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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Deus segundo o Sanatana Dharma

Deus segundo o Sanatana Dharma

Swami Krsnapriyananda Saraswati

SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL
SANATANA DHARMA BRASIL
GITA ASHRAMA

Porto Alegre, RS
2008-2010


Mahavishu, Brahman personificado na Sua forma de conservador

Deus no Sanatana Dharma
Deus tem muitos nomes e formas; Ele é onipresente, então, Ele está presente em tudo e em todos. Ele é onisciente, portanto, Ele está na consciência de todos. Também, Ele é onipotente, logo, tudo é Ele. Ele é tão fixo na sua variedade que é como as estações e suas alternâncias; Ele é como as plantações: tempo de arear, semear e colher. Por isso Ele é Brahmaa, a semeadura; Vishnu, a colheita e armazenamento, e Siva, as queimadas, o renovar da terra. Ele é mãe, pai e filho; Ele é Devi ou a deusa criadora, bem como é Mara, a morte, e Maya, a ilusão.

Deus está tanto numa pedra como numa borboleta; na mais diminuta célula viva, e em toda as partes. Tudo é Deus, Deus está em tudo; Ele é tanto imanente como transcendente; tanto com forma como sem forma; tanto manifesto como imanifesto. Desta maneira, há tão somente Deus e Deus somente. No Sanatana Dharma toda a ação (Karma), tem em vista tão somente realizar Isso que é Ele.

Todos somos germinalmente tais quais Ele: Tat Tvam Asi; Maya ou apego ao temporário e ilusório faz a entidade viva perder a consciência do Supremo. No mundo material, todos vivem na ilusão da eternidade da matéria. A identificação com o corpo, forma a idéia que diferencia, “eu” d’ Ele. Maya é este poder ilusório que dá nuances de verdade para o que não é verdadeiro. O mundo é uma aparência, um mero arremedo da Verdade. Não há diferenças entre a Verdade e o Supremo. Deus é o Uno do qual tudo se origina. Ele não tem começo nem fim, e É sem segundo. Ele tem muitos nomes como Krishna, Siva, Mahadeva, Devi (Seu aspecto original feminino, criador); Ele é Ganesha, Skanda, Rama, Kartikeya; Ele é Kali (outro aspecto feminino), assim como Durga. São tantos os nomes e formas que Deus tem, que não se pode dizer todas numa vida. Porque tudo é Deus, logo, sendo Ele onipresente, onipotente, onisciente, está em qualquer lugar, podendo tudo, tendo consciência de Tudo. Ele é tudo.

Nem mesmo o mero cair de uma folha numa árvore distante passa despercebido por Ele. Ele é o controlador original, Vishnu. Ele é o criador de todas as entidades vivas, ou Brahmaa; Ele é o destruidor de tudo, que a tudo renova na Sua forma devastadora de Siva Nataraja. Tudo é Deus; Deus está em tudo. Tudo é Brahman!

A visão do Sanatana Dharma é pananteísta ou panteísta, ou seja, Deus está em tudo, e tudo é Deus. Mas no Sanatana Dharma não há politeísmo (muitos deuses), porque Deus é um só o Uno. Ele tem muitos nomes e muitas formas, mas é tão somente Um. Assim como “humanidade” é todo o conjunto de seres humanos, distintos em formas, cores, culturas, etc., assim, também, Deus é uno na Sua diversidade. Do mesmo modo como há “muitas virgem-marias” no Catolicismo, por exemplo, com muitos nomes e muitas formas, com vestes distintas, etc., assim, também, Deus e Suas representações no Sanatana Dharma é variado; mas suas representações são tão somente manifestações de uma mesma coisa.

A Unidade de Deus

Sri Krsna mostra Suas múltiplas formas

 A principal afirmação da unidade de Deus é a Sua imensa diversidade, porque o Seu passatempo preferido é a diversidade. Assim como um jardim de uma só flor é monótono, sendo lindo quando tendo muitas flores diferentes, do mesmo modo, a multiplicidade de nomes e formas de Deus dá todo o colorido da onipresença de Deus. Assim como somos todos iguais por nossas diferenças, assim, também, Deus é uno da Sua diversidade. Compreender Deus na totalidade e unidade de Sua multiplicidade de nomes e formas é compreender a Unidade do Absoluto. Do mesmo modo como o barro molda vasos, copos, potes, estátuas, etc. etc, a unidade de todas as formas está na essência, ou seja, no barro. Deus é a unidade de tudo. A ilusão de dentro e fora de um vaso se desfaz quando ele se quebra. Desta forma, a ilusão de nomes e formas se desfaz quando há Viveka, ou seja, o discernimento entre o que é temporário, ilusório, passageiro e transeunte e o que é permanente na Sua multiplicidade e unidade. Viveka é saber discernir o que é eterno e permanente daquilo que é variado, temporário e passageiro. Viveka é saber discernir que o Verdadeiro e Sempre existente é o Ser ou Atma, aquilo que dá diferentes formas à matéria, mas que permanece inalterado por ela. O Brahman ou Absoluto é a origem meio e fim de tudo. Ele é tão somente o que de fato existe. Ele se fragmenta em diversos corpos, nomes e formas, mas é tão somente Ele, em diferentes graus de consciência que existe. Somos puro Atma: Tat Twam Asi: somos tais quais Ele, apenas se está corporificado num corpo temporário devido ao desejo pessoal de desfrutar-se dos sentidos grosseiros. Tão logo a falsa idéia do mundo material se desfaz diante do Absoluto e Eterno Brahman, então a entidade viva deseja por união permanente com o que ela realmente é, ou seja, puro Brahman: “Aham Brahmasmi”, afirmam os praticantes do Vedanta: Brahman é o que sou! Tão somente há Brahman.

Deus é uno e tudo é Deus. Há tão somente Deus e Deus somente. Toda a vida material é um aspecto ilusório ou externo, temporário, transitório, enquanto Brahman é a realidade última, única e eterna, que “está sempre sendo”. Sua finalidade é “sempre ser”. O Ser ou Atma é Brahman. O que chamamos “alma” é tão somente Atma, a unidade fundamental do Supremo. Alma é o que somos, logo, tão somente somos Brahman, porque tudo é Brahman.

Adoração ao ídolo
Adoração a Durga Devi (foto cortesia LIFE)
No Bhagavad-gita, canto 12.1, Arjuna pergunta para Sri Krsna, “qual entre os devotos é o mais versado na ciência do Yoga (busca da união ou Samadhi com o Supremo), os que te adoram no aspecto manifesto ou os que te adoram no aspecto imanifesto?”. Manifesto e imanifesto, as vezes são chamados de “personificado” ou “pessoal”, ou então “despersonificado” ou “impessoal”, respectivamente. Então, o Senhor Krishna responde que tanto um como o outro devoto pode ser bem versado na ciência do Samadhi, contudo, aqueles que O adoram no aspecto imanifesto ou impessoal têm mais dificuldade de atingi-lO. Por que isso? Porque concentrar-se numa forma, com atributos, passatempos, parafernálias, etc., é mais fácil para nós, porque estamos acostumados ao mundo com sua multiplicidade de nomes e formas. Com o passar do tempo, com o desenvolvimento de Viveka, vai-se atingindo a compreensão da unidade de tudo e de todos. Passo a passo, o devoto vai se desapegando do mundo, ou melhor, dos resultados das ações ou Karma, como se ele fosse o controlador de algo. Como está no Bhagavad-gita, 12.12, “o conhecimento é melhor do que a mera prática; mas a meditação é melhor do que o conhecimento, contudo, a renúncia ou Tyaga é melhor do que a meditação, porque a paz advém imediatamente para aquele que renuncia”. Mas renuncia ao que? Ao desejo de desfrutar dos frutos do Karma ou do trabalho. Eis porque o devoto vai aos poucos se desapegando, de achar-se ele como sendo o causador das coisas. A mera luta por um desfrute do resultado do trabalho é a causa do sofrimento “porque podemos controlar apenas nossas ações mas não as reações”; o arqueiro tem o controle da flecha até que a atira; tão logo a flecha sai do arco, o seu destino está lançado; não sabe mais o arqueiro – apesar de desejar - se ele irá alcançar o alvo. Portanto, quem renuncia o fruto do resultado alcança a paz da realização, porque tudo é feito tão somente para agradar ao Supremo.

Sri Krsna, ao longo do décimo segundo canto do B.Gita, comenta em detalhes as várias técnicas que o devoto ou pretendente à liberação deverá dedicar-se para obtê-la. A liberação do mundo material trata-se de livrar-se do Samsara, ou retorno ao mundo material devido à própria vontade do agente (Purusa ou Jiva) em querer desfrutar.

Adorar ao ídolo no templo; oferecer incenso, luz de ghi (manteiga clarificada), água, flores, frutos e alimentos é uma maneira de colocar os sentidos grosseiros para cheirar, ver, sentir, etc., tão somente os atributos da Deidade. O som da campainha detém o sentido da audição; o incenso, do olfato; a lâmpada de ghi, a visão, o bater de palmas no Kirtana, o tato, etc. Então, o devoto mantém todos os seus sentidos para tão somente adorar e glorificar o Supremo, Este razão de tudo.

Cada um deve procurar o Abhyasa ou técnica – método, sistema, etc., - que seja mais adequado para si próprio. Uns têm melhor desenvolvimento nos aspectos pessoais (a grande maioria), uns poucos no aspecto impessoal, Absoluto imanifesto de Brahman, mas com maiores dificuldades.

Em cada casa há um templo. Cada casa é, de fato, um pequeno Vaikunta ou mundo espiritual. Ela é consagrada ao ídolo, Deidade ou Murti do lar. A manutenção da chama ou Dip é feita pela mulher; ela toma conta de manter a tradição acesa. O fogo representa a vida, a criação, a renovação. Um dia por ano acendem-se muitas lamparinas, é o Dipawali, ou dia das lâmpadas. É o dia do perdão “hindu”. É o dia de dar roupas novas, presentear, perdoar aos ofensores, bem como é o início do Ano Novo. Este festival dá-se geralmente em meados de Novembro (no Ocidente é chamado de “dia das bruxas” - Halloween). Mas diferente da comemoração Ocidental, na Índia acende-se carreiras de luzes; iluminam-se as casas para receber Laksmi, a “deusa da fortuna”, a consorte do Senhor Vishnu. 

Assim, em cada lar do Vaidika Dharmi (seguidor do Dharma, segundo os Vedas), há um templo consagrado ao Senhor ou Senhora Suprema com uma ou mais formas de imagens, ou quadros, ou mesmo uma pedra. Deus é onipresente, então está até mesmo num grão de arroz. A vida é levada como num lugar sagrado. A casa é o santuário da vida, então nem mesmo se deve usar sapato dentro de casa. Regras simples, mas que tornam o dia dia do devoto um ato sagrado, mesmo naquelas coisas mais triviais e comuns.

O mundo
O planeta Terra é considerado um Patala de quinta grandeza, ou seja, um pequeno mundo infernal. Apesar de o termo nos remeter aos aspectos do entendimento Ocidental, “infernal” aqui aparece no seu sentido literal, ou seja, inferior, abaixo do Mundo Espiritual. Há planetas infernais e planetas celestes. As diferenças estão nos níveis de desfrutes possíveis. Há planetas infernais que possuem cinco vezes mais desfrutes que o planeta Terra. Há planetas celestes que estão muito acima em qualidade de vida material que qualquer outro, mas, em todos os casos, a alma corporificada deverá voltar a esta pequena Terra, considerada como estando no centro de Meru (a coluna do cosmos), e então alcançar a liberação. Enquanto não alcança-la, deverá voltar tantas vezes quantas forem necessárias para alcançar a liberação do Samsara. Este mundo material é, ao mesmo tempo, infernal e celeste. Mesmo os semideuses almejam nascer aqui. Porque aqui é que está a liberação do Samsara. Imagine-se que tão somente agir de tal maneira como um instrumento nas mãos do Supremo é possível alcançar a liberação do Samsara? Em nenhum outro local do universo isso é possível, segundo as Escrituras.

Bhumidevi na forma humana
Quando o Senhor Krsna, o Vishnu corporificado na forma do Dharma, vem para restabelecer a ordem ou Dharma, então tudo se santifica. O mundo recebe os pés de lótus de Deus, então o mundo é, também, santificado. Logo, este mundo é um mundo celeste, divinizado, inteiramente purificado pelo Senhor e Sua misericórdia sem causa ou desmotivada. Apenas por Sua imensa compaixão e misericórdia o Senhor nos dá a Sua bênção de vir aqui e nos ajudar em nossas loucuras.

O mundo é desprovido de bem e mal. Quem ainda se deixa levar pelos pares de opostos,  certamente, não compreendeu a natureza perene e uma do Brahman. Os pares de opostos são possíveis porque há as idéias de “eu” e “meu”, tão logo elas se desmancham, diante da evidencia do Viveka, então o mundo passa a ser visto como um Lila ou passatempo do Senhor. Aqui é um palco para Seu deleite; somos instrumentos do Seu prazer, segundo Sua vontade. Erroneamente a alma corporificada identifica-se com o fruto do desfrute; se esquece do seu caráter temporário e passageiro, e age como se fosse eterna. A confusão se dá porque a alma é, de fato, eterna, mas o corpo não. Apesar de o corpo nascer, envelhecer e morrer, o agente ou quem lhe dá movimento é eterno, sempre existente, nunca nascido, e que jamais morre. Não há “criação” da alma; ela é eterna, incorruptível, não pode ser molhada, secada pelo fogo ou pelo vento; ela é eterna. O mundo é criação da vontade do Senhor, enquanto sonha no Seu sono cósmico. A criação vem e vai. Há uma criação e destruição eternas. São partes do processo material que está sujeito aos pares de opostos. O mundo material é a natureza externa do Supremo ou de Brahman; é um passatempo, um Lila Seu; não é real enquanto comparado com a eternidade do Atma, mas é temporário, passageiro, transeunte, sujeito à corrupção de categorias tão primitivas como tempo e espaço.

Eternidade do Brahman.
A criação, manutenção e destruição do Universo é eterna. Dois aspectos, e duas categorias, pertencem à filosofia do Sanatana Dharmae buscam perguntar pela eternidade do Brahman. O aspecto fixo e imutável, e o aspecto dinâmico e mutável; a categoria dual e a não-dual. Comparando à Metafísica de Parmênides, o Ser é eterno, sempre existente, ataráxico, motor-imóvel, sempre a mesma coisa. Assim alguns poucos vêem o Brahman. Isso mais se deve às influencias da filosofia grega da Anatólia do que a filosofia Dialética do antigo continente Airyano (ariano), da Pérsia conquistada por Alexandre Magno, o príncipe grego que tanto influenciou os continentes. Mas a filosofia original do Sanatana Dharma é dialética, onde então o Ser é dinâmico, estando constantemente mutando... nada do que foi será novamente.. tudo muda.. nada é o mesmo. Esta visão está bem próxima daquela do grego Heráclito, onde este dizia que nem mesmo podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio, porque não será a mesma água nem o mesmo rio.. tudo está mudando. Esta filosofia está presente há milênios entre os defensores do Tantra, a filosofia de Vasugupta, o filosofo do Siva Sutras ou textos auspiciosos sobre o Ser, onde Ser e consciência são unos: Cheitanya Atmah, ou seja, a consciência é o Atma.

Deus, muitos nomes, muitas formas
A categoria não-dual da filosofia chama-se Advaita, enquanto que a dual é chamada de Dvaita. Esta, é mais recente, porém depende muito da filosofia metafísica, ataráxica, nos moldes de Parmênides. Originalmente, toda a filosofia dos Vedas é não-dual, porque há tão somente o Brahman, e a idéia de individuo é ingênua. Não há uma alma individual e outra Suprema, há tão somente uma e única alma chamada Brahman. Mas os dualistas ou Dvaita defendem que há uma alma individual diferente em qualidade da alma Suprema, e esta, no mais das vezes, somente pode ser serva da Suprema, nunca unir-se a Ela. Diferente da filosofia não-dual, que defende a unidade do Brahman, o dualismo crê que o individuo pode tão somente contemplar o Supremo, mas o não-dualismo ou Advaita diz o contrário, que na dissolução do “eu” e “meu” e onde está a liberação do Samsara, porque qualquer que seja o resquício de “mim” trará, de algum modo, a corporificação no mundo material, eternizando o Samsara ou retorno, muitas vezes chamado de “reencarnação”.

Brahman é eterno, e sua eternidade está presente no “sempre sendo”, mas de forma dinâmica, mutável, sendo eterno na sua mutabilidade; sendo Uno na Sua diversidade. Compreender o Uno no dinamismo do Ser é compreender tais quais muitos defendem na Teoria Quântica. Contudo, neste ainda há o átomo, ou unidade da matéria, mas, na visão védica, a matéria é tão somente uma ilusão, um agregado da vontade do Supremo. Não há átomos, nem partículas, tão somente a vontade do Supremo em querer fazer a diversidade a partir de Si mesmo, do mesmo modo como vasos, potes, ânforas, etc., são feitos de barro, tendo este elemento comum na sua “formação”. São ilusórias, portanto, as idéias de “dentro”, “fora”, “vaso”, “copo”, etc., porque tudo volta a sua “matéria” original tão logo é destruído enquanto forma. Forma é ilusão; diferentes moldagens de uma mesma e única matéria: a vontade do Supremo.


Om Hari Hara OM Tat Sat

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