitos yogas, a tradição Guru-siksha, e uma dependência dos Vedas como autoridades escriturais. Do rico solo da Índia, faz muito tempo, brotaram outras tradições. Entre estas estão o Jainismo, o Budismo, e o Sikhismo, que rechaçaram os Vedas, e, portanto, emergiram como religiões completamente distintas, dissociadas do hinduísmo, ainda que compartilhem muitas intuições filosóficas e valores culturais com sua fé mãe. Não distinto das demais religiões do mundo, o Hinduísmo não possui uma chefatura central. Com exceção do Catolicismo, muitos Cristãos, judeus, muçulmanos, nem os budistas, a possuem também. Há muitos representantes e são secretários de várias denominações. O hinduísmo, neste sentido, não é diferente no mundo de hoje. Ele teve muitos fundadores no passado, e o terá no futuro de suas seitas, de sua linhagem de ensinamentos, cada um encabeçado por um "pontífice". Pois se admite que há alguns seres espirituais (Acharyas) ao redor dos quais todos se congregam para iluminação e consolo, e que hão renunciado ao sectarismo, linhagem e formalidades, pelo Ser e toda a sua grandeza que contém. Os críticos costumam chamar o hinduísmo de uma religião não organizada. De certo modo, eles têm razão.

2. - Hinduísmo é legítimo
O cristianismo e o Islamismo governaram a Índia, a pátria central do hinduísmo, por 1.200 anos, desgastando enormemente Sua perpetuação. Mesmo assim sobreviveu. No mundo de hoje, pode-se dizer que o Hinduísmo é uma religião desorganizada, mas está melhorando diariamente. Há templos e organizações ativas ao redor do mundo. Qualquer que sejam as suas falhas, se mantêm vivos os fogos do Sadhana e da renúncia, de uma vida espiritual. Nenhuma outra fé há feito isto com tal amplitude. O hinduísmo possui cerca de um milhão de Swamis, Gurus, e Sadhus, que trabalham de modo incansável, dentro e sobre si mesmos, e então, quando estão prontos, servem aos outros conduzindo-os da obscuridade à luz; da morte para a imortalidade.

3. O que faz alguém um hindu?
Durga-devi
Em nossa discussão sobre a conversão hindu surge claramente a questão de como o hinduísmo tem visto isto historicamente. Segundo, o que é, e exatamente, o que faz uma pessoa hindu? Nos aproximaremos primeiro desta última questão. Para aquele que nasceu hindu, a questão de entrar no hinduísmo pode lhe parecer desnecessária, porém, por definição, o hinduísmo é um caminho de vida, uma cultura, tanto religiosa como secular. O hindu não costuma pensar que a sua religião é um sistema claramente definido, distinto e diferente dos outros sistemas, por isso, se ocupa na sua vida de modo natural. Sua religião açambarca tudo na vida. Em parte, esta visão, pura e simplesmente, prove o relativo afastamento que as comunidades hindus desfrutaram por séculos, com pequenas interações de fés estrangeiras, para iluminar a unicidade do hinduísmo. Algo mais que isto, se há feito com a qualidade todo abrasadora do hinduísmo que aceita as muitas variações de crenças e práticas dentro de si mesma. Porém, esta visão ignora as verdadeiras distinções entre estes caminhos de vida e aqueles caminhos de outras grandes religiões do mundo. Isto não nega que o hinduísmo é, ademais, uma religião mundial distinta. Aqueles que seguem este caminho de vida são hindus. Isto é similar à história do Mahabharata, onde o grande rei Yudhistira foi interrogado: “- O que é que faz alguém um brahmin, nascimento, instrução ou a conduta?”, o qual respondeu, “- É a conduta que faz alguém um brahmin”. Similarmente, o hindu moderno pode bem declarar a sua conduta baseada nas crenças no Dharma, Karma, e reencarnação, as quais une os hindus. Além do mais, poderíamos refletir: não será um grande devoto aquele que está cheio de amor e fé no seu coração pelo seu Ishta-devata, e que vive o Dharma hindu melhor que seu agnóstico vizinho hindu, ainda que o primeiro tenha nascido na Indonésia ou na América do Norte, e o segundo em Andra Pradesh? Sri K. Navaratnam de Sri Lanka, devoto de Paramaguru Siva Yogaswami, por mais de 40 anos, em seu livro Estudos no Hinduísmo, cita o livro de Introdução ao Estudo das Escrituras Hindus: “Os hindus são aqueles que aderem a tradição hindu, de tal modo que eles estão devidamente qualificados para tal realidade efetivamente, e não simplesmente numa forma ilusória e exterior; os não hindus, pelo contrário, são aqueles que por razão for, não participam da tradição em questão”. Sri Krishna Navaratnam enumera uma série de crenças básicas sustentadas pelos hindus:

4. Crenças Hindus

  • 1. Uma crença na existência de Deus;
  • 2. Uma crença numa alma separada do corpo;
  • 3. Um crença no princípio finito, conhecido como Avidya ou Maya;
  • 4. Uma crença no princípio da matéria - Prakriti ou Maya;
  • 5. Uma crença na teoria do Karma e a reencarnação;
  • 6. Uma crença na guia indispensável de um guru para guiar o aspirante espiritual até a direção da realização de Deus;
  • 7. Uma crença em Moksha, a liberação como meta da existência humana.
  • 8. Uma crença na indispensável necessidade de adoração no templo, na vida religiosa;
  • 9. Uma crença em formas graduadas de práticas religiosas, tanto internas como externas, até que se realize Deus;
  • 10. Uma crença no Ahimsa, como o mais precioso Dharma ou virtude;
  • 11. Uma crença na pureza mental e física, como fatores indispensáveis para o progresso.

Sri Sri Sri Jayendra Sarasvati, 69º Shankaracarya de Kamakoti Pitam, define num de seus escritos as características básicas do Hinduísmo, tal como segue:

5. Sinais da fé

  • 1. O conceito da adoração do ídolo, e da adoração de Deus tanto em sua forma Nirguna como Saguna (com ou sem forma, respectivamente);
  • 2. O uso de marcas sagradas na testa;
  • 3. A crença na teoria dos nascimentos passados e futuros, de acordo com a teoria do Karma;
  • 4. A cremação do homem comum e o enterro do Grande Homem.

6. Fé Hindu
Menina indiana é vestida como o Senhor Krishna quando criança.
Um artigo no Hindu Vishva (Janeiro/Fevereiro, 1986), cita-se várias definições comuns, incluindo a que segue: “Aquele que possui um fé perfeita na lei do Karma, a lei da reencarnação, o Avatara, a adoração ancestral, o Varnashramadharma, os Vedas e a existência de Deus, que pratica as instruções dadas nos Vedas com fé e sinceridade, que executa Snana, Sraddha, Pritri-tarpana, e o Pancha Mahayajñas, que segue o Varnashram-dharmas, que adora os Avataras e estuda os Vedas, é um hindu”. A definição oficial de hindu, do Vishva Hindu Parishad, presente no Memorandum da Associação, regras e regulamentos (1996) é: “Hindu significa uma pessoa que crê, segue ou respeita os eternos valores da vida, éticos e espirituais, que hão surgido em Bharat Índia -, e inclui qualquer pessoa que se chama a si mesma de hindu”. Nas definições dadas acima, e em outras, as três crenças centrais para todos os hindus são o Karma, a Reencarnação, e a crença numa divindade todo-interpenetrante, formando o essencial da religião quotidiana, explicando nossa existência passada, guiando nossa vida presente, e determinando nossa futura união com Deus. Isto está manifesto em que, pela difusão de tais crenças hoje, um grande número de não hindus, previamente qualificados, se declaram a si mesmos hindus, porque muitos creem no Karma, Dharma, e Reencarnação, e se esforçam para ver Deus em todos os lados, possuem algum conceito de Maya, reconhecem a alguém como seu guru, respeitam a adoração do templo, e creem na evolução da alma. Muitas destas crenças são heréticas na maioria das outras religiões, especialmente para as religiões cristãs e judias, e aqueles que creem no Karma e a reencarnação, e na união com a Divindade desenvolveram-se mais além dos limites da religião ocidental.


Om tat sat

No que creem a maioria dos hindus



SATGURU SIVAYA SUBRAMUNIYASWAMI

SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL
GITA ASHRAMA

Tradução, adaptação e comentários por 

SWAMI KRISHNAPRIYANANDA SARASWATI

Prof. Olavo DeSimon





As nove crenças do Hinduísmo


  • 1. Os Hindus creem na divindade dos Vedas, as mais antigas Escrituras do mundo, e veneram aos Ágamas, como igualmente livros desvelados. Estes hinos primordiais são a palavra de Deus, e o fundamento do Sanatana-dharma, a religião eterna, que não possui princípio e nem fim;
  • 2. Os Hindus creem num único, onipenetrante, Ser Supremo, que é tanto transcendente como imanente; criador e Realidade Imanifestada;
  • 3. Os Hindus creem que o universo passa por ciclos sem fim, de criação, preservação e dissolução;
  • 4. Os Hindus creem no Karma, na lei de causa e efeito, pela qual cada indivíduo cria o seu próprio destino, segundo seus pensamentos, palavras e ações;
  • 5. Os Hindus creem que a alma reencarna, evolucionando através de muitos nascimentos, até que todos os Karmas tenham sido resolvidos; e em Moksha, conhecimento espiritual e liberação do ciclo de nascimentos e mortes, que é alcançada na liberação do Karma. Nenhuma alma será eternamente privada deste ciclo;
  • 6. Os Hindus creem na existência de seres divinos em mundo invisíveis aos olhos comuns, e que a adoração no templo, rituais, e sacramentos, assim como a devoção pessoal, cria uma união com estes Devas ou “deuses”;
  • 7. O Hindus creem que um Mestre espiritual, ou Satguru, é essencial para conhecer o Absoluto Transcendente, tanto como o é a disciplina pessoal, a boa conduta, a purificação, a peregrinação, a indagação do Ser Supremo, e a meditação;
  • 8. Os Hindus creem que toda a vida é sagrada, e deve ser amada e reverenciada, e por isso praticam o Ahimsa ou não violência, sendo vegetarianos, no mais das vezes, e,
  • 9. Os Hindus creem no que não há uma religião em particular que ensine o único caminho de salvação a custa de todos os outros, senão que todos os caminhos religiosos genuínos são facetas do Amor Puro, e Luz de Deus, merecendo todas a tolerância e compreensão. 

As cinco obrigações de todos os Hindus






  • 1. Adoração – Upasana: aos jovens hindus é ensinado a adoração diária na família: rituais, disciplinas, cantos, Yoga e estudos religiosos. Eles aprendem a ficar a salva do mundo moderno (consumista), através da devoção na própria casa e no templo, a usar as vestes tradicionais e devocionais, dando a luz do amor pela Deidade, e preparando a mente em serena meditação;
  • 2. Dias sagrados – Utsava: aos jovens hindus se ensina a participar de festivais hindus nos dias sagrados, tanto na casa como no templo. Eles aprendem a ficar felizes através da doce comunhão com Deus em tais celebrações auspiciosas. Utsava inclui o jejum, atender o templo, nas segundas ou nas sextas-feiras, e em outros dias sagrados;
  • 3. Vida Virtuosa – Dharma: aos jovens hindus é ensinado a viver uma vida de dever e boa conduta. Eles aprendem a ser não-egoístas, e a pensarem nos outros em primeiro; ser respeitosos com os pais, os mais velhos, para com os Swamis, seguindo a lei divina, especialmente respeitando o Ahimsa; não causando danos a nenhum ser, seja mental, emocional ou fisicamente. Assim eles resolvem o problema dos seus Karmas;
  • 4. Peregrinação – Tirthayatra: os jovens são ensinados do valor da peregrinação, e são levados pelo menos uma vez por ano ao Darshana de pessoas santas, templos e lugares, próximos e longe de suas casas. Eles aprendem a ser desprendidos dos assuntos mundanos, e fazer de Deus, os semideuses, e os Gurus, foco de vida singular durante esta jornada;
  • 5. Ritos de passagem – Samskaras: os jovens são ensinados a observar os sacramentos que marcam e santificam as passagens através a vida. Eles aprendem a ser tradicionalistas, e a celebrar os ritos de nascimento, entrega de nomes, raspagem da cabeça, primeira alimentação, perfuração das orelhas, primeira aprendizagem, chegada da idade, matrimônio e morte.


Características inalienáveis de um Hindu 






O Hinduísmo é uma religião de características iniciáticas. Portanto, para que alguém ingresse formalmente nele deverá ser iniciado por um Guru ou mestre espiritual. Não existe uma outra maneira. Todo aquele que pretende ingressar no Hinduísmo deverá submeter-se aos processos de iniciação em cerimônias realizadas por Brahmanas qualificados. De outro modo, não terá nenhuma validade e não será considerado Hindu.


  • 1. TODO o Hindu praticante deverá ter um nome espiritual, recebido numa cerimônia védica chamada Namakarana-Samskara (e não se trata de uma translineação do nome de registro civil para os caracteres em sânscrito, ou tradução para o sânscrito; bem como autointitulado pela própria pessoa);
  • 2. TODO o Hindu deverá estar engajado numa corrente de pensamento, ordem, seita, etc., segundo, os princípios Sivaístas, Vaishnavas, Shaktistas, Deviístas, etc.
  • 3. TODO o Hindu deverá ter um mestre espiritual ou Guru ou preceptor ao qual é fiel e fidedigno servidor;
  • 4. TODO o Hindu deverá seguir os princípios do Ahimsa, o não-violência, bem como do Satya ou veracidade, além do Yama e Niyama, de modo que NUNCA irá se apropriar do que não lhe é devido (isso inclui o nome espiritual, bem como os bens materiais e de direito - como direitos autorais, etc.).
  • 5. TODO o Hindu está vinculado a uma Deidade; deve freqüentar o templo, e levar o Dakshina para Ela, e assim manter o templo funcionando. Deverá prestar serviço ao templo, a Deidade e ao Guru, e se reunir com os devotos para trocar experiências, congregacionar o canto dos Santos Nomes em Satsang;
  • 6. TODO o Hindu respeita as seitas e religiões dos outros, e não tem vergonha de dizer que está vinculado a um templo e Deidade, e que serve seu Guru com amor e devoção. Portanto, ele deverá ter um Guru vivo ou Swami Ritvik, ainda que Siksha, para lhe dar as devidas instruções e iniciações dentro do Parampara.
  • 7. NINGUÉM PODE SER HINDU, apenas por ler livros sobre este assunto; ter afinidade e gosto pessoal pela filosofia, sem ter se convertido através da rendição ao mestre espiritual, e ter realizado Agni Homa ou cerimônia de fogo para a consagração. Para tanto, deverá usar a marca auspiciosa do mestre espiritual, cantar o Mantra que Ele indicar, e agir em conformidade com os deveres prescritos segundo a ordem do mestre espiritual.

Como vimos acima, ninguém pode se autointitular hindu pelo simples fato de ter nascido na Índia ou num país que tenha uma grande população de Hindus. Mais do que isto, para que alguém possa ser um Hindu deverá seguir os princípios reguladores, segundo a ordem que se filiou no momento do Namakarana. SEMPRE um Hindu deverá ajudar o templo e a seu Guru. Ele SEMPRE terá um nome devocional que designa a sua família espiritual em que está engajado. Não há como ser Hindu por livros, leituras e invenções pessoais. Tem que existir irrestrito respeito aos Vedas e as injunções védicas, de forma incondicional. Quem disser que é possível ser Hindu apenas por adotar esta filosofia, porque gostou, estará mentindo, portanto, desrespeitando um dos grandes princípios do Sanatana-dharma que são basicamente Ahimsa e Satya, ou veracidade acima de tudo, sem agressão.



Recebendo um chamado






Pode ser que alguém, não nascido na fé, se aproxime da filosofia do Sanatana-dharma por intermédio de leituras, ou de algum outro meio, e, assim, sentir uma vocação para seguir o caminho e ingressar no rebanho dos Hindus. Contudo, no mais das vezes, a fantasia é prevalecente na mente de quem não tem uma vivência prática de algo. O mesmo acontece com a prática do Hinduísmo. Portanto, o pretendente deverá ter um período de provação da sua nova vocação, ou continuidade da mesma. Este período pode levar 2 ou 5 anos, de acordo com a indicação do Swami ou Guru da missão. Após o período de provação, então a pessoa poderá ou não ser iniciada, tendo o apoio do corpo dos devotos e o sacerdote Brahmana da missão. A pessoa que deseja ingressar na fé Hindu deverá seguir os princípios apontados pelo Guru Diksha ou Siksha, e não desviar um só dia. Deverá, também, prestar serviços ao templo e ao Guru, quando este pedir. Sempre há muitas atividades para ser feitas num Ashrama, de modo que basta aproximar-se da pessoa encarregada de secretariar as atividades do mesmo e logo engajar-se no Seva. Este serviço, realizado de forma abnegada e gratuita, tem por finalidade desenvolver as qualidades do modo da bondade ou Sattva, e colocar o devoto no caminho da perfeição espiritual.


om tat sat

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Dez equívocos comuns sobre o Hinduísmo

Dez equívocos comuns sobre o Hinduísmo

Texto adaptado por

Krsnapriyananda Swami
Prof. Olavo DeSimon



Com cerca de 14% da população mundial (± um bilhão de pessoas), o chamado Hinduísmo, é a terceira maior religião do planeta. Além do mais, é dita como a religião mais antiga existente. Historiadores levantam a hipótese de que, o que chamamos “Hinduísmo” hoje, pode ter existido desde dez mil (10.000) anos atrás. Apesar disso, o Ocidente tem um conceito equivocado sobre as pessoas que seguem esta religião, bem como da própria religião em si.

1º. O termo “Hindu”
Os termos Hindu e Hinduísmo são anacrônicos, e não se referem aos textos antigos da religião. O termo refere-se às pessoas da região do rio Indo, na Índia. “Hindu”, e “Hinduísmo”, provavelmente originou-se do povo Persa, que invadiram o subcontinente indiano, e que podem ter referido ao termo, porque as pessoas do vale do rio usavam a palavra “Hindu”, que significa “rio”. Mas o nome real para Hinduísmo é Sanātana-dharma (ordem ou dever eterno), o qual é desconhecido pela maioria dos ocidentais. Os seguidores do Sanātana-dharma são chamados dharmis, o qual significa “seguidores do Dharma”. O uso das palavras “Hindu” e “Hinduísmo” foram empregados inicialmente pelos ocidentais, e apesar de muitos indianos da atualidade adotarem os termos. Outras tradições do “dharma” são o Jainismo, Budismo e Sikhismo.

2º. Todos os Hindus são vegetarianos
É verdade que muitos Hindus praticam o vegetarianismo, mas isso não é o caso para a grande maioria dos seguidores. Alguns Hindus creem que todos os animais são seres sensíveis, então eles não comem carnes. Mas para muitos outros, comem praticamente de tudo. Estima-se entre 30 e 35% dos Hindus como vegetarianos, devido ao princípio da não-agressão – ahimsa. A minoria dos Hindus vegetarianos – 300 milhões – ao redor do mundo, seguem aquele princípio como fundamental.
A grande maioria dos líderes espirituais do Hinduísmo são vegetarianos, enquanto a grande maioria dos seguidores não o é. Basicamente, o princípio do ahimsa (trazido originalmente do Jainismo), apregoa o chamado “karma negativo”, para quem abate animais e consome esses produtos. Mas nem todos os Hindus seguem essa regra, assim como nem todos os judeus seguem o kosher.

3º o Hinduísmo é uma religião organizada
As razões que tornam uma religião organizada são diversas, mas, na maioria das vezes, o conceito parece estar envolto no com o religioso e a política num determinado tempo e população. Sabemos que o Cristianismo se espalhou através dos romanos, principalmente dos bizantinos, assim como o Islamismo espalhou-se através de campanhas de muçulmanos na Ásia e Europa. Mas o Hinduísmo organizado não se espalhou pelo mundo de forma sistemática.
Na realidade, não há um líder Hindu religioso único ou particular na fé que seja superior a um outro. O sistema Hindu é diferente, e jamais alimentou qualquer tipo de “império”. Deste modo, os aspectos religiosos do Hinduísmo evoluíram para um rol de ensinamentos e princípios orientadores, sem a influência política vista nas outras religiões, chamadas por isso, organizadas, e de cunho majoritário. Não há proselitismo no Hinduísmo, como também não há um fundador nem tampouco uma data específica de sua origem. Sabe-se que uma síntese dos ensinamentos Hindus nos mostra que foram agrupados por volta dos anos 500-300 antes da nossa era, e ao longo dos anos, várias formas Hindus fundiram-se nas práticas mais ou menos comuns que vemos nos dias de hoje.
4º o Hinduísmo possui um sistema discriminatório de castas
Devido ao fato de o Hinduísmo estar relacionado a Índia, é comum o conceito equivocado de que a religião em si segue um sistema de castas. Por exemplo, os assim chamados “intocáveis”, na sociedade indiana, está fora do que é relatado na cultura védica, sendo contrário os princípios do Hinduísmo.
O sistema indiano assinala a pessoa pelo nascimento, mas não com a atividade ou personalidade encontrados no sistema original. Enquanto isso, o termo “varna”, ordem social, constitui-se num mosaico de deveres morais, relacionados às características pessoais de alguém, independente do seu nascimento, e vinculados as atividades.
Apesar de que, com tempo, os dois sistemas terem se tornado interligados ou misturados, o Hinduísmo não segue este princípio fora da Índia. Originalmente, o sistema varna está dividido nas atividades: dos Brahmanas, sacerdotes e professores; dos Kshatriyas, governantes e guerreiros; dos Vaishyas, fazendeiros e comerciantes, e, dos Shudras, trabalhadores diversos. De algum modo, o sistema védico é observado no Ocidente independente do Hinduísmo, mas sem a devida caracterização. No sistema cultural indiano, os Dalits são chamados sem castas ou intocáveis.

5º os Hindus adoram ídolos
A grande maioria das pessoas acredita que os Hindus adoram ídolos. Isso se deve ao fato de que os seguidores das grandes religiões do Ocidente, Islamismo, e Cristianismo, ambos proibidores da chamada “idolatria”, veem como um aspecto antirreligioso. No entanto, os Hindus não consideram isso uma “adoração de ídolos”, mas veem Deus em tudo e em todos.
Todos os objetos são uma “arca”, uma incorporação viva de Deus, de modo que a vida é vista como derramada dentro de cada imagem ou “ídolo”, que talvez algum Hindu reverencie. Os Hindus chamam esta prática de “murti-puja” (reverência à imagem), e refere-se à crença de que toda a criação é uma forma de Deus, e Sua forma está em tudo.
Os Hindus não vêm essa adoração como sendo uma forma de adoração de imagem, mas como uma representação de Deus em tudo. Isso conflita diretamente com a tradição abraāmica, de adoração a ídolos, conforme os Dez Mandamentos. Essa separação é dificultosa para os ocidentais, então acusam os Hindus de idólatras.

6º os seguidores Hindus adoram vacas
Os Hindus não adoram vacas. Esse equívoco comum deve-se a maneira como os Hindus tratam as vacas, um animal que “dá mais do que tira”, sendo simbólico para todos os outros animais, no que representa a vida e sua manutenção. Comendo apenas grão, grama e água, a vaca fornece leite, manteiga, iogurte, queijo, e fertilizantes, etc., desta forma, nos dá muito mais do que tira.
As vacas também são respeitadas por sua natureza gentil, sendo vista com características maternas. Devido ao modo como os Hindus veneram as vacas, e na sociedade indiana, isso parece aos estrangeiros como sendo adoração. Mas os Hindus não veem isso como adoração, mas como respeito aos animais em geral.

7º Mulheres com Bindi (símbolo na testa) são casadas.
Um bindi (u botão vermelho na testa), é usado por milhares de mulheres, casadas e solteiras, ao redor do mundo, especialmente na Índia. Bindis constituem-se em regra espiritual na cultura Hindu, apesar de estar diminuindo nos tempos atuais.
Tradicionalmente, uma mulher colocava um ponto vermelho na testa, feito com um pó especial, na região entre as duas sobrancelhas, significando casamento, como sinal de amor e prosperidade. O local refere-se ao chamado “terceiro olho”, o qual assinala a perda do egoísmo “ahamkara”. Nos tempos atuais, para a grande maioria, perdeu-se aquele significado, e assim as mulheres usam a cor do bindi que escolherem, sem ter relação com o casamento.
Na tradição, um bindi preto significava a perda do marido quando utilizado por uma viúva. Os homens usam um tipo de bindi chamado de “tilak”, o qual consiste numa série de linhas colocadas na testa, e, as vezes, um ponto. Várias cores denotas diferentes linhagens, escolas, mas a principal tradição da cultura do uso de tilak é conhecida apenas por estudiosos renomados da cultura indiana.

8º O Hinduísmo é tão antigo quanto o Judaísmo
Sabemos que muitas tradições e religiões culturais brotaram no subcontinente indiano durante milhares de anos, antes de finalmente unir-se para formas o Hinduísmo moderno, por volta do ano 1800 de nossa era atual. É um equívoco comum achar que o Hinduísmo tenha começado por volta da época do Judaísmo, a primeira religião abraāmica que deu início ao Cristianismo e Islamismo.
Enquanto o Judaísmo é uma antiga fé que tenha se originado por volta do ano 1500 antes da era atual, antigas formas de Hinduísmo surgiram no período pré-histórico, datando de milhares de anos antes. Mas devido ao fato de o Judaísmo ter começado entre práticas combinadas de várias tribos por volta de 4000 antes da nossa era, erroneamente crê-se que tenha sido a religião mais antiga.

9º a Bíblia Hindu é o Bhagavad-gita
O Bhagavad-gita é o texto Hindu mais conhecido no mundo Ocidental, mas não é a Bíblia Hindu. O Bhagavad-gita ensina muitos dos principais princípios do Hinduísmo, narrados através de um diálogo entre o príncipe Pandava, Arjuna e Krishna.
Os livros sagrados estão divididos em “Sruti”, o que foi ouvido ou escutado, e “Smriti”, o que foi lembrado ou recordado. Os textos Sruti são considerados como de inspiração divina, enquanto que os Smriti são derivados das interpretações dadas por grandes sábios.
O Bhagavad-gita é considerado por muitos como sendo uma alegoria para os princípios éticos e morais para uma pessoa, sendo então usado como um guia. Mohandas Gandhi cita o Gita como um “dicionário espiritual”, e usou os ensinamentos da escritura para ajuda-lo durante o movimento de independência da Índia.

10º o Hinduísmo é Politeísta com 330 milhões de deuses
Por definição, monoteísmo é a crença de que há apenas um Deus, enquanto que o politeísmo crê em muitos deuses. Aceita-se o Judaísmo como sendo a primeira religião monoteístas, comparando-a com o Panteão greco-romano, povos os quais eram politeístas, onde tinha um deus para o amor, outro para a guerra, etc.
O Hinduísmo é comumente ensinado como sendo politeísta, e como possuindo 330 milhões de deuses, mas isso não é uma descrição precisa da religião. O conceito de Deus no Hinduísmo é complexo, e pode ser diferente para cada pessoa, mas sempre gira ao redor de um Deus único ou Espírito Supremo.
As diferentes práticas Hindus seguem várias formas ou representações de Deus, mas cada representação – deva – é em si uma representação de Deus. Os Hindus creem que Deus sendo o Supremo, não pode ser plenamente entendido, assim, as representações terrenas, Shiva, Vishnu, etc., são meros aspectos simbólicos de Deus, porque Este não pode ser entendido.
Cada Hindu é capaz de decidir qual a representação de Deus eles preferem em qualquer tempo, e diferentes culturas, ao longo dos milênios têm produzido milhões de representações distintas. Isso porque Deus é Uno e está em tudo e em todos.









segunda-feira, 18 de julho de 2016

O Sonho de Rāja Jānaka

O Sonho de Rāja Jānaka

Por
Swāmi Kṛṣṇaprīyānanda Saraswatī
prof. Olavo DeSimon

SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL
GITA ASHRAMA
Porto Alegre, RS - Brasil
2006-2016





O Rei Jānaka concede sua filha Sita para Śrī Rāma

karmaṇaiva hi saṁshiddhim
āsthitā janakādayaḥ
loka-saṅgraham evāpi
sampraśyan kartum arhasi

“Certamente, pela ação correta ou Karmayoga o rei Jānaka, e outros, conseguiram a perfeição, agindo pelo exemplo; considera que devas atuar e cumprir”.

B.gita, 3.20


  1. Introdução
Qual foi a ação correta que o rei Jānaka realizou? Que experiência magnífica ele teve que o colocou diretamente com a consciência do Ser ou Ātma? Uma breve história sobre este rei e o que o fez mudar o enfoque sobre a realidade será comentado a seguir.
O rei Jānaka foi o pai de Sita, a esposa de Sri Rāma. Ele foi um rei exemplar, e tinha um profundo senso de liberação. A partir de um sonho que teve certa feita, ele deu início a uma profunda investigação do Brahman. A história que veremos a seguir tem em vista mostrar a irrealidade do mundo material, não enquanto expressão material, mas enquanto realidade transcendental. Para o leitor compreender o texto na sua profundidade filosófica deverá despojar-se das ideias dualistas “eu” e “meu”, uma vez que não é possível uma metafísica sem que haja o devido despojamento da dualidade ou do Dvāita.
A filosofia dos Vedas, e todos os textos derivados e comentados são Advāita, ou não-dualistas. A grande confusão nos dias de hoje é devida às más interpretações e solipsismos feitos por sobre a metafísica dos Vedas, e que no mais das vezes estão comprometidas com a visão de movimentos religiosos independentes, e que não possuem vocação filosófica, sendo puramente especulativas.
No Bhagavad-gītā, e numa enumerável seqüência de textos e comentários diversos da literatura védica, o rei Jānaka é citado como exemplo de retidão, esforço e empenho no caminho do Dharma. No verso 3.20 do Bhagavad-gītā, Kṛṣṇa cita o rei Jānaka como sendo um grande exemplo de quem alcançou a liberação do Saṁsāra por meio da ação abnegada ou Karma-yoga. São as seguintes as palavras de Kṛṣṇa, dirigidas para Arjuna: “Certamente, pela ação correta ou Karmayoga o rei Jānaka, e outros, conseguiram a perfeição, agindo pelo exemplo; considera que devas atuar e cumprir”. Bgita, 3.20 Isso quer dizer que a realização do serviço abnegado é tão elevada quanto qualquer exercício de realização pelo Jñana.
Karma-yoga não é uma ação feita tendo em vista um resultado, mas uma ação pura e livre de busca de resultados. A ação deve ser exemplar, uma vez que na ação abnegada está a liberação da idéia de “eu” e “meu”. Deve-se saber diferenciar uma ação benevolente, que tem em vista agradar o próprio ego e receber fama e prestigio dos que olham daquela ação que é feita de forma absolutamente abnegada, sem ter em vista nenhum beneficio egoísta como fama, prestigio e poder. Kṛṣṇa salienta o tempo todo que alguém devidamente iniciado e reverente ao Guru (4.34), prestando serviço aos seus pés, é de fato adequado para liberar-se do mundo material.
Ensina-se mais pelo exemplo do que por teorias contidas em textos. Isso nos mostra que não é de agora a ocupação com o processo de educação onde o exemplo dos ācāryas, como verdadeiros modelos de exemplos, as pessoas procuram seguir. Kṛṣṇa, mais uma vez, reforça a idéia de que Arjuna deve lutar, porque seus atos não estão isolados de todo o contexto. O rei Jānaka foi instruído pelo sábio Aṣṭāvakra, numa obra intitulada “Aṣṭāvakra-gītā”, de como deve ser a ação de um renunciado. A ação correta é aquela que e feita sem ter em vista o fruto ou a expectativa do resultado, chamado pelo sábio de “picada da serpente negra da auto-opinião de “eu sou quem faz”. Os pares de opostos, do mundo material, são explicados ao rei naquela obra, tendo em vista alcançar a liberação do saṁsāra ou ciclo de nascimentos e mortes.

2. O Sonho do Rāja Jānaka
Swami Sivananda
O Rāja Jānaka governou o país de Videha. Certa feita, ele reclinou-se num sofá. Isso foi por volta do meio dia, no mês de junho. Ele deu uma soneca de alguns poucos segundos. Ele sonhou que tinha um rei rival com um grande exército e que tinha invadido o seu país, matado seus soldados e ministros. Ele saiu do seu palácio, estando descalço e sem roupas que o cobrissem.
Jānaka encontrou-se perambulando na floresta. Ele ficou com sede e com fome. Ele chegou numa pequena cidade onde pediu comida. Ninguém deu bola para o seu pedido. Então ele foi até um local onde algumas pessoas estavam dando comida para os mendigos. Cada mendigo tinha uma tigela de barro para receber arroz e água. Jānaka não tinha a tigela, então eles disseram que trouxesse uma. Então ele foi à procura de uma tigela. Ele pediu para outros mendigos para emprestar uma tigela para ele, mas nenhum deles quis emprestar a sua. Por fim, Jānaka encontrou um pedaço de uma tigela quebrada. Então ele correu com o pedaço, onde arroz e água estavam sendo distribuídos. Mas tudo já havia sido distribuído.
O Rāja Jānaka estava muito cansado devido a longa viagem, e com fome, sede e calor devido ao verão. Então ele se recostou próximo ao local onde a comida havia sido cozida. Ali, alguém se tomou de piedade por Jānaka, e deu a ele algum arroz e água, que havia ficado no fundo da panela. Jānaka pegou com imensa alegria e assim que ele iria colocar o alimento em seus lábios, dois enormes touros jogaram-se brigando por sobe ele. A sua tigela se quebrou. O Rāja acordou-se com grande medo.
Jānaka ficou tremendo violentamente. Ele ficou com um grande dilema, em saber qual dos dois estágios era real. Todo o tempo em que estivera sonhando, na miséria, com sede e fome, ele jamais pensara que era uma ilusão. Então a rainha perguntou para Jānaka, “Ó Senhor! O que o está afligindo?” Em poucas palavras Jānaka disse, “O que é real, ou que não é?”. A partir de então deixou todo o trabalho e ficou silencioso. Ele não falou nada mais do que as palavras acima.
Os ministros pensaram que Jānaka estava sofrendo de alguma doença. Então eles anunciaram que qualquer um que pudesse curar o rei seria ricamente recompensado, mas se falhassem na cura seriam feitos prisioneiros. Grandes médicos e especialistas tentaram a sorte, mas nenhum deles pode responder a pergunta do Rāja. Centenas de Brahmaṇas bem versados na ciência da cura de doenças foram postos na prisão. Entre os sábios, estava, também, o pai do grande sábio Aṣṭāvakra. Tendo apenas dez anos de idade, e ao ficar sabendo por sua mãe da situação do seu pai ter sido preso, por ter falhado na cura do Rāja, ele pediu para ver o rei Jānaka.  Chegando ao rei, ele perguntou se ele gostaria de escutar a solução da sua pergunta em breves e poucas palavras, como a questão estava sendo colocada, ou em detalhes devido a experiência do sonho. Jānaka não quis repetir o sonho, uma vez que considerava humilhante fazer isso diante de uma grande platéia. Então ele concordou em receber uma breve resposta.
Aṣṭāvakra, então, sussurrou no ouvido de Jānaka: “Nenhum nem outro é real”. Então Jānaka alegrou-se. Sua confusão foi removida. O Rāja Jānaka, então, perguntou para Aṣṭāvakra, “O que é real?”, e daí sucedeu-se um longo diálogo entre eles. Isso está bem documentado num livro chamado Aśtavakra-Gītā, o qual é altamente recomendado para os buscadores da Verdade.



3. O rei discípulo e a ilusão do mundo
Swami Kṛṣṇaprīyānanda
excertos
Śukadeva Goswami ensinou o Śrīmad Bhāgavatam para os reis sábios, como Parīkṣit maharāj e Jānaka Maharāj. Os textos dizem que certa feita Śukadeva iniciou um discurso atrasado, porque Jānaka não tinha chegado. Então os outros se ressentiram pelo sentimento de Śukadeva em relação ao rei Jānaka. Então, de modo equivocado, eles pensaram que Śukadeva estava fazendo aquilo devido a posição real de Jānaka, pensando que o seu Guru estava se deixando levar pelas coisas mundanas. Śukadeva ficou sabendo desta má interpretação, então ele pensou numa forma de dar uma lição aos discípulos orgulhosos.
Quando Jānaka chegou, Śukadeva falou por algum tempo, mas então ele fez um arranjo com seus poderes místicos de modo que os discípulos puderam ver num local distante, no horizonte, a cidade de Mithilā, a capital do império de Jānaka, e puderam ver que estava em chamas, e assim se desmanchando.
Os discípulos estavam escutando o Ātma-Bhoda, ou a lição de que apenas o Ātma é real e que tudo o mais é simples aparência, imposta pelo Ātma, devido a névoa da ilusão e ignorância. Ao ver a cena, cada um dos discípulos saiu correndo, deixando a aula do preceptor, temendo aproximar-se do fogo e que isso pudesse queimar suas roupas e livros. Mas Jānaka, cuja capital estava sendo reduzida à cinzas, ficou imóvel, ao saber de que o fogo era apenas aparente não era real.
Śukadeva, pessoalmente, pediu para Jānaka ir e avaliar os danos e tentar salvar o que não havia sido queimado pelo fogo. Mas Jānaka respondeu que seu tesouro era Jñāna (sabedoria), e que havia recebido do seu mestre, e que com isso havia se despreocupado do mundo objetivo, acessível pelos instrumentos do conhecimento externo.
Com isso, Śukadeva disse que o fogo era uma simulação, criada por ele para mostrar para os outros a distância entre o conhecimento erudito de Jānaka em contraste com o conhecimento superficial.

4. Relatividade do mundo
Certa feita o rei Jānaka se aproximou do sábio Yājñavalkya e perguntou para ele: “Ó sábio! Por favor, deixe-me saber sobre minha vida anterior”. O sábio respondeu: “O que passou, passou. Não há utilidade em relembrar isso. Você completou a sua jornada ao longo da estrada. Não se preocupe como foi que ela foi trilhada. Isso não irá ajudá-lo na sua jornada rumo a glória!”. Apesar de o sábio ter usado de muitos argumentos para dissuadir Jānaka Maharaj, da sua pergunta insistente, ele não conseguiu dissuadi-lo. Yājñavalkya, então, utilizou do seu poder de visão e disse para o rei, Jānaka, sua esposa na vida atual foi sua mãe na vida anterior”. Ao ouvir isso, Jānaka ficou chocado. Ele refletiu: “Que má pessoa tenho sido, em desfrutar de minha mãe anterior em minha esposa! Devo abandonar tal vida perversa”. A partir deste momento ele começou a tratar a sua rainha como sua mãe, e abandonou todos os apegos mundanos, buscando a realização espiritual.

5. Casamento para quê?
O rei Jānaka foi um buscador da verdade; da Verdade Suprema ou Brahmajñana. Ele buscava o conhecimento tendo em vista a autorealização, e não para alcançar conforto material. Certa feita, ele organizou uma assembléia de sábios. Nesta assembleia, Gargī Devī conduzia um debate com Yājñavalkya. O debate estava baseado nas Escrituras. Mas não chegava a uma conclusão. Então Gargī Munī colocou uma questão para Jānaka, dizendo: “Qual é a marca de um Sthitha Prajña?”, no que o rei respondeu, “Ele é o uno; quem realizou a unidade com o Absoluto”. Gargī disse, “Se você realizou o estado de Consciência, então você terá apenas a consciência da Unidade. Você não está neste estágio agora” Então o rei disse, “Eu desejo alcançar este estágio de consciência”. Gargī respondeu, “O rei! Eu tenho um desejo. Você poderá realizá-lo?”; “Certamente”, respondeu Jānaka. Então ela pediu para casar-se com ele. O rei respondeu, “Eu tenho apenas uma esposa, Sunetra (aquela que tem boa visão). Eu não desejo me casar com qualquer outra esposa”. Gargī disse, “Você e um grande Jñani. Você tem uma boa visão, e sua rainha é uma dama de boa visão também. Pode ser que eu peça para que o grande Yājñavalkya peça isso para você?”. O rei respondeu, “Eu darei para ele o que ele me pedir”. Indubitavelmente Yājñavalkya era um grande sábio, mas não tinha total controle dos sentidos. Yājñavalkya então pediu para o rei, “Dê-me Gargī em casamento. Celebre nossas núpcias”. Então, houve um grande alvoroço na sala. Os grandes sábios que estavam presentes na sala perguntaram, “Qual o significado do pedido de Yājñavalkya?” Gargī perguntou para Yājñavalkya, “Qual era o propósito de um casamento?”, Yājñavalkya respondeu: “Ter progênie”. Gargī disse, “Não! A esposa é a outra metade do marido ou Ardhangi. Isso significa que ela deverá buscar o Dharma junto com seu marido, como uma Dharmapatni (uma esposa correta). O casamento é pela segurança da continuidade do Dharma; não para um desfrute de prazeres mundanos. Por acaso está nosso imperador desfrutando dos prazeres carnais no palácio? O mesmo que experimentado pelos cães nas ruas? Será isso felicidade?”.

Hari Om Tat Sat

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Não Há Tarot Védico

Não há Tarot Védico
Olavo DeSimon (Krsnapriyanananda Swami)


Eventualmente, perguntam-me sobre a possível existência de um “tarot védico”, quando, na realidade, não existe tal “dispositivo” adivinhatório na cultura védica. É certo que as pessoas tendem a interpretar as coisas pelo viés gravitacional da cultura que estão mergulhadas, mas para o bem da sabedoria, “védico” diz respeito aos Vedas: um conjunto de textos sobre hinos de louvor, sacrifício e cânticos rituais do antigo Irã (Arian), levados até a Índia por volta de 1.500 antes da era atual. Ainda que possam ter existido civilizações anteriores no norte da Índia, a hipótese da influência ariana é forte, principalmente quando lemos os textos de ambas as culturas e os comparamos, com a devida exegese. No mais, Vedas são textos destinados aos membros envolvidos na cultura do Sanatana Dharma, conforme o sistema de varnashrama, posição de atividade social como os Brahmanas, Kshátryas, e Vaishyas. Alguns aspectos são específicos aos Brahmanas, como rituais de sacrifício, outros aos Kshatryas, como a guerra e administração, e, também, aos Vaishyas, estes dedicados ao comércio. Fora disso, temos os chamados “escritos seculares”, que são textos advindos do folclore cultural indiano que, como sabemos, é um cadinho de múltiplas culturas e tradições diversas, como da Mongólia, da Arábia, da  Persa, bem como da cultura Ocidental, e assim por diante.

Na Índia, o que mais se aproxima do que conhecemos como “tarot”, uma prática divinatória surgida na Europa por volta dos séculos XV e XVI, apesar de não se utilizar de cartas, mas de dados (como o pachisi) , tem distintos nomes como:  Maha Lilah, Gyan Chapaud, Shaap Shree, Mohska-Patamu, entre outros, conforme a região do continente, e que, na verdade, são jogos de divertimento ou passatempos (lilah) que não seguem rituais védicos. Em resumo, no mais das vezes, há um tabuleiro com oito níveis de avanço no jogo, constituindo-se em média de 72 (setenta e duas) casas, denominadas “lokas” (mundos); entre essas casas, em alguns dos jogos, há escadas, também serpentes interferindo a caminhada do jogador; as casas dos devas (deuses), como Brahma, Vishnu e Shiva, são ditas que se encontram em um nível intermediário ao do guru. A meta final é alcançar a casa do Guru, ou mestre, conhecida como “garana”. Portanto, se há algum “tarot védico”, esse, sem dúvida, será uma adaptação do jogo de cartas europeu do final da Idade Média, e sem origem nos Vedas.

Contudo, o aspecto peculiar dos jogos de tabuleiro anteriormente mencionados, é a forma lúdica de ensinar os fundamentos da cultura do Sanatana Dharma, como Dharma (dever), Karma (trabalho: ação e reação), Kama (laser) e Moksha (liberação). Estes aspectos estão presentes e elucidados nos Upanishads, que são comentários dos Vedas, desde que estes textos estão numa linguagem mais simbólica do que real. Há muitas formas e variantes daqueles jogos, mas o pano de fundo é a moral e a ética contida na tradição indo-europeia.

Referências biblográficas
ELIADE, Mircea. O conhecimento sagrado de todas as eras. São Paulo, Mercuryo, 2004.
ELIADE, Mircea; COULIANO, Loan P. Dicionário das Religiões. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
ZIMMER, Heirinch. Filosofias da Índia. São Paulo, Palas Athena, 2000.
___ Mitos e Símbolos na arte e civilização da Índia. 2ª reimp. São Paulo, Palas Athena, 1998