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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A Era da Irreligião - Adharma

A Era da Irreligião

“adharma”

Swami Kṛṣṇaprīyānanda Saraswatī



GĪTĀ ĀŚRĀMA

Porto Alegre, 2010


Sri Krishna instrui Arjuna sobre o reto agir: ação em perfeita renúncia

“Sempre, e onde quer que haja discrepâncias no reto agir (predominância de Adharma), ó Bhārata, predo-minando a imoralidade, neste momento, Eu me manifesto. Para proteger os sādhūs e castigar os perversos, e para restabelecer os princípios éticos e religiosos ou Dharma Eu apareço era após era”

Śrī Kṛṣṇa, Bgita, 4.7-8

 
Aproximando-se do tema
O Bhagavad-gītā, milenar texto filosófico espiritual da humanidade, no capítulo 18, verso 66, diz o seguinte, “Abandone todos os tipos de obrigações religiosas, e simplesmente renda-se a Mim, eu irei lhe proteger contra todas as reações, não temas!”. É uma frase conclusiva, de um texto igualmente conclusivo, sobre qual o verdadeiro dever espiritual de alguém é ensinado. O Senhor Kṛṣṇa foi quem pessoalmente disse as palavras acima, e apesar de mais de 5.300 anos em que foram faladas, ainda ressoam pelos cantos do mundo sem que os ouvidos desatentos à Verdade Suprema consigam definir a ordem Suprema, e cumpri-la.

A necessidade de religião está ligada ao próprio egoísmo da pessoa. Se olharmos com atenção, veremos que haverá tantas religiões quanto pessoas existam. Cada uma possui algum tipo de crença ou visão sobre o que chama de Deus, sem no entanto perguntar-se sobre se suas crenças têm ou não um fundamento além do seu próprio ego, da sua própria forma de ver e encarar o mundo. Já faz bastante tempo que as religiões vem degenerando a passos largos, e sequer tratam o Divino como transcendente.

A atual era é chamada de kali-yuga, ou era das trevas; a era da ignorância sobre a Verdade Suprema. Apesar de a era das trevas ser uma era de egoísmos e hipocrisias, é uma era de simplicidade de servir a Deus. Então, o que deveremos fazer?

Compreendendo o tema
No cap. 17 do Bhagavad-gītā, Śrī Kṛṣṇa enumera e explica em detalhes os três tipos predominantes de “religião”. Mas o que fica de entendimento do capitulo referido, é que “religião” nada mais é do que uma forma de agir conforme o modo da natureza material predominante em alguém. As três formas ou tipos de religião ou estão no modo da bondade, da paixão ou da ignorância. Na primeira das formas existe a atitude benevolente de alguém para com o sofredor, ou aquele que está necessitado. É também a maneira de adorar algum ser superior como semideus, anjos. etc. É a chamada religião da bondade, que visa o bem dos que sofrem, e acolhem os menos favorecidos. Nas religiões do modo da paixão, são enumerados princípios e metas baseadas na vontade de alguém influente; desprezam todas as outras formas de religião, e somente os que seguem a religião daquele que se diz dono da verdade (de quem em mais posses ou ganhos) é quem está livre de algo. “Sacrifício” é apenas dar alguma coisa como dinheiro. Neste modo, o crente busca tão somente gratificar os sentidos; pede coisas materiais, não se preocupa nenhum pouco com o sofrimento de alguém e tudo o que pretende é alcançar conforto e riqueza material. Não faz nenhum sacrifício pessoal, e jamais sente atração por prestar serviço abnegado, porque pensa como senhor e não como servo. As religiões no modo da paixão são as predominantes no mundo Ocidental. A religião no modo da paixão não deixa de ser uma forma refinada de egoísmo. Já os que adoram fantasmas, espíritos e defuntos, formas primitivas de seres, etc., estão no modo da ignorância. Isso quer dizer que cada um irá seguir e procurar uma “religião” conforme a sua inclinação e particularidade. Mas então, qual a melhor forma de religião?

Por que Kṛṣṇa pediu para Arjuna abandonar a tradição antiga?
O aparecimento de Kṛṣṇa no mundo material é algo muito significativo. Kṛṣṇa possui encarnado em Si tudo o que alguém espera de um verdadeiro herói. Ele é chamado Pūrṇa Avatāra, porque Ele possui todas as qualidades de Visnu possíveis no mundo material, como toda a beleza, toda a fortuna, toda a força, e assim por diante. Kṛṣṇa é o perfeito herói, e Quem possui todas as qualidades que alguém deve se esforçar para alcançar e por fim se liberar. Na ocasião da grande batalha de Kurukśetra o mundo estava sendo oprimido pelo Estado demoníaco exercido por Kaṁsā. A representação do Estado poderoso está personificada em Kaṁsā. Este rei era muito religioso, e ele seguia a risca as orientações dos Śāstras ou Escrituras, realizando o que era recomendado a ser feito. Ele jamais negligenciava um feriado religioso, ou deixava de fazer os votos como o jejum no Ekadāśī, e outras atividades religiosas recomendadas nas Escrituras. Ele mantinha muitos templos, e sacerdotes que o serviam, de modo que era praticamente impossível livrar-se da sua tirania.

Um chefe de família tinha suas obrigações diárias determinadas pelo Código de Manu. Neste códice de regras e regulações, ditado pessoalmente pelo progenitor moral da humanidade, durante a dvāpara-yuga (era de bronze), está indicado o pañcaratriki, ou os cinco sacrifícios diários obrigatórios. A parafernália necessária, o tipo de oferendas requeridas, e todo o envolvimento ativo para que isso pudesse ser feito a contento tornou-se uma séria ameaça na Kali-yuga (era de ferro), porque o tempo de vida foi drasticamente reduzido de 1.000 para apenas 100 anos em média. A pessoa não tem como fazer todos os sacrifícios requeridos, na complexidade exigida daquele Código, cumprir com suas tarefas diárias, e poder então alcançar tudo o que lhe era pedido na formalidade. No verso 18.66 Kṛṣṇa libera Arjuna (e a nós também) de tudo o que até então ele tinha aprendido como absolutamente necessário para que alguém fosse considerado um devoto, e no fim alcançar a liberação. Antes, porém, no verso. 9.26, Kṛṣṇa havia dito que um pouco d’água, uma fruta e uma flor já seria suficiente para a adoração diária. Veja-se que Kṛṣṇa adota a simplicidade de adorar a Deus. Nada é exigido além do amor puro por Ele. Portanto, Śrī Kṛṣṇa em pessoa nos ensinou como adorar a Deus nesta era de trevas, sem termos que ficar sofrendo de reações às quais não temos como nos defender, uma vez que, se alguém não realizasse o que era indicado no cânon de Manu, estaria sujeito às sérias consequências e reações desagradáveis.

Kali-yuga
A capacidade de concentração, memória, entendimento e conhecimento sobre a Verdadeira natureza da alma é muito limitada na Kali-yuga, a atual era em que vivemos no mundo. O tempo de vida é bem mais curto do que nas eras anteriores. É estimado que alguém possa viver razoavelmente saudável até os 100 anos. Por isso, cada uma das eras possui uma forma adequada de desenvolvimento da espiritualidade e liberação. Śrī Madhava Acharya escreveu certa feita o seguinte: “Na era de dvāpara-yuga as pessoas deviam satisfazer o senhor Viṣṇu apenas pela pomposa adoração, conforme o sistema Pañcarātriki. Mas nesta era de kali-yuga pode-se adorar ao Senhor Supremo, Bhāgavan, simplesmente pelo canto dos Santos Nomes do Senhor Hari”. É fato que Kṛṣṇa disse para Arjuna que esta era, a era da hipocrisia, da falsa religião, do culto ao efêmero e temporário, é uma era de muitos sofrimentos. Na kali-yuga, a religião se torna um entrave para o verdadeiro avanço espiritual. Porque é de fato irreligião. Veja que Kṛṣṇa libera o devoto das irreligiões, e simplesmente pede para que se busque amá-Lo sobre todas as coisas. Por que isso é tão difícil de ser compreendido?

Como se aprende a verdadeira ciência do amor divino?
Arjuna queria saber qual o modo correto de alguém aprender a ciência transcendental do Yoga. Este yoga que Arjuna pergunta não é o conjunto de ginásticas e exercícios - Asanas - que as pessoas normalmente confundem. Yoga significa unidade com o Supremo. Então Arjuna queria saber qual a forma correta de alcançar o conhecimento supremo e transcendental do Yoga, ou o Yoga Supremo. A resposta que o Sr. Kṛṣṇa dá para Seu fiel amigo, é: “Este conhecimento – do Yoga transcendental - se aprende corretamente perguntando aos que O conhecem, e prestando-lhes serviço abnegado (seva); inicias-te neste Conhecimento com os que O possuem, conhecem e viram a Verdade” (bgita, 4.34). Portanto, o Sr. Kṛṣṇa recomenda para que nos aproximemos daquele que viu (a luz do conhecimento) a Verdade Suprema, isso é, realizou o conhecimento sobre o Absoluto, na unidade do Brahman Supremo, compreendendo que é uma alma espiritual tendo experiências materiais, e não um corpo cheio de desejos e ambições terrenas que possui uma alma. No mais das vezes, as religiões que se instalam num dos três modos da natureza material, defendem que alguém possui uma alma, e que esta alma vai aos céus depois da morte, e que então poderá desfrutar de um mundo de delicias. Mas também há religiões que não acreditam na alma, e pregam um ateísmo religioso e niilista. No mais, a crença que se têm de uma alma é uma visão muito ingênua da Realidade Suprema; uma transferência da visão objetiva material deste mundo temporário para um grau refinado de desfrute, e nada mais.

Servo do Senhor
A ciência transcendental do Supremo se aprende com quem vive e realizou-O. Não basta alguém simplesmente submeter-se a mera formalidade para ingressar nesta ou naquela religião, e assim achar-se salvo (na verdade nem sabem do que se salvam). Como Kṛṣṇa nos instrui, para que alguém alcance o patamar ou plataforma superior de compreensão e amor divinos, deverá render-se e prestar serviço devocional abnegado (sem querer nada material e nem mesmo espiritual em retorno), para quem já está no caminho, e realizou a Verdade. É interessante que na maioria das religiões dos dias atuais afirma-se em orações a seguinte frase: “que seja feita a Vossa vontade...”, mas tão somente alguém se aproxima de Deus pedindo para ser servido, e que suas vontades pessoais sejam atendidas (quase sempre é “primeiramente ‘eu’, e depois os ‘meus’”). Isso se chama inversão de valores. A frase é meramente ilustrativa para quem diz “seja feita a Vossa vontade”, porque no fundo está sendo pedido “que a ‘minha’ vontade seja atendida”. Isso é uma enorme hipocrisia; uma verdadeira inversão de valores. O devoto, quem segue os votos, quem é verdadeiramente um servo de Deus, jamais deseja ser servido, mas apenas servir. Como alguém pode agir de um modo hipócrita e esconder o seu egoísmo em nome de uma religião, e sentir-se protegido das garras da doença, velhice e morte? Isso é devido a ignorância que se possui de Deus. Servir ao Mestre Espiritual fidedigno é como Servir ao Senhor pessoalmente. Feliz é aquele quem encontra um Mestre Espiritual bonna fide que vive a Sua vida tão somente para servir aos servos do Senhor. Mas quem é que além da identificação objetiva do tipo, “eu sou o corpo e as relações deste corpo”, pode de fato instruir alguém? Com certeza não é quem oferece conforto material mundano, nem promessas de fama, prestígio e poder material que irá salvar alguém dos sofrimentos do mundo. Essas coisas efêmeras não dizem respeito ao Eterno. Que tolos são os que desejam acumular tesouros por sobre a Terra. O mundo material é uma passagem para o corpo, e nenhum “ponto” sequer das coisas matérias servirá de apoio ou ajuda para alguém na hora da morte inevitável. A Terra irá comer tudo, inclusive nosso corpo mortal. Então, qual a razão que motiva a alguém pedir que seja servido e jamais querer ser servo?

As religiões no mais das vezes são muletas ou apoios para os egos identificados corporalmente. As pessoas pensam em Deus como se Ele estivesse fora delas. Não conseguem compreender a imanência e transcendência de Deus. De fato, se tornam escravas dos próprios desejos mundanos disfarçados de espiritual quando falam em Deus e procuram uma religião. Nas associações religiosas são criadas novas identificações objetivas do tipo, “minha religião”, “meu povo”, e assim por diante. Porém, “eu” e “meu” são gêmeos do egoísmo. Um verdadeiro devoto está além de religião, e de identificação objetiva de qualquer natureza. Alguém poderá mudar de religião, assim como muda de cidadania, então se percebe que isso é algo temporário e que se escolhe por essa ou por aquela conveniência pessoal. Alguém diz: “eu me identifiquei muito com esta ou aquela religião”, portanto, logo vemos que a pessoa está tão somente buscando aquilo que lhe agrada egoisticamente. Mas se podemos mudar de religião, até mesmo de cidadania, então, o que realmente somos? Com certeza não somos nem a religião nem tampouco aquela cidadania. O que muda não é permanente; mas a alma é eterna e permanente. Logo, não somos o que muda.

O verdadeiro sentimento espiritual mostra-se evidente no coração do devoto quando diz, “a este Guru eu quero servir”, porque a ideia egoísta de ser atendido ou de ver seus egoísmos satisfeitos são então colocados de lado, e inteiramente superados no seva ou serviço abnegado.

As associações
Muitos filósofos do passado falaram do problema da perda de identidade que alguém enfrenta nas religiões, e que estas agem como “narcóticos” para aliviar o sofrimento do povo. Por terem apontado as falhas e os problemas dentro das religiões então eles foram erroneamente taxados de ateus. Mas se olharmos bem, quando um governo oprime o povo, e faz falsas promessas que nunca se cumprem, então a saída do oprimido é embriagar-se com alguma religião. E elas estão surgindo aos borbotões. Quanto mais se oprime o povo com falsas promessas, mais surgem narcóticos para sufocar o não cumprimento delas. Veja-se que na grande maioria dos governos dos dias atuais, salvo os governos teocêntricos que ainda insistem em oprimir o povo usando falsamente o nome de Deus, a “liberdade” de religião é notável. Há até mesmo a desobrigação de pagar impostos por parte dos tais “religiosos”. Portanto, o Estado tem um enorme interesse na manutenção da embriagues religiosa do povo, seja impedindo outra religião daquela do Estado, ou permitindo uma grande variedade delas. Como praticamente todos estão motivados materialmente, isso certamente irá gerar impostos indiretos, e menos problemas para o Estado. Mas em todos os casos são narcóticos para os ignorantes. Não importa o método: uma única ou várias religiões, sempre será uma forma de manter a hegemonia por sobre o povo oprimido e sufocado, sem condições de realizar a Verdade Suprema. Religião nos dias de hoje se tornou algo tão ideológico e grupal como um time de futebol, uma escola de samba, um partido político, etc. É apenas mais um tipo de associação que tem em vista manter a hegemonia ideológica de alguém, porque é apenas um meio de vida, uma forma de explorar e encher a barriga. É sábio o dito que afirma que se não pensarmos, alguém irá pensar por nós. Quem deseja conhecer a Verdade do que realmente somos, e livrar-se da tirania dos narcóticos das falsas religiões?

O conhecimento que liberta
Conhecimento da Verdade Suprema é algo muito especial. Não se trata de nada secreto ou mesmo difícil. Alguém pode até mesmo dizer que entendeu algo, porém não o compreendeu. Isso não nos parece muito difícil de situar. Veja-se, por exemplo, quando um soldado recebe uma ordem de um superior ele entende perfeitamente a ordem que deve cumprir, sem no entanto compreender nada dela, até mesmo porque não é de sua competência compreender uma ordem superior. Então um bom soldado não irá fazer perguntas que irão além das ordens dadas e como deve cumpri-las corretamente. Isso é o mesmo que acontece com as religiões. As pessoas entendem perfeitamente as ordens e obrigações que alguém lhes dá, enquanto membros desta ou daquela religião, porém, se lhes perguntarmos se compreenderam o que lhes foi imposto, elas dirão que não, porque de fato nada sabem da sua própria religião. Estão ali por buscas pessoais e que de alguma maneira satisfaça seus desejos particulares. Isso se deve porque estão nesta ou naquela religião tão somente para ter algum tipo de pedido egoísta atendido. Aqui não se justifica pelo mérito. Nada mais do que isso. O que notamos é que não há busca por uma causa da existência, nem mesmo para o sofrimento. Sabendo da ganância inconsciente, os líderes de religiões organizadas exploram as pessoas como se faz com o “Conto do Vigário”; é tal qual “marketing de rede” em nome de Deus; pura lavagem cerebral, embriaguês pela ignorância. Por outro lado, a imaginação criadora, imatura e apressada, então inventa um inimigo fantasioso, que impede alguém de ter o que deseja, ou que impede alguém de “render-se” à determinada religião, e ao qual dão vários nomes como “diabo”, “demônio”, etc. ou ainda tem alguém que faz esse ou aquele “feitiço”; tudo irá depender do lugar onde uma religião se instala. Sempre tem “algo de fora” que conspira contra um e outro. É a velha Teoria da Conspiração no coração das igrejas! Interessante que na visão objetiva imediata o inimigo sempre vem de fora, porém o verdadeiro inimigo vem de dentro, ele se chama ignorância, bem como a falta de compreensão da verdadeira meta da vida. Claro, assim como uma criança sempre culpa os outros pelos seus próprios erros, aqueles que estão na busca dos seus ideais egoístas devem culpar um terceiro, o qual é chamado de “maligno”. Isso ocorre porque é mais fácil culpar os outros do que assumir os próprios erros. E como Deus fica pequeno perto deste maligno!

Deus é onipotente, onipresente, onisciente
Existe um conhecimento que liberta porque ele nos mostra a verdadeira compreensão de Deus. Deus não tem competidores; Ele é único e onipotente, está em tudo e em todos, e a tudo sabe. A reverência a Deus não é apenas um ato mecânico diante de uma busca de algum bem material, seja ele um objeto, como uma casa, um carro, ou algo como saúde, felicidade material, etc. O verdadeiro conhecimento sobre Deus é um conhecimento Supremo, e está além de religiões e busca de bens materiais. Deus é Senhor, não servo. Este conhecimento chama-se Brahma-vidya ou Rājā Vidya, que é o conhecimento Real e Verdadeiro. Um conhecimento que está além da imediatidade objetiva de “eu” e “meu” tão comuns nas religiões materiais dos dias de hoje. Este conhecimento é o mais perfeito dos conhecimentos, porque diz respeito ao Atma ou alma que realmente somos. Quem alcança a verdadeira compreensão do porque estamos num corpo material, e qual é o nosso objetivo na vida, então, de fato, alcança a suprema compreensão da Verdade Suprema.

Por que Kṛṣṇa nos liberta das religiões?
“Tudo o que fizeres, comeres, etc., faça como uma oferenda a Mim”, assim diz Kṛṣṇa. Portanto, todo o karma passou a ser religioso por excelência a partir da liberação de Krṣṇa da mera formalidade religiosa. Śrī Kṛṣṇa é a personificação do Supremo, porque n’Ele vemos a libertação do sofrimento, tanto físico como espiritual. Com Kṛṣṇa iniciou-se a Kali-yuga, ou a era de hipocrisias e desavenças, também conhecida como a era das trevas e da irreligião. É irreligião ou adharma porque se fala de Deus como um servo, e não como Senhor. Estas trevas não são outras além da ignorância do verdadeiro Ser ou Atma que realmente somos. Identificadas objetivamente com o corpo e suas relações como família, propriedade, nome, forma, etc., as entidades vivas sofrem por desconhecer o Verdadeiro Deus. Como se pode ver perfeitamente, as religiões são como narcóticos que apenas se propõem amenizar o sofrimento material do ignorante, iludindo-o materialmente; não há escatologia, o futuro espiritual simplesmente não existe. No fundo, se alguém tolamente acha que pode sofrer menos tendo mais propriedades e coisas materiais, ele irá apenas abastecer o Estado com mais impostos e obrigações. Quanto mais alguém possui materialmente nos dias atuais, salvo se locuplete com os políticos corruptos e ladrões que há as pencas, mais terá que pagar de impostos para o Estado. O Estado é como um câncer, que vai comendo tudo o que o povo às duras penas mal consegue ganhar para poder continuar vivendo. Então as religiões surgem como licores que dão nova esperança ao sofredor material. Apesar da opressão, o povo tem outras promessas que reforçam o caráter de “escolhido de Deus”. Porém elas não cumprem com o seu verdadeiro fundamento, o qual seria informar acerca da condição de almas espirituais iludidas num corpo material, e o que deve ser feito para que isso cesse, e que se pare de sofrer. É bem pelo fato de não informarem a verdadeira posição da alma espiritual no mundo que as religiões atuais tão somente servem para embriagar o povo e mantê-lo cada vez mais submisso a Kaṁsā, o Estado ou Governo.

Kṛṣṇa matou Kaṁsā, derrotando-o diante de uma plateia incrédula e atônita. É claro que na época do poderoso Kaṁsā havia muitos que o admiravam, porque dependiam dele. Eles viviam na sombra de Kaṁsā. Os associados de Kaṁsā o serviam para serem servidos. Então, todas as atrocidades cometidas por Kaṁsā, como por exemplo, extorquir o povo com cobrança de impostos muito além do razoável, era de algum modo dividido com os que estavam mais próximos dele. Assim eram feitas festas com a produção do povo: grãos, leite, queijo, etc., eram confiscados; os animais abatidos para serem comidos, e coisas do gênero, pelos íntimos de Kaṁsā. Quem não estava com Kaṁsā estava contra ele. O povo mal conseguia se manter vivo, mas em nome da religião Kaṁsā retirava-lhes o “dizimo”, porém os dizimava, este é o correto sentido do termo. Quem de algum modo se negasse a pagar o que lhe era pedido então tinha sua vida perdida. Experimente não pagar os impostos, veja o que acontece nos dias atuais!? Leis injustas eram criadas para legitimar as ações demoníacas de Kaṁsā. Enquanto o povo era iludido pelo pão e circo das arenas de lutas mortais, Kaṁsā elevava as taxas e impostos, e uma minoria muito privilegiada desfrutava, então, daquilo que era lapidado do povo sofredor. O que tem de diferente nisso nos dias atuais? Não há leões em arenas devorando uns famigerados, mas há outras mazelas que enchem telas de T.V. Kaṁsā utilizava-se dos argumentos religiosos para retirar o dinheiro do povo, e lhes dava algum divertimento tolo. Não é muito diferente no que vemos nas religiões materialistas, no modo da paixão, nos dias de hoje.

O Senhor Kṛṣṇa matou o demônio Kaṁsā, e deu liberdade de adorar a Deus na simplicidade do serviço abnegado. Ele não exigiu nada além da simplicidade e pureza, e nem sequer cobrou um centavo pelo que ensinou. Por que, então, continuar servindo Kaṁsā e seus correligionários, se podemos servir diretamente a Deus através do serviço abnegado ao Guru e a Sua missão? Por que é tão difícil compreender que o egoísmo é a única coisa que nos afasta de Deus? Graças ao Senhor Kṛṣṇa, nesta era de trevas e hipocrisias, podemos servi-Lo diretamente, sem nenhum intermediário no Seu amor puro. Ninguém precisa de religião para amar a Deus, apenas de amor e devoção.

Conclusão
Sarva dharmam, mam ekam; esse é o cerne do verso 18.66 do Bhagavad-gītā, que diz exatamente o seguinte, “livre-se da forma, ocupa-te com o conteúdo: Deus”; servir a Deus é o ato mais coerente do devoto, mas ser servido é um ato egoísta e demoníaco. O verdadeiro demônio chama-se egoísmo; é a este quem devemos colocar nossa atenção, e ele vem de dentro, e nunca de fora. Sartre, o filósofo francês existencialista, disse certa feita que “o inferno são os outros”, mas na realidade o inferno somos nós mesmos, em nosso egoísmo. O mesmo filósofo citado dizia que “a minha liberdade termina quando começa a do outro”, porém também está equivocado, porque nossa liberdade somente começa quando reconhecemos o direito da liberdade do outro, e que Deus não nos exige religião. É bem simples assim. Não somos livres porque somos limitados pela liberdade do outro, mas somos livres no reconhecimento da liberdade do outro. É por isso que a irreligião não liberta, apenas oprime, embriaga, e afasta o sincero devoto do seu real objetivo para a vida e para com Deus. Kṛṣṇa disse que O amássemos unicamente, mam ekam, então, por que perder tempo na embriaguês da irreligião, falsamente chamada “religião”, se é possível agora mesmo alcançar o amor divino, na simplicidade do serviço abnegado, nos Seus Santos nomes, e em servir a Deus servindo o Seu servo?

Que possamos sempre e sempre servir ao Senhor no Seu amor desmotivado.

Hari om tat sat


Glossário
Brahman= o Absoluto.

Ekadāśī= lit. sânsc. “décimo primeiro dia”; dia de jejum

Hari= o mesmo que Viṣṇu ou Kṛṣṇa

Karma= obrigação; dever; trabalho.

Rājā= real; verdadeiro

Śāstra= lit. sânsc. “o que foi dito” pelos sábios.

Śrī Krsṇa= a Suprema Personalidade de Deus.

Vidya= saber; visão (filosófica ou jñāna)

Yuga= era; milênio.

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