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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Filosofia Sankarite

Filosofia Sankarite

Pontos básicos

Swami Krsnapriyananda Saraswati



Vaisnava Brasil

Gita Asrama

2010



Sri Adi Sankara o maior dos Advaita Vedanta Vaisnavas
“A Ontologia védica ou estudo sobre o Ser ou Atma é o “objeto material” de estudos da Filosofia de Sri Adi Sankara Acharya. O perfeito discernimento entre o que é relativo ao conhecimento objetivo e o conhecimento subjetivo é chamado de Viveka. O Atma é a redução substancial subjetiva, assim como o átomo é a redução objetiva ou material. Os primeiros passos de compreensão da filosofia Sankarite são dados no aprendizado e realização de que somos almas espirituais ou Atma tendo experiências materiais ou objetivas, e não um corpo com uma alma, conforme a identificação objetiva costuma defender de forma equívoca. Sri Adi Sankaracharya promove a inversão ontológica ao dizer que o Atma é tudo e tudo é o Atma.



Hari hara om tat sat”



Prolegômenos

Filosofia requer o conhecimento de termos básicos, bem como o posicionamento racional adequado quanto ao significado dos termos e suas aplicabilidades, evidentemente, filosóficas. É sempre bom consultar um Dicionário de Filosofia acadêmico, e pesquisar as orientações dadas pelos autores filósofos. O leitor deverá saber separar o que é filosofia daquilo que é ideologia. O critério é único: se houver juízo de valor é ideologia, e não filosofia. É importante salientar que as palavras em filosofia possuem um sentido próprio e objetivo, não se tratando de “jogo de palavras” conforme costuma apregoar o leigo, desinformado dos sentidos das palavras em Filosofia. Também chama-se a atenção que Filosofia não é apenas “Filosofia da Linguagem”, bem como estando além da simples análise filológica ou etimológica (aparelhos da Linguística), e etc. Filosofia é senão um perguntar não apenas pelas coisas, mas pela possibilidade da pergunta.

Advaita Sankarite

A Filosofia que Sri Adi Sankara Acharya soergue é chamada de Advaita Vedanta, o Vedanta não-dual. A palavra “vedanta”, como quase todos os termos em sânscrito (escrita sagrada), é uma palavra composta, neste caso, de dois termos, “veda= conjunto de instruções dos Vedas, principalmente Rig veda, Yajur-veda e Sama-veda), e anta= parte; finalidade ou télos; “finalidade dos Vedas”. Portanto, traduções de não-filósofos que descrevem o vedanta como sendo “o fim do Veda”, como se o Vedanta em algum momento superasse os Vedas e desse fim n’Eles, é não somente falta de conhecimento como um impropério filosófico, que logo desnuda quem é ou não é filosofo védico. A não ser que o termo “fim” tenha o sentido de “finalidade”; “objetivo”; “ter em vista”, e etc., ele será um termo equívoco. Entenda-se, também em filosofia pura não há juízos de valor. Portanto, “a-dvaita vedanta” quer dizer que se trata de um Vedanta que difere do Vedanta dual, este último chamado Dvaita, também conhecido como “dualismo”. O leitor leigo ou iniciante poderá pensar que existem muitos “vedantas”, mas na realidade o que muda é a relação entre três aspectos racionais que mais adiante iremos comentar, os quais são objeto material de estudo do Vedanta. O prefixo “a” em sânscrito, como em muitas escritas, tem o sentido de “negação”. Portanto, “a-dvaita” significa não-dual”. Eventualmente se exemplifica o ponto de vista Sankarite como sendo “monismo”, uma vez que Ele afirma existir tão somente um único Atma ou Ser, numa chamada redução ontológica. A razão lógica da sustentação do advaita sankarite é que, “o Ser não pode ser e não-ser ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto e mesmas circunstâncias”, por conseguinte, ou aceitamos que só há um Ser, ou então múltiplos seres, o que contradiz ontologicamente o Ser. O Princípio da Não-Contradição é lógico e não ôntico, isso porque o Ser não pode ser contrário a Sua própria natureza., ou de outro modo será falácia. O leitor deverá saber distinguir que o enfoque dado por Sankara à unidade do Atma ou Brahman não deve ser confundido com a visão de que somente uma forma é verdadeira (conforme algumas seitas dualistas Vaisnavas costumam considerar), e que as outras formas não são verdadeiras ou são parciais. Divisões e subdivisões com hierarquias no Brahman é chamado de dualismo politeísta.


Sri Adi Sankara entre quatro dos Seus associados

Origênese do Vedanta

O Vedanta é naturalmente não dual, isso quer dizer que não separa nenhum aspecto do uno ou Brahman. Os Vedas são Advaita. Nos sistemas de filosofia derivados do vedanta não-dual, ou Vedanta original há diferentes maneiras de pensar três aspectos considerados “pilares” da ontologia védica, a saber: a natureza material (prakriti); a “alma individual ou alma corporificada” (jiva ou as vezes também chamado purusha), e o Supremo ou Brahman. Os aspectos irão sempre girar em torno desta tríplice relação: natureza-entidade viva-Supremo. O não-dualismo, como diz a palavra, não separa nenhum aspecto do Supremo, ou seja, tanto o jiva, como a prakriti, como o Supremo são instâncias do uno e mesmo Brahman; tudo é Atma, isso se chama redução ontológica, porque reduz tudo ao Ser. No advaita ou monismo Sankarite tudo é Brahman, e Brahman é tudo. O jiva é igual ao Brahman; o Atma individual é igual ao Atma Supremo. Substancialmente não há distinção entre Bhagavan e Brahman. Isso é o que chamamos de não-dualismo. O que muda não é real; o que permanece é real. O aparente não deve ser confundido com o permanente, etc. O Brahman é permanente em Sua mudança. Ele é dinâmico na sua estática, e estático na Sua mudança.

Termo com sentido filosófico

Há outro termo importante na redução ontológica, ele é chamado “monoteísmo”, o qual afirma que há somente um e único e mesmo Deus. Algumas escolas fazem diferença entre um aspecto e outro do Supremo. Por exemplo, afirmam que Siva é diferente de Vishnu; que Krsna é o Brahman, e ao mesmo tempo diferente de Brahman; que Devi é diferente de Parvati, e assim por diante. Tudo leva a crer que a crença do tipo monolatria ou henoteísmo ingressou no meio da filosofia Vaishnava por volta do sec. XIII, na Idade Média, trazidos principalmente por Madhava Acharya. Mas no Advaita Vedanta original, trazido e comentado na ontologia de Sankara, no viés da filosofia, os nomes e aspectos de Brahman são chamados de “acidentes” ou rupas do Uno. O Uno manifesta sua unidade na diversidade. Em outras palavras, na diversidade confirma-se a unidade do Brahman. Então, ao diferenciar em substância o Supremo (os que defendem as diferenças acidentais como sendo diferenças substanciais) são chamados de politeístas, ou seja, creem em muitos deuses, apesar de dizer que há um “deus uno” (típico dos modelos apontados acima). No Advaita só há o Brahman, com muitos nomes e formas, mas trata-se de um único e mesmo Ser em tudo e em todos. Isso é chamado de panteísmo ou pananteísmo (por favor não confundir com politeísmo, de vários deuses). Panteísmo significa dizer que tudo é o Brahman (tudo é Deus). Do mesmo modo como podemos fazer vasos, copos, potes, jarros, etc. do mesmo barro; e assim que um vaso, copo, recipiente de barro, se quebra, o lado de dentro e de fora se “misturam” e deixam de existir, porque na verdade existiram somente no tempo, do mesmo modo, há tão somente o Brahman em tudo em todos e em todas as formas; ainda que as formas se desfaçam Brahman permanece. Há tão somente um único e mesmo Deus e uma única e mesma alma em todos. É por isso que é difícil para o advaitavendantino aceitar que haja diferenças substanciais entre Atma e Paramatma. As diferenças sempre serão acidentais no advaita. O acidente, ou seja, o que é temporário, passageiro, efêmero e mutável está em contradição com que é eterno, sempre existente, permanente e imutável: Atma.

Krsna Murari
Aquilo que é permanente é chamado Atma. A natureza material é impermanente; está constantemente mudando. O Atma é permanente inclusive na mudança, de modo que permanece sempre sendo; o Atma passa ficando, fica passando, e sempre É.

A filosofia do Advaita vedanta é, portanto, não dualista, porque não separa o que alguns chamam de “Atma individual” do “Atma Supremo”. Se aceitarmos que Deus é o Absoluto, onipotente, onipresente, como então delimitá-lO? O Absoluto é Om Tat Sat. E além do mais o advaita é monoteísta, aceitando somente um único e mesmo Deus com muitos nomes e muitas formas; a visão dualista, no mais das vezes, aceita muitos deuses, e que somente uma forma é verdadeira, sendo portanto politeístas, e ao mesmo tempo colocando-se contra o panteísmo. Se tudo é Deus, como separar uma coisa de outra? Ou Deus é tudo, Absoluto, ou é parcial. Se Deus é parcial, não pode ser Absoluto. Uma questão de lógica formal. No Advaita, fica claro que há tão somente um único e mesmo Deus com muitos nomes e muitas formas. Algumas comparações poderão ser feitas considerando-se, por exemplo, o átomo material como redução material de tudo o que existe. Nas ciências empírico-formais, o átomo é uno e o mesmo em toda a matéria. O átomo primordial é mantido por forças eletrônicas; também se pode dizer que o átomo é energia em trânsito num conjunto de possibilidades, sendo tanto onda como partícula. Assim, podemos dizer que a redução mínima da matéria é o átomo. Do mesmo modo, a redução íntima subjetiva de tudo é chamada Atma. Atma ou Brahman é tanto imanente como transcendente. Portanto, é tanto manifesto como imanifesto; e apesar de não ser manifesto Ele continua sendo.

A crença de “eu “e “meu”

Viveka é o supremo discernimento. Moha é identificação objetiva do tipo “eu” e meu”. Assim alguém diz, “minha alma”, mas na realidade somos almas que temos um corpo e não um corpo que possui alma. A crença objetiva de “eu” e “meu” é a principal causa que obstaculariza a compreensão do Ser ou sujeito. Compreender e realizar o Atma ou o Ser é chamado de identificação subjetiva ou percepção da realidade subjetiva ou do sujeito, o Ser ou Atma. Não é complicado entender isso. Moha é uma forma de alguém se identificar com o corpo e suas relações: família, nome, pátria, raça, credo, religião, gênero, sexo, etc. são aspectos objetivos da consciência. Contudo, o Atma está além da objetividade material, sendo incausado, sem começo, meio ou fim. Diferente na natureza objetiva que é temporária, impermanente, tem começo, meio e fim, e está sempre sujeita e sob influencia da corrupção diante do tempo, do lugar e das circunstâncias. A crença de “eu” e “meu” é também responsável por pensar que o Atma incorporado é diferente do Atma não incorporado. Se o Atma é o tudo, então não é coerente nem lógico limitá-lo a “eu” e “meu”. “eu “ e “meu” são os suportes da identificação objetiva, e causa do dualismo “eu” e “deus”, por exemplo. Portanto, a identificação objetiva faz uma separação entre contemplador e contemplado. Do mesmo modo como Patañjali expõe um dualismo ingênuo no Yoga Sutras, os dualistas do vedanta também creem no “eu” e “meu”, dando um matiz místico ao separar o Atma em “eu” e “ele”. Evidente que o Atma é parte e parcela de Brahman. Se é parte e parcela a identificação substancial é a mesma, ainda que a acidental seja múltipla. Porém, como vimos, a multiplicidade confirma a unidade subjetiva do Brahman, assim como o átomo confirma unidade objetiva múltipla da matéria.

Viveka

Ao alcançar viveka, o yogi desenvolve o conhecimento supremo ou Jñana puro, porque alcança o mais elevado grau de discernimento. Discernir entre o que é objetivo e o que é subjetivo é chamado viveka; “eu” e “meu” são de fato os operadores da falsa noção de eu, ou ego. Quando alguém se identifica com seu corpo e relações, obviamente identifica-se de forma objetiva com o que é temporário, efêmero e passageiro, esquecendo-se assim de que é uma alma perfeita, o Ser o Atma. A identificação objetiva é chamada de aviveka (não-viveka ou não-discernimento), e no mais das vezes a interpretação da filosofia no viés objetivo no aviveka é ignorância do Ser.


Mahadeva, Parvatidevi, Ganakrsna, e Skanda, ao alto.

Mayavada

Seitas modernas de não filósofos acusam Sankara de “mayavada”, um termo genérico que afirma que tudo é maya. Jamais Sankara fala em maya neste sentido budista agnóstico e niilista dos jainistas. São falsas e infundadas as afirmações que Sankara segue o caminho niilista e da dissolução. É tolo aquele que crê em tal afirmação, e a persistência na mesma desvela a ignorância das obras de Sankara. Se alguém conseguir encontrar em algum escrito-comentário de Sankara algo como o mayavada budista, ou de Karvaka, então estaremos diante de uma fraude. Quando Sankara afirma que somente o Brahman é real, e que o resto é temporário, e diz que tanto prakriti, jiva e Mahapurusha ou Brahman são unos e os mesmos, como, então, sustentar que o mundo é maya e tudo é mayavada? Tolices sem nenhuma autoridade acadêmica. O Sr. Krsna diz textualmente no Gita 10.39 que tudo é Maya no mundo material, isso sim é uma afirmação mayavada, mas o contexto e sentido dado por Krsna é distinto do cunho pejorativo dado pelas seitas ideológicas e não filosóficas que pouco prosperaram, caindo num fanatismo que se fragmentou em subgrupos sem conhecimento de filosofia algum. É interessante notar que apesar de alguns usarem o Bhagavad-gita como livro religioso, não conseguem ver o que n’Ele está escrito, é como se lhes fossem ocultadas as palavras diante de seus olhos. Isso é, também, maya, então podemos dizer que aqueles que acusam Sankara de mayavada são os verdadeiros mayavadas, porque interpretam os textos segundo os próprios meios solipisistas e idiossincráticos. E o sentido literal destas posições ideológicas é “eu mesmo”, logo, mayavada. Assim os dualistas são verdadeiros mayavadas quando separam o Uno em fragmentos e colocam n’Ele limites, quando Ele é o Absoluto. OM Tat Sat afirma o Ser, portanto, se negarmos parte do Ser, se entra em contradição de performance.

O tempo

O Senhor Krsna fala no Bhagavad-gita que com o tempo o conhecimento do Vedanta se perdeu. Nos versos 4.1-2, do poema, está dito, “Este conhecimento do Yoga foi ensinado ao semideus do Sol, Vivaswam, e Vivaswam instruiu Manu (o pai ético da humanidade), e Manu disse-O ao rei Ikswako. Desta forma, em cadeia ou sucessão, a sabedoria do Yoga foi distribuída aos reis sábios, e com o tempo dispersou-se...”. Portanto, Kala o tempo também promove avidya ou ignorância do Supremo. O termo “yoga”, que aparece nos dois versos iniciais do canto 4 do Bhagavad-gita deve ser entendido como sendo “a ciência transcendental de união com o Supremo”, e não com os exercícios de ginásticas difundidos como “yoga” no Ocidente. Yoga é um termo amplo, e não se resume aos Asanas (exercícios físicos, tanto do corpo em si em posições, como das atividades de “limpeza”, como kriyas, pranayamas, contrações, e assim por diante). Yoga é a ciência universal do conhecimento Supremo ou do Atma ou ainda o Ser. Yoga significa unidade no e com o Supremo: Brahman.

Brahman Supremo

No verso 17.23, o Senhor Krsna diz: “Om Tat Sat, são considerados os três nomes de Brahman. Os Brahmanas (escrituras), bem como os Vedas e os sacrifícios (Yajñas), são advindo d’Eles”. O que significam as palavras, “om”, “tat”, e “Sat”? Um resumo genérico do conjunto destas três expressões do Brahman é: “OM é a Verdade Absoluta”. Portanto, o Brahman é Verdade Absoluta. Sat é o Ser, o Atma em Si. Tat significa que afirma o Ser, isso quer dizer que o OM é o Ser assim como a Consciência afirma o Ser. A consciência é o Atma em Si mesmo. OM é consciência, existência e verdade absolutas. O OM é Satcidananda, bem aventurança suprema. Portanto, o Ser é bem-aventurança.

O Brahman está evidenciado nos Upanisads. Há quatro afirmações do Brahman que são chamadas de Māha-vakyas, e as quais são o resumo de cada upanisad mais importante. Os Vedas contêm três grupos de assuntos tratados, e quatro máximas da Verdade Suprema, que são convenientes aqui mencionar. As Escrituras sagradas da Índia védica estão agrupadas em ensinamentos em três grupos principais, a saber: Vidhi-Vakya, ou injunções; Ni�edha-Vakya, ou proibições, e Siddhārthabodha-Vakhya ou Māha-Vakya que são expressões da mais elevada Verdade Suprema, que tratam da identidade do Jīvātma com o Paramātma ou a alma individual com a alma Suprema. Vidhi-Vakya e Ni�edha-Vakya são necessários para a purificação do Jīva ou alma individual que está iludido, capacitando-o a compreender Māha-Vakya, atingindo o mais elevado Conhecimento ou Verdade Suprema.


Srimati Durgadevi

Māha vakyas – os grandes ditos ou dizeres

Há quatro Māha-Vakyas nas Escrituras, sendo significativa a referência deles com uma correspondência em cada um dos Vedas, a saber: Rig-veda, Yajur-veda; Sama-veda e Atharva-veda. Vejamos, então, os quatro Māha-Vakyas (a colocação dos Vakya segue a ordem do surgimento do Veda dito acima):

1) Prajñānam Brahma: “A Consciência é Brahman”; este Vakya é chamado de Svarūpabodha-vakya, ou a sentença que explica em si mesma a natureza de Brahman ou do Ser. Esta expressão aparece no Aitareya-upanisad do Rig-veda;

2) Ahaṁ Brahma Aśmi: “Eu sou Brahman”. Este é o Anusāndhana-vakya, ou uma ideia na qual o aspirante procura fixar-se, mantendo a sua mente neste vakya. Este Vakya está no Bṛhadaranyaka-upaniśa� do Yajur-veda;

3) Tat Tvām Asi: “Vós sois Este”. Este vakya é chamado de ūpadeśa-vakya ou śrāvana-vakya, porque é transmitido do Guru para o discípulo na iniciação. Este Vakya é o mais importante, porque dá origem aos outros três Vakyas. Esta citação aparece no Kātha-ūpaniśad, bem como no Chaḍogya-ūpanisad do Sama-veda;

4) Ayam Ātma Brahma: “Este Ser é Brahman”. Esta sentença é chamada de Anubhāvabodha-vakya, ou aquela que expressa a experiência interna e intuitiva para o aspirante. Ela aparece no Māṇḍukya-ūpaniśaḍ do Atharva-veda.

O passo mais importante para compreensão profunda dos Māha-vakyas é dado quando o Yogī abandona as ideias de “eu”, “meu”, e evidentemente de “teu”, bem como qualquer tipo de dualismo “eu/Ele”. A orientação para que o Yogī abandone a ideia de dualismo está em todos os Vedas e ūpaniṣaḍs, mas aparecendo claramente no verso 2.45 do Bhagavad-gītā, a saber: “Os Vedas falam a respeito das três qualidades materiais ou Guṇas, ó Arjuna! Determina-te além delas, num equilíbrio sem dualidades, pois o teu Ser ou Ātma não precisa deste pensamento”. Na realidade a expressão “deste pensamento” niryoga, é um humor, um humor que se liga aos conceitos objetivos, dando matizes subjetivos, e afasta do que é Yoga realmente. O Brahman está além da dualidade e das qualidades da natureza material. A compreensão disso é chamado de maha viveka. Krsna libertou Arjuna de um período de absoluta busca karma-kandha por expiação e liberação do Samsara através dos sacrifícios recomendados pelos Vedas. O Bhagavad-gita, portanto, é um tratado de filosofia que liberta do tradicionalismo védico, e lança o Yogī para libertar-se através da compreensão e realização do Ser.

Jay Sri Radha-Krsna!

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

HARI HARA

HARI HARA

Swami Krsnapriyananda Saraswati

Vaisnava Brasil
Gita Ashrama
2010



O Senhor Vishnu (ou Krsna) recebe o Sudarsan como presente de o Senhor Siva
“Gostaria de saber se a rotina interna do Gītā Aśrāma é muito diferente da rotina vivenciada em outros templos que adoram Kṛṣṇa. Explico: por um bom tempo, nutri o sincero desejo de iniciar minha vida monástica num templo do Senhor Kṛṣṇa, mas, por alguma razão desconhecida para uma jiva errante como eu, o meu objetivo transcendental de adorar Viṣṇu em suas moradas, nunca foi concretizado. Há a possibilidade de um devoto de Kṛṣṇa passar a adorar e seguir o Senhor Shiva? hari hara om”.

"om namo bhagavate narayanaya; om namo bhagavate vasudevaya! Om namaḥ śivaya!

O Senhor Śiva e o Senhor Visnu são unos e os mesmos; não há distinção substancial entre Eles, apenas acidental. Śiva é o maior dos devotos de Viṣṇu; Kṛṣṇa o maior devoto de Śiva. Kṛṣṇa adorava pessoalmente o Sr. Śiva todos os dias com 1.000 flores de lótus, mas um dia faltou uma, então Kṛṣṇa colocou Seu olho para completar (Kṛṣṇa é chamado de aravinda-akṣan "olhar de flor de lótus"). Vendo a devoção do Sr. Kṛṣṇa, Śiva devolveu-lhE o olho, e presenteou-O com o Sudarśana Chakra. Isso está no Śiva Purāṇa. Veja-se, rupa ou forma é apenas um acidente, assim como a cor do cabelo não muda a essência ou substância do cabelo, da mesma forma, os gunāvataras não mudam em substancia. Cada momento cósmico possui uma ação do Supremo. Nossa mente fragmentaria é que separa uma coisa de outra, assim como a ideia de “dentro fora”, “alto e baixo”, etc. Um recipiente tipo um vaso, um copo, um prato, um pote, muda somente o nome, mas a substancia comum deles é sempre a mesma coisa: barro. O Sr. Kṛṣṇa diz textualmente no Bhagavad-gītā 10.23 que Ele é Śiva, e mostra-Se como tal no verso 11.23; há inumeráveis outros textos que afirmam a mesma coisa. O devoto deverá olhar o Sr. Viṣṇu como devoto de Śiva, e o Sr. Śiva como devoto de Viṣṇu. Isso é uma realidade. Sua Santidade Swami Sivananda escreve que, "Śivasya Hṛdayam Viṣṇur Viṣṇocha Hṛdayam Śivah: “Viṣṇu é o coração de Śiva, da mesma forma, Śiva é o coração de Viṣṇu”. Há cinco outras formas do Supremo que são chamados pañchayajña, isso inclui, Ganeśa, Kartikeya, Devī, Śiva e Viṣṇu e Suas inúmeras variações. Há um passatempo que a forma feminina de Viṣṇu chamada Mohinī que concebeu um filho do Sr. Śiva chamado Hari-Hara, também chamado Aiyappa ou Sasta. Por Sua vez, Kṛṣṇa é filho de Śiva e Parvati. Quem conhecer os passatempos de Kṛṣṇa irá ver isso com facilidade. Kṛṣṇa é também Ganeśa, Ganapati, Gajanatha, Jaganatha. O devoto deverá compreender que Deus é o Absoluto, portanto, É onisciente, onipresente, onipotente. Ele pode até mesmo estar numa pequenina pedra (śalagram).


Aiyappa, filho de Mohinī (Senhor Viṣṇu em forma feminina) e Śiva
Nós adoramos a Deus em todos os Seus nomes e formas, portanto, adorar uma Deidade no templo é o mesmo que adorar a Deus pessoalmente. Na atual era, era de kali-yuga, a forma mais doce e aprazível para a compreensão do devoto é Devi na forma de Kṛṣṇa, com dois braços. Mas há outras formas, e tudo irá depender da maturidade espiritual e filosófica do devoto. O Sr. Śiva sempre encaminha o devoto para Kṛṣṇa, e Kṛṣṇa encaminha para Śiva. o maha mantra Hare Rāma Hare Kṛṣṇa contém a expressão 'hare', é a junção de hari (Viṣṇu) e hara (Śiva), isso é bem claro. Tão logo o devoto realize o Supremo, e seu coração é preenchido por amor por Deus, então já não haverá mais diferenças entre uma forma e outra, porque o devoto compreende que tudo é Deus e Deus é tudo.

hari hara om tat sat".

sábado, 21 de agosto de 2010

ŚIVA

ŚIVA

Śrī Swāmi Śivānanda

© Tradução para o Português de
Swami Kṛṣṇaprīyānanda Saraswatī


SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL
SANATANA DHARMA
GITA ASRHAMA
2008-2010
Śrī Śiva Mahadeva ki jay!

O Senhor Śiva representa o aspecto destrutivo do Brahman. Aquela porção do Brahman que é envolvida pelo Tamo-Guna-Pradhana-Maya é o Senhor Śiva. Śiva é o todo-envolvente Isvara, e quem reside no monte Kai-las. Ele é Bhandar ou a morada da Sabedoria. Śiva sem Parvati, Kali, ou Durga é puro Nirguṇā Brahman. Com Maya (Parvati), Ele se torna Saguna Brahman, tendo em vista a piedade pelos Seus devotos. Os devotos de Rama devem adorar a Śiva também. Rama pessoalmente adorava ao Senhor Śiva, no famoso Rameswaram. O Senhor Śiva é o Senhor dos ascetas, e o Senhor dos Yogis, envolto no espaço (Digambara).

O Senhor Śiva, na realidade, é o Regenerador e não o destruidor. A qualquer hora, quando o corpo físico de alguém se torna inadequado para a evolução no atual nascimento, seja por doença, velhice ou outras causas, Ele então remove este estojo estragado e dá outro, saudável, vigoroso, para uma evolução rápida futura. Ele quer aconchegar a todos os Seus filhos nos Seus pés de lótus rapidamente. Ele deseja dar a eles o Seu glorioso Śiva-Pada. É mais fácil agradar a Śiva do que ao Sr. Hari (ishnu ou Krsna). Um pequeno Prema e devoção, um pequeno canto dos Seus Panchakshari, é suficiente para instalar alegria em Śiva. Ele concede bênçãos para Seus devotos com total prazer.

O Senhor Śiva é o Deus do Amor. Sua Graça é infinita. Ele é o Salvador ou o Guru. Ele está engajado na liberação das almas da escravidão da matéria. Ele assume a forma do Guru externamente, por intenso amor pela humanidade. Ele deseja que todos O conheçam, e alcancem a felicidade do Śiva-Pada. Ele observa as atividades das almas individuais, e as auxilia no progresso da sua marcha.

O Senhor Śiva é a personificação da sabedoria. Ele é a Luz das luzes. Ele é Parama Jyoti, ou a Luz Suprema. Ele é autoluminoso ou Swayam Jyoti. A dança de Śiva representa o ritmo e o movimento do Mundo Espiritual. Com Sua dança, as forças do mal e da escuridão tremem e desaparecem.
Śiva significa aquilo o qual é “eternamente feliz ou auspicioso”: Parama-Mangala. OM e Śiva são unos. O Mandukya Upanisad, diz: “Santam Śivam Advaitam”. Até mesmo um sem casta pode meditar no Nome do Senhor Śiva.

O Senhor Śiva é a Realidade Suprema. Ele é eterno, sem forma, independente, onipresente, uno, sem um segundo, sem começo, sem causa, imaculado, auto-existente, sempre livre, sempre puro. Ele não é limitado pelo tempo. Ele é bem-aventurança e inteligência infinitas.

Śiva e Viṣṇu são idênticos
Śiva e Viṣṇu são unas e mesmas entidades. Essencialmente eles são idênticos e os mesmos. Eles possuem nomes diferentes devido aos aspectos diferentes da mesma Alma Suprema todo-impregnante ou o Absoluto. Śivasya Hridayam Viṣṇur Vishnocha Hridayam Śivah: “Viṣṇu é o coração de Śiva, da mesma forma, Śiva é o coração de Viṣṇu”.

om Harihara om tat sat!
A adoração sectária de Viṣṇu ou Śiva é algo recente. O Śiva Siddhānta ou Kantacharya tem cerca de cinco mil anos de idade. Os cultos Vaiṣṇavas de Mādhava e Śrī Rāmanuja tem cerca de seiscentos e setecentos anos de idade, respectivamente. Não havia nenhuma adoração sectária por cerca de sete mil anos.

Brahma representa o aspecto de criação; Viṣṇu, o aspecto de preservação, e Śiva o de destruição do Paramātma. Isso é como vestir roupas diferentes para situações diferentes. Quando você exerce a função de juiz, você deverá pôr uma roupa adequada. Em casa, você veste outro tipo de roupa. Quando você faz adoração no templo, você veste outro tipo de roupa. Você exibe diferentes tipos de tempera-mento em diferentes ocasiões. Assim, também, o Senhor faz a função de criação quando Ele está associado com Rajas, então Ele se chama Brahma. Ele preserva o mundo quando está as-sociado com Sattva Guna, sendo chamado Viṣṇu. Ele destrói o mundo quando ele está associado com o Tamo Guna, e Ele é então chamado de Śiva ou Rudra.

Brahma, Viṣṇu e Śiva têm sido correlacionados aos três Avasthas ou estados de consciência. Durante o estado de vigília, Sattva predomina; durante o sono, Rajas predomina, e durante o estado de sono profundo, o estado de Tamas predomina. Portanto, Viṣṇu, Brahma e Śiva são as Murtīs ou Jāgras, Svāpana e Suśupti, os estados de consciência respectivos. O quarto estado ou Turya é Para-Brahman. O estado de Turya segue-se mediatamente ao sono profundo. A adoração ao Senhor Śiva conduz rapidamente para alcançar o quarto estado ou Turya.

O Viṣṇu Purāṇa glorifica Viṣṇu, e em alguns locais dá uma posição inferior para Śiva. O Śiva Purāṇa glorifica Śiva, e dá um status inferior para Viṣṇu. Devi Bhagavata glorifica Devi, e dá um status inferior para Brahma, Viṣṇu e Śiva. Isso é assim apenas para infundir e intensificar a devoção para a Deidade respectiva nos corações dos devotos. Na realidade, nenhuma Deidade é superior a outra. Você deve entender o âmago do escritor.

Não há diferenças entre a trindade Brahma, Rudra e Viṣṇu. O trabalho de todas as três Deidades é feito conjuntamente. Eles todos possuem um ângulo e um propósito definido na criação, preservação e na destruição do universo visível de nomes e formas. Aquele que consideram as três Deidades como distintas e diferentes o Śiva Purāṇa diz que indubita-velmente é um espírito mal ou demoníaco.

As formas do Senhor Śiva e Seus significados
O Senhor Śiva veste uma pele de veado sob o ombro esquerdo. Ele tem um tridente na Sua mão direita inferior. Ele tem fogo e Ḍamaru, Malu ou um tipo de arma. Ele veste uma guirlanda de crânios. Ele exibe cinco serpentes como ornamentos. Com Seu pé Ele pisa o demônio Muyalaka, um anão que segura uma cobra. Ele direciona-Se ao Sul. Seu corpo é Pañcakśara em Si mesmo.

O Triśula que Ele tem em Sua mão direita re-presenta os três Gunas: Sattva, Rājas e Tamas. Ele é um emblema de soberania. Ele regula o mundo através destes três Gunas. O Ḍamaru, na Sua mão esquerda, representa Sabḍa Brahman; isso representa o OṀ, do qual todas as linguagens se formam. A linguagem sânscrito é formada por Ele, ao som externado do Ḍamaru.

A Lua crescente na Sua testa indica que Ele tem perfeito controle da mente. A corrente ou fluxo do Gaṅga representa o néctar da imortalidade. Os elefantes que O acompanham representam o Vṛitti orgulho. Vestir a pele do elefante significa que Ele possui o orgulho controlado. O tigre representa a luxúria. O fato de Ele sentar-se por sobre a pele do tigre significa que Ele conquistou a luxúria. O fato de Ele vestir a pele de veado por sobre um dos ombros indica que Ele removeu o Cañcalata (agitação) da men-te. Os veados pulam de um lado para outro rapi-damente. A mente, também, pula de um objeto a outro. O fato de Ele vestir serpentes no Seu pescoço significa sabedoria e eternidade. As serpentes vivem muitos anos. Ele é Trilocana, Quem tem três olhos, sendo que o olho no centro da Sua testa, o terceiro olho, é o olho da Sabedoria.

O Senhor Śiva tem a compleição branca. Qual é o significado desta cor? Ela ensina que as pessoas devem ter o coração puro, entretendo pensamentos puros, devendo estar livres de desonestidade, diplomacia, astúcia, inveja, ódio, etc.

Ele tem três listras brancas na testa, Bhaśma ou Vibhūti. Qual o significado disto? Isso ensina silenciosamente que as pessoas devem destruir as três impurezas, a saber: Anavam (egoísmo); Karma (ação tendo em vista os resultados); e Māya (ilusão); e os três desejos ou Eśanas, a saber: desejo por propriedades; desejo por mulheres, e desejo por ouro, e três Vāsanas, a saber: Loka-Vāsana, Deha-Vāsana, e Śastra-Vāsana, para então alcançar um coração puro.

O que significa o Balipita ou altar, o qual está diante do sanctum sanctorum no templo de Śiva? As pessoas devem destruir seus egoísmos e o “meuismo” (Ahamta e Mamatā), antes delas poderem alcançar o Senhor; este é o significado do Balipita.

Riśabha ou o búfalo representa Dharma Devāta. O Senhor Śiva monta sobre um búfalo. O búfalo é o Seu veículo. Isso significa que o Senhor Śiva é o protetor do Dharma, sendo a personificação do Dharma ou retidão.

O Liṅgam representa Advaita, indicando que: “Eu sou uno sem-segundo – Ekamevādvitiyam”, da mesma maneira que uma pessoa só eleva a sua própria mão, apontando para sua cabeça com o polegar da mão direita.

Adorando o Śiva-Liṅgam
A crença popular é que o Śiva-Liṅgam representa o falo ou o órgão viril masculino; o símbolo do poder ou princípio gerador na natureza. Isso não apenas é um sério engano, mas uma falha grave. No período pós-védico, o Liṅga tornou-se símbolo do poder gerador do Senhor Śiva. O Liṇga é a marca diferenciadora. Com certeza não é uma marca sexual. Você encontrará no Liṅga-Purāṇa: “O Liṅga primevo é destituído de cheiro, cor, gosto, audição, toque, etc., é dito como sendo Prakṛti, natureza”.

Liṅga significa “marca”, em Sânscrito. Ele é um símbolo o qual aponta para uma suposição. Quando você vê uma grande enchente num rio, você infere de que há ocorrido chuvas pesadas no dia anterior. Quando você vê fumaça, você supõe de que há fogo. Este vasto mundo de incontáveis formas é o Liṅga do Senhor Onipotente. O Śiva Liṅgam é um símbolo do Senhor Śiva. Quando você olha para o Liṅga, sua mente é então elevada, e você inicia a pensar no Senhor.

Om namah Sivaya om namah sivalinga

O Senhor Śiva é realmente sem forma. Ele não possui forma própria, e, mesmo assim, todas as formas são Suas formas. Todas as formas estão impregnadas pelo Senhor Śiva. Cada forma é a forma ou Liṅga do Senhor Śiva.

Há um poder misterioso ou Sakti indescritível no Liṅga, que induz à concentração da mente. Assim como a mente se fixa facilmente numa bola de cristal, assim, também, a mente alcança fixação em um ponto quando ela olha para o Liṅgam. É por esta razão porque os antigos Ṛśis da Índia e os buscadores têm prescrito instalar o Liṅgam nos templos do Senhor Śiva.

O Śiva Liṅgam diz para você, na inequívoca linguagem do silêncio: “Eu Sou uno sem um segundo. Eu Sou sem forma”. Apenas almas puras, piedosas podem entender esta linguagem. Uma pessoa curiosa, passional, estranha e impura, de entendimento ou inteligência curta, diz de forma sarcástica: “Ó, os ‘hindus’ adoram o falo ou órgão sexual. Eles são pessoas ignorantes. Eles não possuem filosofia”. Quando uma pessoa estrangeira tenta aprender a linguagem Tâmil ou Hindustânica, primeiro ela tenta pegar algumas palavras vulgares. Esta é a sua curiosidade natural. Desta forma, então, um curioso estrangeiro tenta encontrar alguns defeitos na adoração simbólica. O Liṅga é unicamente o símbolo externo do Senhor Śiva indivisível, todo-impregnante, eterno, auspicioso, sempre-puro, essência imortal deste imenso universo; a alma imorredoura que está sentada nas câmaras do seu coração; quem é o habitante no seu interior; o mais secreto Ser ou Ātma, e quem é idêntico com o Brahman Supremo.

SphatikaLiṅga é, também, um símbolo do Senhor Śiva. isso está prescrito para Aradhana ou adoração ao Senhor Śiva. Ele é feito de quartzo. Ele não possui cor própria, mas toma a cor de diferentes substâncias as quais entram em contato com ele. Ele representa o Nirguṇā Brahman ou o Supremo Absoluto sem Atributos; Śiva sem for-ma.

Para um devoto sincero, o Liṅga não é um bloco de pedra. Ele é o Tejas radiante ou Caitanya. O Liṅga diz para o devoto; fazendo com que lágrimas sinceras brotem dos seus olhos, produzindo calafrios e derretendo o coração; elevando-o acima da consciência do corpo, e auxiliando-o a comunhão com o Senhor, alcançando o Nirvikalpa Samādhi. O Senhor Ra-ma adorava o Śiva Liṅga em Rameśwar. Rāvana, o erudito catedrático, adorava o Liṅgam de ouro. Quanto Śakti mística poderá haver no Liṅga!
Śiva Abhiśeka
Nos templos de Śiva, um pote é feito de cobre ou aço, com um buraco no centro, é mantido gotejando água por sobre um Liṅga de Śiva, sendo que a água cai dia e noite por sobre a imagem. Colocar por sobre o Liṅga água, leite, Ghī, iogurte, mel, água de coco, Pañcamṛta, etc., é Abhiśeka. O Abhiśeka é feito para o Senhor Śiva. Rudrī é cantado junto com o Abhiśeka. O Senhor Śiva é agradado pelo Abhiśeka.

Om Namah Siva om namah Sivalinga

O Senhor Śiva bebeu o veneno que emanou do oceano de leite, e usou Ganga e a lua para refrescar a Sua cabeça. Ele tem o terceiro olho ígneo. O Abhiśeka constante refresca este olho.

O Abhiśeka é uma parte do Śiva Pūjā. Sem Abhiśeka a adoração do Senhor Śiva é incompleta.

Água do Gaṅga, leite, Ghī, mel, água de rosas, água de coco, pasta de sândalo, Pañcamṛta, óleos aromáticos, suco de cana, suco de lima, todos são usados para Abhiśeka. Após cada Abhiśeka, água pura é colocada por sobre a cabeça de Śiva.

A água do Abhiśeka é considerada muito sagrada, e concede imensos benefícios para os devotos que a recebem como Praśāda do Senhor. O mesmo é o caso com os artigos usados para o Abhiśeka. O Abhiśeka Tirṭha purifica o coração, e destrói incontáveis impurezas. Você deve tomá-lO com imensa fé e Bhava.

Quando você faz o Abhiśeka com Bhava e devoção, sua mente concentra-se; seu coração se enche com a imagem do Senhor e com pensamentos divinos; você esquece seu corpo, suas relações e circunjacências. O egoísmo gradualmente se esvai. Quando ocorre esta situação, você experimenta e alegra-se com a bem-aventurança eterna do Senhor Śiva. A recitação do Rudrī Mantra ou seja, Oṁ Namaḥ Śivaya, purifica a mente e a preenche com Sattva.

Pelo oferecimento do Pañcamṛta, contendo mel, leite, etc., ao Senhor, os pensamentos com relação ao seu corpo diminuem; o egoísmo desaparece lentamente, e você experimenta uma imensa alegria, e você inicia a incrementar suas oferendas junto ao Senhor. Portanto, autossacrifício e autorrendição chegam. Naturalmente há uma emanação do seu coração: “Eu sou Teu, meu Senhor! Tudo é Teu, meu Senhor!”

Kannappa Nayanar, um grande devoto do Senhor Śiva, caçador por profissão, certa feita fez Abhiśeka com água em sua boca, para o Liṅgam em Kalahaśti no Sul da Índia, e isso agradou o Senhor Śiva. O Senhor Śiva é agradado pela devoção pura. É o Bhava interior que conta, e não o que é demonstrado externamente. O Senhor Śiva disse ao sacerdote do tempo: “Essa água da boca de Kannappa, meu amado devoto, é muito mais pura do que a água do Ganga”.

No norte da Índia, cada pessoa, homem e mulher, colocam água num Lota e derramam sobre a imagem de Śiva. Isso, também, causa resultados benéficos e ocasiona a gratificação do desejo de alguém. O Abhiśeka no dia de Śivarātri é muito efetivo.

Se você fizer Abhiśeka com Rudrīpatha, em nome de uma pessoa que estiver sofrendo, por qualquer doenças, ela irá em breve libertar-se dela. Doenças incuráveis são curadas pelo Abhiśeka. O Abhiśeka confere saúde, riqueza, prosperidade, progênie, etc. O Abhiśeka feito as segundas-feiras é muito auspicioso.

Para conseguir chuva o Abhiśeka deverá ser feito com água pura. Para livrar-se da doença, para conceber um filho, o Abhiśeka deverá ser feito com leite. Se o Abhiśeka é feito com leite, mesmo uma mulher infértil gerará crianças. A pessoa que assim age também consegue abundância de vacas. Se o Abhiśeka é feito com água de Kuśa, a pessoa se torna livre de todas as doenças. Quem deseja riqueza deverá realizar o Abhiśeka com Ghī, mel, e melado. Quem deseja Mokṣa, deverá fazer o Abhiśeka com águas sagra-das.

O mais elevado e maior dos Abhiśekas é derramar as águas do amor puro sobre o Ātma Liṅga, no lótus do coração. O Abhiśeka externo, com vários tipos de objetos, auxiliará o crescimento da devoção e da adoração para o Senhor Śiva, e no final conduzirá para o Abhiśeka interno, com a corrente de abundante amor puro.

A glória dos hinos em louvor ao Sr. Śiva.
Rāvana agradou o Senhor Śiva com Seus hinos. Pushpādanta agradou o Senhor Śiva por celebrar Seus Stotras – Śiva Mahimna Stotra – como hoje é cantado pelos devotos de Śiva por toda a Índia, e alcançou todos os Siddhis ou Aisvaryas, e Mukti (liberação). As glórias dos Stotras de Śiva são indescritíveis.

A mente se purifica pela constante repetição dos Stotras de Śiva, os Nomes do Senhor Śiva. Os Stotras estão cheios de pensamentos puros e bons. A repetição dos hinos de Śiva fortalece os bons Saṁskaras (impressões). Do modo como uma pessoa pensa ela se torna. Essa é uma lei psicológica. A mente de uma pessoa que treina a si mesma com bons e sagrados pensamentos, desenvolve uma tendência para pensar coisas boas. O caráter molda-se e é transformado pela continuidade dos bons pensamentos. Quando a mente pensa na imagem do Senhor, durante Seus hinos, a substância mental realmente assume a forma do Senhor. A impressão do objeto é deixada na mente, e isso se chama Saṁskara. Quando um ato é repetido frequentemente, os Saṁskaras ganham força por esta repetição, e hábito ou tendência é formado na mente. Aquele que entretém pensamentos da Divindade transforma-se na Divindade em si mesmo, pelo constante pensamento. O Bhava ou disposição é purificado e divinizado. Quando alguém canta os hinos do Senhor Śiva, ele sintoniza-se com o Senhor; a mente individual dissolve-se na mente cósmica. Aquele que canta os hinos do Senhor Śiva torna-se uno com o Senhor Śiva.

Todos vocês devem cantar os hinos do Senhor Śiva, e obter a Sua Graça e salvação; não num futuro incerto, mas agora mesmo, neste momento. Você pode agradar ao Senhor Śiva facilmente.

O Pañcakśara Mantra
Pañcakśara é um Maha Mantra, o qual é composto de cinco letras Na-Mah-Si-Va-Ya. As cinco letras denotam as cinco ações ou Pañca Kṛtyam do Senhor, a saber: Śrīśti (criação); Sthiti (preservação); Samhara (destruição); Tirodhāna (encobertamento), e Anugrāha (bênção); os cinco elementos, e todas as criações por intermédio dos cinco elementos.



Namaḥ, significa: prostração; Śivaya Namaḥ, significa, “prostração para o Senhor Śiva”. O Jīva é o servo do Senhor Śiva proveniente de Deha-Dṛśti. Namaḥ representa Jivātma. Śiva representa Paramātma. Aya, denota “Aikyam”, ou identidade do Jīva e Paramātma. Por conseguinte, Śivaya Naham é Maha-Vakya, tal qual Tat Tvam Asi, o qual significa a identidade entre a alma individual e a Alma Suprema.

Pañcakśara é o melhor entre sete Crores de mantras. Existem sete Skaṇdhas no Yajur-veda; no centro está Rudradhyayi, no meio do Skaṇdha. Neste Rudradhyayi há mil Rudra-Mantras. Namaḥ Śivaya ou Śiva Pañcakśara Mantra brilha no centro destes mil Rudra Man-tras.

O Yajur-veda é a cabeça do Parameśvara, o qual é o Veda Puruṣa. Rudram, o qual está no meio, é a face. O Pañcakśara é Seu olho; Si-va, o qual está no centro de Na-mah-si-va-ya, é a pupila do Seu olho. Quem faz Japa deste Pañcakśara livra-se de nascimentos e mortes, e alcança a bem-aventurança eterna. Esta é a enfática declaração dos Vedas. Este Pañcakśara é o corpo do Senhor Natarāja; esta é a morada do Senhor Śiva.

Śiva-nama é a verdadeira alma de todos os Mantras. O japa dos Nomes sagrados de Śiva e a meditação n´Eles, irá libertar vocês de todos os pecados, e os conduzirá para alcançar o Śiva Jñanam, ou bem-aventurança eterna e imortalida-de.

A dança de Śiva
O Senhor Śiva é um dançarino único. Ele é especialista o mestre dançarino. Ele é o rei dos dançarinos. Ele apaziguou o orgulho de Kali Devī. A destruição do Senhor Śiva não é um único ato, mas uma série de atos. Há um diferente tipo de dança em cada estágio.

Śivanatarāj

A dança do Senhor Śiva tem em vista o bem-estar do mundo. O objetivo da Sua dança é o de liberar as almas caídas das garras de Maya, dos três laços ou impurezas como Anava, Karma e Māya. Ele não é um destruidor, mas ele é o regenerador. Ele é o Maṇgala-data e o Anānda-data, concedente de auspiciosidade e bem-aventurança. Ele é mais facilmente agradado do que o Senhor Hari (Kṛṣṇa ou Viṣṇu). Ele concede bênçãos rapidamente, por um pouquinho de Tapas (austeridade) ou pouquinho de recitação das Suas cinco letras.

Você pode ver a dança de Śiva nos movimentos das ondas do oceano; na oscilação da mente; nos movimentos dos sentidos e dos Prāṇas; na rotação dos planetas e constelações; na Pralāya (dissolução) cósmica; nas epidemias e doenças infecciosas; nas gigantescas inundações e nas erupções vulcânicas; nos terremotos, deslizamentos de terras, nos relâmpagos e trovões; nas imensas queimadas, furacões e temporais.

Todo o jogo cósmico, atividade ou Līlā é a dança de Śiva. Todos os movimentos internos no cosmos são Sua dança. Ela (Śiva) observa a Prakṛti e a energia. A mente, o Prāṇa, e a matéria iniciam com a Sua dança. Quando o universo de nomes e formas é lançado, a energia material indiferenciada, som e energia se tornam diferenciados.

Na noite de Brahman, ou durante o Pralāya, a Prakṛti está inerte, sem movimento. Isso é Guṇa-Samya Avaśtha. Os três Guṇas estão em estado de equilíbrio ou balanço. A Prakṛti não pode mexer-se até que Śiva queira isso. O Senhor Śiva ergue-Se do Seu silêncio e inicia a dançar. O som indiferenciado torna-se diferenciado, através da configuração do som, através dos movimentos de Seu Ḍamaru ou tambor. Sabda Brahman ingressa no interior dos seres. A energia indiferenciada também se diferencia. O equilíbrio dos Guṇas se torna perturbado. Os três Guṇas: Sattva, Rājas e Tamas se manifestam. Todas as esferas, os átomos e os elétrons também dançam ritimadamente e de modo ordenado. Os átomos dançam nas moléculas e as moléculas dançam em todos os corpos. A dança inicia no tempo e no espaço. A Prakṛti, também, inicia a dançar com Ele e Sua glória ou Vibhūti. O Prāṇa inicia a agir no Ākaśa, ou matéria sutil. Várias formas se manifestam. Hiraṇyagarbha ou o “ovo dourado” – mente cósmica – também se manifesta.

Quando chega a hora, o Senhor Śiva destrói todos os nomes e formas pelo fogo, enquanto dança. Então vem o silêncio novamente.

Natarāja de Chidambaram é um experiente dançarino. Ele tem quatro mãos. Ele veste o Gaṅga e a lua crescente nos Seus tufos de cabelo. Ele segura um Ḍamaru na Sua Mao direita. Ele mostra o Abhaya Mudra para Seus devotos, erguendo a Sua mão esquerda. O significado disso é, “Ó devotos! Não sejam receosos! Eu protegerei a todos vocês!”. Numa de Suas mãos esquerda Ele segura o fogo. Na outra mão direita ele aponta para baixo, para o Asura Muyalaka, que está segurando uma serpente. Śiva ergue seu pé esquerdo de um modo muito lindo.

O som do tambor convida a alma individual para Seus pés de lótus. Ele represente o Omkara. Todo o alfabeto sânscrito origina-se da música do Ḍamaru. A criação surge do Ḍamaru. A mão do Senhor Śiva que mostra Abhaya Mudra, nos dá proteção. A destruição advém do fogo. A elevação do pé de Śiva indica Maya ou ilusão. A mão que aponta para baixo mostra que seus pés de lótus são o único refúgio para a alma individual. Tiruakśi representa o Oṁkara ou Pranāva OM.

A dança é absolutamente suave. Se Ele dançar de forma forte, toda a Terra irá cair imediatamente. Ele dança com Seus olhos fechados, porque as fagulhas dos Seus olhos irão consumir o universo inteiro. As cinco atividades do Senhor: Śrīśti, Sthiti, Samhara, Tirobhava, e Anugraha (criação, preservação, destruição, acobertamento e graça), são as danças de Śiva.

Adoração do Senhor Śiva
ò Abençoado Sr. Śiva, a Ti prestamos nossas humildes reverências. Om Namah Śivaya!
Um devoto do Senhor Śiva deverá aplicar Vi-bhūti na testa e no corpo. Ele deverá vestir um Rudrakśamala. Ele deverá adorar o Śiva-Liṅga com folhas da árvore Bilva; ele deverá fazer o Japa de Pañcakśara Mantra: Om Namaḥ Śivaya! Ele, também, deverá meditar no Pañcakśara. O Senhor Śiva é agradado por cada uma destas ações. O Vibhūti ou Bhasma é muito sagrado, sendo usado pessoalmente pelo Senhor Śiva. As contas de um Rudrakshamala representam o terceiro olho, na testa do Senhor Śiva. As folhas de Bilva são consideradas como uma das cinco moradas de Laksmi ou a Deusa da fortuna.

O Japa do Pañcakśara e a meditação no Senhor Śiva deverá ser feita particularmente no Pradosha Kala ou antes que o Sol de ponha. O Pradośa ocorre no décimo terceiro Tithi após a lua cheia ou num dia de lua nova, sendo conhecido como Mahapradosha. Os Devās visitam os templos de Śiva e adoram ao Senhor neste período. Você pode adorar os Devas, também, se você visitar os templos durante o Māhapradośa. Os devotos do Senhor Śiva ob-servam pleno jejum nos dias de Māhapradośha.

Faça Pūjās especiais nas segundas-feiras e nos dias de Māhapradosha. Estes dias e no Māha Śivarātri são muitos sagrados para o Senhor Śiva. O Maha Śivarātri significa que uma grande noite é consagrada ao Senhor Śiva. O Māha Śivarātri ocorre no Trayodasi ou no décimo terceiro dia da noite escura do mês Kumbha (Phalguna). Os feitos importantes nesta função religiosa são o rígido jejum por doze horas e manter vigília durante a noite. Cada verdadeiro devoto do Senhor Śiva passa a noite do Śivarātri em profunda meditação, mantendo vigília e observando jejum.

O Senhor Śiva é o Deus do amor. Sua graça é abundante. Ele é o Salvador e Guru. Ele é o amado de Uma. Ele é Satyam, Śivam, Subham, Sundaram, Kantam. Ele é a luz Suprema, que brilha no coração de todos.

Medite na forma do Senhor Śiva, ouça Seus Lilas. Repita Seu Mantra Om Namaḥ Śivaya. Estude o Śiva Purāṇa. Adore-O diariamente. Contemple-O em todos os nomes e formas. Ele irá abençoar vocês com Sua visão.

Glossário
Asura= demônio.
Bhasma= cinzas sagradas.
Brahma= o criador do mundo material.
Brahman= o Absoluto.
Guna= qualidades materiais: Rajas, ação; Sattva. Equilíbrio, e Tamas, inércia.
Japa= repetição de um Mantra dado pelo Guru ou Mestre Espiritual.
Jyotir= brilho; refulgência.
Kala= o tempo.
Lila= passatempo; jogo.
Liṅgam= forma sem-forma do Brahman, geralmente representado como um pilar.
Maha= grande; maior.
Mala= 108 contas como num rosário.
Mudrā= gestos que referenciam as Deidades.
Nirguṇā= sem qualidades.
Pada= pés.
Pañcha =cinco.
Prema= amor.
Pūjā= ritual de adoração.
Purāṇa= textos populares da literatura védica. Os mais conhecidos são: Śiva Purāṇa, Viṣṇu Purāṇa, Bhagavata-Purāṇa, e Devi Purāṇa.
Saguna= qualidade.
Vibhūti= cinzas consagradas ao Supremo

Dāsānudāsaḥ

Dāsānudāsaḥ

 
SWAMI KṚṢNAPRĪYĀNANDA SARASWATI

VAIṢṆAVA BRASIL

GĪTĀ ĀŚRĀMA

2010


Sri Sri Radha-Krishna
 
Oṁ

Rādha e Kṛṣṇa são unos e os mesmos; o devoto puro de coração não separa um e outro. Brahman é tudo e está em todos, a o Amor de Radha Kṛṣṇa é a personificação do Amor Divino em Si mesmo.

Dāsa-anudāsaḥ
Este conhecimento é milenar; é uma ciência eterna e divina. Dāsa-anudāsah quer dizer “servo do servo”. O devoto deve ter em mente que está servindo ao Senhor de forma abnegada. Ele deve querer servir o servo do servo do Senhor. O Senhor disse no Bhagavad-gītā: “Īśvara, o Controlador Supremo de todas as entidades vivas, ó Arjuna! Está localizado no coração de todos. Pelo Seu poder encantador, Ele dirige a todas as entidades vivas, como que montado num engenho”. (Bgita, 18.61). Portanto, o devoto deverá ter em mente que está o tempo todo sendo conduzido pelo Senhor, tal qual uma marionete que atua no mundo material.

Saiba-se e pense-se que Kṛṣṇa está sempre atuando, e devemos pensar:

"O que o Senhor irá dizer!? O que Ele irá querer fazer com esta pessoa, ou comigo, etc., por que eu estou neste meio neste exato momento? O que será que Kṛṣṇa está querendo me dizer? O que Ele pretende?”
Não procure querer entender os passatempos de Kṛṣna ou julgá-Los, mas procure-se sempre perguntar, tendo a consciência de que é unicamente o Senhor Kṛṣṇa quem está no comando de tudo:

“Ó Kṛṣṇa, o que o Senhor está querendo me dizer? Eu sou tão ignorante! O que eu preciso aprender para poder ensinar a Ordem Eterna? Como posso orientar essa pessoa, ó amado Kṛṣṇa? O que eu preciso falar para ela? O que eu preciso melhorar, aprender, ver. Por favor, me oriente, amado Kṛṣṇa! Por favor, eu desejo muito servir ao servo do Teu servo!”.

Então vai-se aos poucos destruindo este egoísmo de “eu” e “meu”... E colocando-se na plataforma mais humilde do que uma folha de grama na rua. Sempre se pense:

“Ó Senhor, eu sou muito caído e impuro, mas mesmo assim me apontastes o caminho da luz espiritual pela Graça do Guru; eu não mereço sequer tocar nos Teus Santos Nomes. Por favor, faça arranjos para que eu possa sempre e sempre servi-Lo. Por favor, não deixe meus olhos ficarem cegos pelo egoísmo e pela busca efêmera do gozo dos sentidos; se ficarem cegos, que sejam com lágrimas de amor por Ti; vidas e vidas eu tenho desprezado o Teu amor; assim nasci e morri milhares de vezes tolamente preso á língua e genitais. Por detrás de minha inútil existência material há um mar de cadáveres sem fim. Agora, por favor, deixe-me sempre e sempre Te servir, por favor! Que eu possa sempre e sempre estar pronto para servi-Lo abnegadamente. Por favor, não deixe mais que meus corpos fiquem salgando a terra. Meu amado Mestre Espiritual, com o archote da luz do conhecimento transcendental, abriu meus olhos adormecidos pela ignorância, e Sua única ordem foi ‘sempre busque servir a Kṛṣṇa e aos Seus servos’. Então, por favor, deixe-me servi-Lo, ainda que seja servindo ao pó dos pés de lótus do servo do Teu servo!”

O sentimento de servir ou Seva é o mais nobre sentimento do devoto. Na realidade, é o único sentimento que o devoto deve desenvolver. Tudo o mais é um complemento, fornecido por Śrī Kṛṣṇa conforme Sua vontade. Que possamos sempre e sempre servir aos servos dos servos do Senhor, assim estaremos servindo ao Senhor!

Cantem os nomes do Senhor Hari -> Haribol!

Swami Kṛṣṇaprīyānanda Saraswatī

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A Era da Irreligião - Adharma

A Era da Irreligião

“adharma”

Swami Kṛṣṇaprīyānanda Saraswatī



GĪTĀ ĀŚRĀMA

Porto Alegre, 2010


Sri Krishna instrui Arjuna sobre o reto agir: ação em perfeita renúncia

“Sempre, e onde quer que haja discrepâncias no reto agir (predominância de Adharma), ó Bhārata, predo-minando a imoralidade, neste momento, Eu me manifesto. Para proteger os sādhūs e castigar os perversos, e para restabelecer os princípios éticos e religiosos ou Dharma Eu apareço era após era”

Śrī Kṛṣṇa, Bgita, 4.7-8

 
Aproximando-se do tema
O Bhagavad-gītā, milenar texto filosófico espiritual da humanidade, no capítulo 18, verso 66, diz o seguinte, “Abandone todos os tipos de obrigações religiosas, e simplesmente renda-se a Mim, eu irei lhe proteger contra todas as reações, não temas!”. É uma frase conclusiva, de um texto igualmente conclusivo, sobre qual o verdadeiro dever espiritual de alguém é ensinado. O Senhor Kṛṣṇa foi quem pessoalmente disse as palavras acima, e apesar de mais de 5.300 anos em que foram faladas, ainda ressoam pelos cantos do mundo sem que os ouvidos desatentos à Verdade Suprema consigam definir a ordem Suprema, e cumpri-la.

A necessidade de religião está ligada ao próprio egoísmo da pessoa. Se olharmos com atenção, veremos que haverá tantas religiões quanto pessoas existam. Cada uma possui algum tipo de crença ou visão sobre o que chama de Deus, sem no entanto perguntar-se sobre se suas crenças têm ou não um fundamento além do seu próprio ego, da sua própria forma de ver e encarar o mundo. Já faz bastante tempo que as religiões vem degenerando a passos largos, e sequer tratam o Divino como transcendente.

A atual era é chamada de kali-yuga, ou era das trevas; a era da ignorância sobre a Verdade Suprema. Apesar de a era das trevas ser uma era de egoísmos e hipocrisias, é uma era de simplicidade de servir a Deus. Então, o que deveremos fazer?

Compreendendo o tema
No cap. 17 do Bhagavad-gītā, Śrī Kṛṣṇa enumera e explica em detalhes os três tipos predominantes de “religião”. Mas o que fica de entendimento do capitulo referido, é que “religião” nada mais é do que uma forma de agir conforme o modo da natureza material predominante em alguém. As três formas ou tipos de religião ou estão no modo da bondade, da paixão ou da ignorância. Na primeira das formas existe a atitude benevolente de alguém para com o sofredor, ou aquele que está necessitado. É também a maneira de adorar algum ser superior como semideus, anjos. etc. É a chamada religião da bondade, que visa o bem dos que sofrem, e acolhem os menos favorecidos. Nas religiões do modo da paixão, são enumerados princípios e metas baseadas na vontade de alguém influente; desprezam todas as outras formas de religião, e somente os que seguem a religião daquele que se diz dono da verdade (de quem em mais posses ou ganhos) é quem está livre de algo. “Sacrifício” é apenas dar alguma coisa como dinheiro. Neste modo, o crente busca tão somente gratificar os sentidos; pede coisas materiais, não se preocupa nenhum pouco com o sofrimento de alguém e tudo o que pretende é alcançar conforto e riqueza material. Não faz nenhum sacrifício pessoal, e jamais sente atração por prestar serviço abnegado, porque pensa como senhor e não como servo. As religiões no modo da paixão são as predominantes no mundo Ocidental. A religião no modo da paixão não deixa de ser uma forma refinada de egoísmo. Já os que adoram fantasmas, espíritos e defuntos, formas primitivas de seres, etc., estão no modo da ignorância. Isso quer dizer que cada um irá seguir e procurar uma “religião” conforme a sua inclinação e particularidade. Mas então, qual a melhor forma de religião?

Por que Kṛṣṇa pediu para Arjuna abandonar a tradição antiga?
O aparecimento de Kṛṣṇa no mundo material é algo muito significativo. Kṛṣṇa possui encarnado em Si tudo o que alguém espera de um verdadeiro herói. Ele é chamado Pūrṇa Avatāra, porque Ele possui todas as qualidades de Visnu possíveis no mundo material, como toda a beleza, toda a fortuna, toda a força, e assim por diante. Kṛṣṇa é o perfeito herói, e Quem possui todas as qualidades que alguém deve se esforçar para alcançar e por fim se liberar. Na ocasião da grande batalha de Kurukśetra o mundo estava sendo oprimido pelo Estado demoníaco exercido por Kaṁsā. A representação do Estado poderoso está personificada em Kaṁsā. Este rei era muito religioso, e ele seguia a risca as orientações dos Śāstras ou Escrituras, realizando o que era recomendado a ser feito. Ele jamais negligenciava um feriado religioso, ou deixava de fazer os votos como o jejum no Ekadāśī, e outras atividades religiosas recomendadas nas Escrituras. Ele mantinha muitos templos, e sacerdotes que o serviam, de modo que era praticamente impossível livrar-se da sua tirania.

Um chefe de família tinha suas obrigações diárias determinadas pelo Código de Manu. Neste códice de regras e regulações, ditado pessoalmente pelo progenitor moral da humanidade, durante a dvāpara-yuga (era de bronze), está indicado o pañcaratriki, ou os cinco sacrifícios diários obrigatórios. A parafernália necessária, o tipo de oferendas requeridas, e todo o envolvimento ativo para que isso pudesse ser feito a contento tornou-se uma séria ameaça na Kali-yuga (era de ferro), porque o tempo de vida foi drasticamente reduzido de 1.000 para apenas 100 anos em média. A pessoa não tem como fazer todos os sacrifícios requeridos, na complexidade exigida daquele Código, cumprir com suas tarefas diárias, e poder então alcançar tudo o que lhe era pedido na formalidade. No verso 18.66 Kṛṣṇa libera Arjuna (e a nós também) de tudo o que até então ele tinha aprendido como absolutamente necessário para que alguém fosse considerado um devoto, e no fim alcançar a liberação. Antes, porém, no verso. 9.26, Kṛṣṇa havia dito que um pouco d’água, uma fruta e uma flor já seria suficiente para a adoração diária. Veja-se que Kṛṣṇa adota a simplicidade de adorar a Deus. Nada é exigido além do amor puro por Ele. Portanto, Śrī Kṛṣṇa em pessoa nos ensinou como adorar a Deus nesta era de trevas, sem termos que ficar sofrendo de reações às quais não temos como nos defender, uma vez que, se alguém não realizasse o que era indicado no cânon de Manu, estaria sujeito às sérias consequências e reações desagradáveis.

Kali-yuga
A capacidade de concentração, memória, entendimento e conhecimento sobre a Verdadeira natureza da alma é muito limitada na Kali-yuga, a atual era em que vivemos no mundo. O tempo de vida é bem mais curto do que nas eras anteriores. É estimado que alguém possa viver razoavelmente saudável até os 100 anos. Por isso, cada uma das eras possui uma forma adequada de desenvolvimento da espiritualidade e liberação. Śrī Madhava Acharya escreveu certa feita o seguinte: “Na era de dvāpara-yuga as pessoas deviam satisfazer o senhor Viṣṇu apenas pela pomposa adoração, conforme o sistema Pañcarātriki. Mas nesta era de kali-yuga pode-se adorar ao Senhor Supremo, Bhāgavan, simplesmente pelo canto dos Santos Nomes do Senhor Hari”. É fato que Kṛṣṇa disse para Arjuna que esta era, a era da hipocrisia, da falsa religião, do culto ao efêmero e temporário, é uma era de muitos sofrimentos. Na kali-yuga, a religião se torna um entrave para o verdadeiro avanço espiritual. Porque é de fato irreligião. Veja que Kṛṣṇa libera o devoto das irreligiões, e simplesmente pede para que se busque amá-Lo sobre todas as coisas. Por que isso é tão difícil de ser compreendido?

Como se aprende a verdadeira ciência do amor divino?
Arjuna queria saber qual o modo correto de alguém aprender a ciência transcendental do Yoga. Este yoga que Arjuna pergunta não é o conjunto de ginásticas e exercícios - Asanas - que as pessoas normalmente confundem. Yoga significa unidade com o Supremo. Então Arjuna queria saber qual a forma correta de alcançar o conhecimento supremo e transcendental do Yoga, ou o Yoga Supremo. A resposta que o Sr. Kṛṣṇa dá para Seu fiel amigo, é: “Este conhecimento – do Yoga transcendental - se aprende corretamente perguntando aos que O conhecem, e prestando-lhes serviço abnegado (seva); inicias-te neste Conhecimento com os que O possuem, conhecem e viram a Verdade” (bgita, 4.34). Portanto, o Sr. Kṛṣṇa recomenda para que nos aproximemos daquele que viu (a luz do conhecimento) a Verdade Suprema, isso é, realizou o conhecimento sobre o Absoluto, na unidade do Brahman Supremo, compreendendo que é uma alma espiritual tendo experiências materiais, e não um corpo cheio de desejos e ambições terrenas que possui uma alma. No mais das vezes, as religiões que se instalam num dos três modos da natureza material, defendem que alguém possui uma alma, e que esta alma vai aos céus depois da morte, e que então poderá desfrutar de um mundo de delicias. Mas também há religiões que não acreditam na alma, e pregam um ateísmo religioso e niilista. No mais, a crença que se têm de uma alma é uma visão muito ingênua da Realidade Suprema; uma transferência da visão objetiva material deste mundo temporário para um grau refinado de desfrute, e nada mais.

Servo do Senhor
A ciência transcendental do Supremo se aprende com quem vive e realizou-O. Não basta alguém simplesmente submeter-se a mera formalidade para ingressar nesta ou naquela religião, e assim achar-se salvo (na verdade nem sabem do que se salvam). Como Kṛṣṇa nos instrui, para que alguém alcance o patamar ou plataforma superior de compreensão e amor divinos, deverá render-se e prestar serviço devocional abnegado (sem querer nada material e nem mesmo espiritual em retorno), para quem já está no caminho, e realizou a Verdade. É interessante que na maioria das religiões dos dias atuais afirma-se em orações a seguinte frase: “que seja feita a Vossa vontade...”, mas tão somente alguém se aproxima de Deus pedindo para ser servido, e que suas vontades pessoais sejam atendidas (quase sempre é “primeiramente ‘eu’, e depois os ‘meus’”). Isso se chama inversão de valores. A frase é meramente ilustrativa para quem diz “seja feita a Vossa vontade”, porque no fundo está sendo pedido “que a ‘minha’ vontade seja atendida”. Isso é uma enorme hipocrisia; uma verdadeira inversão de valores. O devoto, quem segue os votos, quem é verdadeiramente um servo de Deus, jamais deseja ser servido, mas apenas servir. Como alguém pode agir de um modo hipócrita e esconder o seu egoísmo em nome de uma religião, e sentir-se protegido das garras da doença, velhice e morte? Isso é devido a ignorância que se possui de Deus. Servir ao Mestre Espiritual fidedigno é como Servir ao Senhor pessoalmente. Feliz é aquele quem encontra um Mestre Espiritual bonna fide que vive a Sua vida tão somente para servir aos servos do Senhor. Mas quem é que além da identificação objetiva do tipo, “eu sou o corpo e as relações deste corpo”, pode de fato instruir alguém? Com certeza não é quem oferece conforto material mundano, nem promessas de fama, prestígio e poder material que irá salvar alguém dos sofrimentos do mundo. Essas coisas efêmeras não dizem respeito ao Eterno. Que tolos são os que desejam acumular tesouros por sobre a Terra. O mundo material é uma passagem para o corpo, e nenhum “ponto” sequer das coisas matérias servirá de apoio ou ajuda para alguém na hora da morte inevitável. A Terra irá comer tudo, inclusive nosso corpo mortal. Então, qual a razão que motiva a alguém pedir que seja servido e jamais querer ser servo?

As religiões no mais das vezes são muletas ou apoios para os egos identificados corporalmente. As pessoas pensam em Deus como se Ele estivesse fora delas. Não conseguem compreender a imanência e transcendência de Deus. De fato, se tornam escravas dos próprios desejos mundanos disfarçados de espiritual quando falam em Deus e procuram uma religião. Nas associações religiosas são criadas novas identificações objetivas do tipo, “minha religião”, “meu povo”, e assim por diante. Porém, “eu” e “meu” são gêmeos do egoísmo. Um verdadeiro devoto está além de religião, e de identificação objetiva de qualquer natureza. Alguém poderá mudar de religião, assim como muda de cidadania, então se percebe que isso é algo temporário e que se escolhe por essa ou por aquela conveniência pessoal. Alguém diz: “eu me identifiquei muito com esta ou aquela religião”, portanto, logo vemos que a pessoa está tão somente buscando aquilo que lhe agrada egoisticamente. Mas se podemos mudar de religião, até mesmo de cidadania, então, o que realmente somos? Com certeza não somos nem a religião nem tampouco aquela cidadania. O que muda não é permanente; mas a alma é eterna e permanente. Logo, não somos o que muda.

O verdadeiro sentimento espiritual mostra-se evidente no coração do devoto quando diz, “a este Guru eu quero servir”, porque a ideia egoísta de ser atendido ou de ver seus egoísmos satisfeitos são então colocados de lado, e inteiramente superados no seva ou serviço abnegado.

As associações
Muitos filósofos do passado falaram do problema da perda de identidade que alguém enfrenta nas religiões, e que estas agem como “narcóticos” para aliviar o sofrimento do povo. Por terem apontado as falhas e os problemas dentro das religiões então eles foram erroneamente taxados de ateus. Mas se olharmos bem, quando um governo oprime o povo, e faz falsas promessas que nunca se cumprem, então a saída do oprimido é embriagar-se com alguma religião. E elas estão surgindo aos borbotões. Quanto mais se oprime o povo com falsas promessas, mais surgem narcóticos para sufocar o não cumprimento delas. Veja-se que na grande maioria dos governos dos dias atuais, salvo os governos teocêntricos que ainda insistem em oprimir o povo usando falsamente o nome de Deus, a “liberdade” de religião é notável. Há até mesmo a desobrigação de pagar impostos por parte dos tais “religiosos”. Portanto, o Estado tem um enorme interesse na manutenção da embriagues religiosa do povo, seja impedindo outra religião daquela do Estado, ou permitindo uma grande variedade delas. Como praticamente todos estão motivados materialmente, isso certamente irá gerar impostos indiretos, e menos problemas para o Estado. Mas em todos os casos são narcóticos para os ignorantes. Não importa o método: uma única ou várias religiões, sempre será uma forma de manter a hegemonia por sobre o povo oprimido e sufocado, sem condições de realizar a Verdade Suprema. Religião nos dias de hoje se tornou algo tão ideológico e grupal como um time de futebol, uma escola de samba, um partido político, etc. É apenas mais um tipo de associação que tem em vista manter a hegemonia ideológica de alguém, porque é apenas um meio de vida, uma forma de explorar e encher a barriga. É sábio o dito que afirma que se não pensarmos, alguém irá pensar por nós. Quem deseja conhecer a Verdade do que realmente somos, e livrar-se da tirania dos narcóticos das falsas religiões?

O conhecimento que liberta
Conhecimento da Verdade Suprema é algo muito especial. Não se trata de nada secreto ou mesmo difícil. Alguém pode até mesmo dizer que entendeu algo, porém não o compreendeu. Isso não nos parece muito difícil de situar. Veja-se, por exemplo, quando um soldado recebe uma ordem de um superior ele entende perfeitamente a ordem que deve cumprir, sem no entanto compreender nada dela, até mesmo porque não é de sua competência compreender uma ordem superior. Então um bom soldado não irá fazer perguntas que irão além das ordens dadas e como deve cumpri-las corretamente. Isso é o mesmo que acontece com as religiões. As pessoas entendem perfeitamente as ordens e obrigações que alguém lhes dá, enquanto membros desta ou daquela religião, porém, se lhes perguntarmos se compreenderam o que lhes foi imposto, elas dirão que não, porque de fato nada sabem da sua própria religião. Estão ali por buscas pessoais e que de alguma maneira satisfaça seus desejos particulares. Isso se deve porque estão nesta ou naquela religião tão somente para ter algum tipo de pedido egoísta atendido. Aqui não se justifica pelo mérito. Nada mais do que isso. O que notamos é que não há busca por uma causa da existência, nem mesmo para o sofrimento. Sabendo da ganância inconsciente, os líderes de religiões organizadas exploram as pessoas como se faz com o “Conto do Vigário”; é tal qual “marketing de rede” em nome de Deus; pura lavagem cerebral, embriaguês pela ignorância. Por outro lado, a imaginação criadora, imatura e apressada, então inventa um inimigo fantasioso, que impede alguém de ter o que deseja, ou que impede alguém de “render-se” à determinada religião, e ao qual dão vários nomes como “diabo”, “demônio”, etc. ou ainda tem alguém que faz esse ou aquele “feitiço”; tudo irá depender do lugar onde uma religião se instala. Sempre tem “algo de fora” que conspira contra um e outro. É a velha Teoria da Conspiração no coração das igrejas! Interessante que na visão objetiva imediata o inimigo sempre vem de fora, porém o verdadeiro inimigo vem de dentro, ele se chama ignorância, bem como a falta de compreensão da verdadeira meta da vida. Claro, assim como uma criança sempre culpa os outros pelos seus próprios erros, aqueles que estão na busca dos seus ideais egoístas devem culpar um terceiro, o qual é chamado de “maligno”. Isso ocorre porque é mais fácil culpar os outros do que assumir os próprios erros. E como Deus fica pequeno perto deste maligno!

Deus é onipotente, onipresente, onisciente
Existe um conhecimento que liberta porque ele nos mostra a verdadeira compreensão de Deus. Deus não tem competidores; Ele é único e onipotente, está em tudo e em todos, e a tudo sabe. A reverência a Deus não é apenas um ato mecânico diante de uma busca de algum bem material, seja ele um objeto, como uma casa, um carro, ou algo como saúde, felicidade material, etc. O verdadeiro conhecimento sobre Deus é um conhecimento Supremo, e está além de religiões e busca de bens materiais. Deus é Senhor, não servo. Este conhecimento chama-se Brahma-vidya ou Rājā Vidya, que é o conhecimento Real e Verdadeiro. Um conhecimento que está além da imediatidade objetiva de “eu” e “meu” tão comuns nas religiões materiais dos dias de hoje. Este conhecimento é o mais perfeito dos conhecimentos, porque diz respeito ao Atma ou alma que realmente somos. Quem alcança a verdadeira compreensão do porque estamos num corpo material, e qual é o nosso objetivo na vida, então, de fato, alcança a suprema compreensão da Verdade Suprema.

Por que Kṛṣṇa nos liberta das religiões?
“Tudo o que fizeres, comeres, etc., faça como uma oferenda a Mim”, assim diz Kṛṣṇa. Portanto, todo o karma passou a ser religioso por excelência a partir da liberação de Krṣṇa da mera formalidade religiosa. Śrī Kṛṣṇa é a personificação do Supremo, porque n’Ele vemos a libertação do sofrimento, tanto físico como espiritual. Com Kṛṣṇa iniciou-se a Kali-yuga, ou a era de hipocrisias e desavenças, também conhecida como a era das trevas e da irreligião. É irreligião ou adharma porque se fala de Deus como um servo, e não como Senhor. Estas trevas não são outras além da ignorância do verdadeiro Ser ou Atma que realmente somos. Identificadas objetivamente com o corpo e suas relações como família, propriedade, nome, forma, etc., as entidades vivas sofrem por desconhecer o Verdadeiro Deus. Como se pode ver perfeitamente, as religiões são como narcóticos que apenas se propõem amenizar o sofrimento material do ignorante, iludindo-o materialmente; não há escatologia, o futuro espiritual simplesmente não existe. No fundo, se alguém tolamente acha que pode sofrer menos tendo mais propriedades e coisas materiais, ele irá apenas abastecer o Estado com mais impostos e obrigações. Quanto mais alguém possui materialmente nos dias atuais, salvo se locuplete com os políticos corruptos e ladrões que há as pencas, mais terá que pagar de impostos para o Estado. O Estado é como um câncer, que vai comendo tudo o que o povo às duras penas mal consegue ganhar para poder continuar vivendo. Então as religiões surgem como licores que dão nova esperança ao sofredor material. Apesar da opressão, o povo tem outras promessas que reforçam o caráter de “escolhido de Deus”. Porém elas não cumprem com o seu verdadeiro fundamento, o qual seria informar acerca da condição de almas espirituais iludidas num corpo material, e o que deve ser feito para que isso cesse, e que se pare de sofrer. É bem pelo fato de não informarem a verdadeira posição da alma espiritual no mundo que as religiões atuais tão somente servem para embriagar o povo e mantê-lo cada vez mais submisso a Kaṁsā, o Estado ou Governo.

Kṛṣṇa matou Kaṁsā, derrotando-o diante de uma plateia incrédula e atônita. É claro que na época do poderoso Kaṁsā havia muitos que o admiravam, porque dependiam dele. Eles viviam na sombra de Kaṁsā. Os associados de Kaṁsā o serviam para serem servidos. Então, todas as atrocidades cometidas por Kaṁsā, como por exemplo, extorquir o povo com cobrança de impostos muito além do razoável, era de algum modo dividido com os que estavam mais próximos dele. Assim eram feitas festas com a produção do povo: grãos, leite, queijo, etc., eram confiscados; os animais abatidos para serem comidos, e coisas do gênero, pelos íntimos de Kaṁsā. Quem não estava com Kaṁsā estava contra ele. O povo mal conseguia se manter vivo, mas em nome da religião Kaṁsā retirava-lhes o “dizimo”, porém os dizimava, este é o correto sentido do termo. Quem de algum modo se negasse a pagar o que lhe era pedido então tinha sua vida perdida. Experimente não pagar os impostos, veja o que acontece nos dias atuais!? Leis injustas eram criadas para legitimar as ações demoníacas de Kaṁsā. Enquanto o povo era iludido pelo pão e circo das arenas de lutas mortais, Kaṁsā elevava as taxas e impostos, e uma minoria muito privilegiada desfrutava, então, daquilo que era lapidado do povo sofredor. O que tem de diferente nisso nos dias atuais? Não há leões em arenas devorando uns famigerados, mas há outras mazelas que enchem telas de T.V. Kaṁsā utilizava-se dos argumentos religiosos para retirar o dinheiro do povo, e lhes dava algum divertimento tolo. Não é muito diferente no que vemos nas religiões materialistas, no modo da paixão, nos dias de hoje.

O Senhor Kṛṣṇa matou o demônio Kaṁsā, e deu liberdade de adorar a Deus na simplicidade do serviço abnegado. Ele não exigiu nada além da simplicidade e pureza, e nem sequer cobrou um centavo pelo que ensinou. Por que, então, continuar servindo Kaṁsā e seus correligionários, se podemos servir diretamente a Deus através do serviço abnegado ao Guru e a Sua missão? Por que é tão difícil compreender que o egoísmo é a única coisa que nos afasta de Deus? Graças ao Senhor Kṛṣṇa, nesta era de trevas e hipocrisias, podemos servi-Lo diretamente, sem nenhum intermediário no Seu amor puro. Ninguém precisa de religião para amar a Deus, apenas de amor e devoção.

Conclusão
Sarva dharmam, mam ekam; esse é o cerne do verso 18.66 do Bhagavad-gītā, que diz exatamente o seguinte, “livre-se da forma, ocupa-te com o conteúdo: Deus”; servir a Deus é o ato mais coerente do devoto, mas ser servido é um ato egoísta e demoníaco. O verdadeiro demônio chama-se egoísmo; é a este quem devemos colocar nossa atenção, e ele vem de dentro, e nunca de fora. Sartre, o filósofo francês existencialista, disse certa feita que “o inferno são os outros”, mas na realidade o inferno somos nós mesmos, em nosso egoísmo. O mesmo filósofo citado dizia que “a minha liberdade termina quando começa a do outro”, porém também está equivocado, porque nossa liberdade somente começa quando reconhecemos o direito da liberdade do outro, e que Deus não nos exige religião. É bem simples assim. Não somos livres porque somos limitados pela liberdade do outro, mas somos livres no reconhecimento da liberdade do outro. É por isso que a irreligião não liberta, apenas oprime, embriaga, e afasta o sincero devoto do seu real objetivo para a vida e para com Deus. Kṛṣṇa disse que O amássemos unicamente, mam ekam, então, por que perder tempo na embriaguês da irreligião, falsamente chamada “religião”, se é possível agora mesmo alcançar o amor divino, na simplicidade do serviço abnegado, nos Seus Santos nomes, e em servir a Deus servindo o Seu servo?

Que possamos sempre e sempre servir ao Senhor no Seu amor desmotivado.

Hari om tat sat


Glossário
Brahman= o Absoluto.

Ekadāśī= lit. sânsc. “décimo primeiro dia”; dia de jejum

Hari= o mesmo que Viṣṇu ou Kṛṣṇa

Karma= obrigação; dever; trabalho.

Rājā= real; verdadeiro

Śāstra= lit. sânsc. “o que foi dito” pelos sábios.

Śrī Krsṇa= a Suprema Personalidade de Deus.

Vidya= saber; visão (filosófica ou jñāna)

Yuga= era; milênio.