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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Castas e Karma

Castas e Karma
Por
Neria Harish Hebbar, MD
Tradução de
Swami Krsnapriyananda Saraswati

GITA ASRAMA
2009-2010

O Imperador Jalaluddin Mohammad Akbar


É reivindicado, com certo grau de certeza, que a divisão da sociedade “hindu”, iniciada nos períodos védico e épico, dentro de quatro castas (Varna),[1] com suas subsequentes e inumeráveis divisões posteriores, mais práticas de acordo com a profissão (Jati), deu estabilidade à sociedade indiana. Escritores muçulmanos, que ocuparam a Índia interiormente, por centenas de anos logo após o surgimento do Islã, nos dão uma janela dentro do mundo indiano existente no século VIII. Sindh ficou sob ocupação muçulmana no ano de 712 da era atual, através da incursão do general Muhammad bin Qasim - quem era parente do Califa de Baghdad na ocasião - iniciando a era islâmica na região de Sindh e Punjab (hoje Paquistão). Chach-nama (também conhecido como Tarikh-i Hind Wa Sindh (um escrito sobre a história do Sindh), e artigos de AL-Biruni (muçulmano Persa conhecido no mundo todo), apesar de terem sido escritos nos sécs. XI e XIII alegam suas origens em outros escritos contemporâneos. Eles afirmam que a “classificação sistemática” (das chamadas “castas”) não era assim tão rígida no séc. VIII, apesar de tudo. Reis Shudras bem como Brahmanas governavam, e nem toda a realeza pertencia a classe dos Kshatriyas. Além do mais, o sistema de castas não era proibitivo e repressivo. Ele apenas concedia direitos de participação no processo político e econômico, embora com a condição de certas obrigações sociais. Assembléias rurais bem como urbanas, como casta e conselhos corporativos, davam endosso a um líder em particular. A casta não era base para qualquer exclusão ou participação no processo político. A sociedade tornou-se admiravelmente estável, mesmo que excessivamente estratificada; isso não foi prejudicial para o progresso senão que auxiliou a aprimorá-la em sua sistematização. Afirmam que a sociedade era vibrante e a vida harmoniosa. Os reinos eram geralmente prósperos, e os sujeitos contentavam-se com a pouca discriminação ou conflitos. Os escritores muçulmanos não omitiram de notar a prosperidade do comércio e da segurança de viajar nas estadas, bem como da lei e da ordem na sociedade, não obstante a estratificação dentro do sistema de castas. Todavia, eles tiveram dificuldades em identificar corretamente as várias castas e os diversos Jatis, sugerindo que o sistema parecia nebuloso para um observador externo e definitivamente não firme nesse assunto.

 A passividade e a rigidez do sistema de castas se tornaram mais pronunciadas apenas após os muçulmanos terem feito o seu aparecimento nas costas da Índia, quando, então, a discriminação religiosa e taxação opressiva (Jizya – o imposto para não-muçulmanos obrigado pelos governadores muçulmanos), conspirou-se, tendo em vista afastar e remover determinados segmentos da população do avanço político e econômico. Os governantes muçulmanos tornaram-se ávidos em explorá-lo (o sistema de castas da forma opressiva). Alguns Brahmanas e monges budistas foram dispensados do imposto.[2] O sistema de castas, então, se tornou estático, perdeu suas influências no processo social e se tornou conhecido como sendo uma característica distinta do “hinduísmo” ortodoxo.

Foi então que a noção de Karma se tornou o pensamento predominante dentro do “hinduísmo, na maioria das vezes para as pessoas em desvantagem. O sistema de castas, que tinha sido desenvolvido cerca de milhares de anos antes, agora resultara na produção de classes privilegiadas e na opressão dos menos favorecidos. A teoria do Karma – segundo a qual o status de alguém é pré-determinado por sua conduta na vida passada, e devendo aprimorar as vidas subsequentes devido a sua conduta atual – tornou-se uma explicação racional para o sistema de castas, servindo com uma “consolação” para os muitos necessitados e que estavam em desvantagem devido ao Karma. O exercício dos direitos de castas se tornou obrigatório, mas sendo apenas efêmero na atual vida, com melhores perspectivas na vida seguinte, se as obrigações fossem feitas sem queixas. A espiritualidade e a fé auxiliaram no abrandar dos efeitos da vida dura. As crenças fundamentais dos “hindus” e budistas do Karma, Samsara e Punarjanma,[3] “salvaram” a população de uma existência miserável, oferecendo-lhes um “farol de esperanças” para uma próxima vida melhor. Mesmo diante das adversidades e sem esperanças, medidas mais drásticas não foram tomadas, uma vez que eram apenas “ocorrências nesta vida temporária”.

Por conseguinte, a religião “hindu” tornou-se mais ortodoxa, como um resultado direto da ameaça externa de uma religião estrangeira, com muito pouca tolerância para com os “infiéis”. Al-Biruni escreveu o quanto admirava o rei Brahmana de Sindh, no século VIII, chamado Chach (por isso o nome do rtexto histórico: Chach-nama), quem governava de forma admirável assim que, “ajustou-se o inferno quando ele morreu, uma vez que era um ‘infiel’”. Muito da liberdade até então desfrutada pelos cidadãos fora cortada por necessidade, e o Islã teve um profundo efeito negativo no desenvolvimento de um “hinduísmo” mais liberal. A rigidez islâmica foi levemente influenciada pela religião “hindu”, como se vê no Sufismo, o segmento do islamismo que incorporou o Vedanta e os Upanisads nas suas crenças.

Houve alguns muçulmanos, através da história, que tentaram assimilar o “hinduísmo” dentro de suas próprias crenças religiosas, mas foram poucos e bem escassos entre eles. Aqueles que tentaram foram vítimas do ostracismo pelo rígido corpo do Ulema,[4] estes encarregados de interpretar a lei de acordo como Alcorão e o Hadith.[5] Akbar, de certa forma, teve algum sucesso, mas quando o mais tolerante Mughal,[6] Dara Shikoh, filho do Shah Jahan, traduziu os Upanisads para a linguagem Persa, isso foi considerado blasfêmia pelo Ulema. Aurangzeb[7] utilizou-se disso para atacar Delhi e matar o seu irmão, tendo em vista “salvar o seu pai”, o imperador Shah Jahan, “da influência demoníaca de Dara Shikoh”. Hoje, o fundamentalismo do Islã foi ofuscado em cada tentativa de moderação, sendo o Sufismo uma memória distante. Até mesmo a mais moderada seita islâmica, de Aga Khanis (Nizari Ismailis) capitulou, tendo sido forçada a seguir as leis Sharia,[8]  com a ameaça da excomunhão pairando por sobre suas cabeças.

O que se relatou é uma pequena curiosidade de como a comunidade “hindu” se tornou mais fundamentalista, numa tentativa de confrontar o Islã intolerante. Primeiramente, a pacífica religião dos Sikhs tornou-se beligerante (os mongóis foram responsáveis por isso; três dos dez gurus Sihks foram mortos pelos mongóis), e agora o “hinduísmo” tem esta tendência de militarizar-se e fundamentalizar-se.

Neria Harish Hebbar, MD
março de 2002



[1] O sistema de Varna, conhecido no Ocidente como “castas”, tem: Shudras, ou a “casta” de servos ou trabalhadores; Brahmanas, classe sacerdotal; Kshatriyas, administradores e guerreiros; Vaishyas, comerciantes, artesões, proprietários de terras.
[2] É sabido que os budistas eram experientes comerciantes, e dominaram a Índia por cerca de 1.200 anos, impondo uma “política” de passividade diante do Karma, porque queriam instalar uma teocracia monástica no território, porém sem sucesso.
[3] Karma= ação e reação; trabalho; ocupação; Samsara= nascimentos e mortes repetitivos; Punarjanma= purificação do nascimento; renovação; liberação.
[4] Ulema ou “mulá”, um erudito versado na lei Islâmica.
[5] A Hadith - الحديث, pl. Ahadith) é um corpo de leis, lendas e histórias sobre a vida de Muhammad, (estas histórias chamam-se em Árabe Sunnah e incluem a sua biografia ou sira) e os próprios dizeres nos quais ele justificou as suas escolhas ou ofereceu conselhos; muitas partes da Hadith lidam com os seus companheiros (Sahaba).
[6] O mesmo que “mongol”.
[7] Abu Muzaffar Muhiuddin Muhammad Aurangzeb Alamgir (3 de Novembro de 1618 — 3 de Março de 1707), também referenciado por Alamgir I, foi um imperador mongol cujo reinado durou de 1685 a 1705. Aurangzeb era considerado inteligente, eficiente e impiedoso, além de ser um devotado muçulmano. Começou o seu reinado prendendo o velho e doente pai, o xá Jahan, e matando os irmãos, seus rivais para o trono. Uma série de conquistas permitiu-lhe estender o Império Mongol cobrindo quase toda a Índia e Paquistão atuais, e parte do Afeganistão. No entanto nunca submeteu inteiramente os maratas do Decão, a parte peninsular da Índia e, já perto de sua morte, sua autoridade era amplamente desafiada. O fanatismo religioso de Aurangzeb levou-o a perseguir a população hindu, em vez de continuar uma política de conciliação, tal como fizera o seu avô Akbar. Foi talvez isso, mais do que qualquer outro motivo, que apressou a fragmentação do império logo após a sua morte, aos oitenta e oito anos. Conf. Wikipédia, http://pt.wikipedia.org/wiki/Aurangzeb
[8] Código de leis baseado no Alcorão; leis santas do islamismo que cobre aspectos do dia-a-dia

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