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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sādhana-catṣtaya

Sādhana-catṣtaya
Swami Kṛṣṇaprīyānanda Saraswatī

GĪTĀ AŚRĀMA

Porto Alegre, RS – Brasil
2007-2010


Introdução
Sri Sankaracarya instrui sobre o Vedanta
Śrī Pātañjali nos Yoga-Sūtras comenta quais são os obstáculos que alguém encontra no caminho na busca da liberação do Saṁsāra (ciclo de nascimentos e mortes). Sem dúvida, além de uma prática de controle do corpo (prática objetiva), realizada por meio dos Kriyas ou atos purificatórios, há necessidade de um Sādhana regular, sob orientação segura do Mestre Espiritual. Os interesses materialistas são os principias obstáculos que subjazem em todo o Sādhana. O Bhakta deverá ficar vigilante destes desejos, porque são obstáculos para o verdadeiro desenvolvimento espiritual. Os Kriyas básicos para um principiante no caminho do Vedānta[1] são: a) não se intoxicar com quaisquer tipos de drogas (álcool e fumo incluídos); b) não praticar jogos de azar; c) não praticar sexo promíscuo, d) e não comer carnes. Estes são aspectos primários, chamados "princípios", mas ao progredir no Sādhana, o devoto irá encontrar obstáculos ou Kleshas, que deverão ser eliminados para poder progredir. As virtudes morais do devoto são Kriyas do comportamento, por isso, os aspectos fornecidos no Yama e Niyama são colocados como bases para os primeiros passos do pretendente ao Yoga, na realidade, são os passos para qualquer pretendente a Bhakta dar início ao Sādhana, seja no Darshana que for. Klehas são obstáculos no caminho. Vejamos brevemente sobre eles, conforme Sri Patañjali nos diz. Sri Krishna no Bhagavad-gita adverte Arjuna que o serviço devocional ou Bhakti-yoga deve ser realizado por meio de um Sādhana constante, e que os impedimentos para o progresso espiritual deve-se aos Kleśas. A adoração do Brahman sem-forma é difícil para os principiantes, porque não estão devidamente equipados com os quatro meios. Vejamos o verso do Gita sobre estes aspectos:

aklesho ´adhikataras tesam
avyaktasakra-cetasam
abyakta hi gatir duhkham
dehavadbhir avapyate (12.3)

Devido aos Kleshas ou perturbações (da mente), o progresso daqueles que Me vêem na Forma Imanifesta (Brahman), certamente, é muito penoso para os que estão corporificados, e com muitas dificuldades Me alcançam”.

Como vemos, este verso inicia citando os “Kleśaḥ” (perturbações da mente) como sendo uma forma de obstáculo para a adoração sem forma ou imanifesta – Nirguṇa-Avyakta - do Supremo. Śrī Pātañjli enumera as principais aflições ou perturbações que formam Kleśa, a saber: avidya aśmitā rāgadveśa abhiniveśa kleśah (YS, 2.3):Avidyā, ignorância; Aśmitā, egoísmo; Rāga, apego; Dveśa, aversão, e Abhiniveśa, apego pela vida, são as aflições, ou Kleśas”. Portanto, há sérios obstáculos a serem vencidos antes de uma adoração Avyakta (não manifesta) ser possível de realizar pelo Yogī. O processo de purificar os Kleśas se dá através do conhecimento adequado, emprego dos quatro meios e seis virtudes, adquirido por meio das instruções de um mestre ou Guru realizado, que instrua com base no Pramāna védico (evidências fundamentais). Śrī Pātañjali diz, também, que: “A ignorância, Avidyā, é a base para todas as outras aflições, quer estejam adormecidas, tenuemente em ação, ou alternadamente adormecidas, e em ação, ou em plena atividade”. Portanto, o primeiro processo para a libertação dos Kleśas é o alcançar do conhecimento por meio do serviço devocional prestado na rendição incondicional ao preceptor espiritual

Sādhana_catśtaya
Especialmente considerados no Vedānta, há quatro meios na prática ou Sādhana-catśtaya, num dos quais estão as seis virtudes ou Śat-sampat, que devem ser cultivados no caminho da autorrealização. Estes aspectos oportunizam firmeza, clareza, nos três estágios da prática ou Sādhana, principalmente, com relação ao aspecto de Srāvana, ou “ouvir” os  ensinamentos dados pelo Mestre espiritual. Após ouvir as instruções do Guru, o Bhakta, então, deverá refletir sobre elas – Manāna –, buscando realizá-las, e, por fim, contemplá-las  de forma profunda, através da meditação ou Niddhidhyāna.

As instruções do Mestre Espiritual devem passar por profunda reflexão, e para isso é também necessário que o Bhakta tenha por hábito refletir nos Mahavākyas dos Upaniṣads, ou na síntese dos Upaniṣaḍs (veja depois do texto sobe os quatro meios, uma nota no final).

Contudo, o fato de alguém simplesmente entender de forma intelectual estes quatro meios e as seis qualidades, não serve como proteção aos Kleśas, é necessária a realização interiorizada dos mesmos.

A seguir, veremos cada um dos quatro meios e o  Śat-Sampat, as seis virtudes:
excertos dos Vedas

1) Viveka: o discernimento é o primeiro dos quatro meios (Avidya, ou ignorância, é responsável pela falta de Viveka); o Bhakta deverá gradualmente ampliar a distinção entre o que é eterno e sempre-existente daquilo que é impermanente e temporário. A identificação com o corpo físico é um dos principais motivos para falta de Viveka. Saber distinguir o que é real daquilo que é irreal - Sat-Asat – ou o que é do que não é – Ser; não-Ser –, ou Ātma e AnĀtma (o que é Ātma e o que não é Ātma), é um exercício constante. Estes princípios aparecem com toda a clareza nos Yoga-sutras de Patañjali em quase todos os capítulos: 2.26-29; 3.53-56, e 4;22-26. No verso 2.5, Śrī Pātañjali comenta as formas de Avidya ou ignorância.

2) Vairagya: desapego é o segundo meio para o devoto alcançar a autorrealização. Vairagya surge como resultado de um processo natural do desenvolvimento do Viveka, porque leva o Bhakta para o desapego aos objetos mundanos. Os atrativos do mundo material deixam de exercer influência no Bhakta. Apesar de viver entre as pessoas, e realizar as suas tarefas ou obrigações diárias, o Bhakta não se identifica com elas, e tampouco deseja desfrutar do resultado fruitivo das ações. Tudo é feito de forma desapegada, apesar de responsável e equilibradamente. De fato, quem se dedica no Sādhana com Bhāva (determinação), e desenvolve Vairagya, torna-se muito mais efetivo nas suas ações no mundo material; ele não irá ter dificuldades com relação a visão da Verdade Suprema. Vairagya é o principal e mais importante aspecto no Yoga; um dos seus fundamentos básicos, sem o qual não é possível qualquer progresso dentro do Dharma. Este aspecto sobre Vairagya está devidamente explicado nos Yoga-sutras de Patanjali, 1.12-15;

3) Śat-Sampat: “seis-virtudes” ou “sêxtupla-virtudes”: são aspectos necessários para o desenvolvimento da consciência, principalmente porque aos poucos o Bhakta se desapega do mundo material e desenvolve amor puro por Deus ou Kṛṣṇa-Preṁa. São virtudes que devem ser cultivadas tendo em vista o treinamento mental, bem como das atitudes, que devem ser praticadas conjuntamente  com uma profunda prática de meditação, para que sejam realizados com sucesso.

As seis virtudes são:
3.a) Śama: tranquilidade, principalmente com relação aos resultados ou frutos das ações, ou Phala-karma. A tranquilidade é o degrau necessário para o escalar da escada da autorrealização, usando os sentidos no seu ponto positivo (para adorar ao Supremo num Pūja, por exemplo). Todos os outros aspectos do Sādhana estão embasados em Śama, sendo a primeira das virtudes que o devoto deverá dedicar-se para desenvolver.;

3.b) Dama: treinamento dos sentidos; os Indriyas ou sentidos grosseiros devem ser treinados para que o devoto progrida no Sādhana; a devida orientação deve ser dada para os sentidos, quer no sentido material como também do cultivo de pensamentos (da natureza (interior). O uso responsável e positivo dos sentidos, envolvendo-os às ações de forma elevada, trata-se de Dama. A adoração à Deidade no templo, oferecendo incenso (olfato); lamparina (visão); toque das palmas (tato), cântico devocional, Kirtan e Bhajam (audição), e distribuição de Praṣada (paladar), é uma forma devocional de Dama ou treinamento dos sentidos;

3.c) Uparati: literalmente significa “reverenciar aquilo que é superior”, no caso, “afastar-se da busca do  desfrute e das ações mundanas”. Uparati advém naturalmente das duas virtudes anteriores; o devoto recolhe os sentidos de forma natural, e a sua mente não mais fica girando em torno dos aspectos mundanos e comuns. A insaciedade da mente com relação aos sentidos é então controlada de forma adequada, sem repressão. Uparati é, portanto, uma saciedade natural dos sentidos na realização de sua integralidade, então o Bhakta não procura por experiências temporárias dos sentidos, percebendo da inutilidade da busca do gozo dos sentidos grosseiros para o verdadeiro desenvolvimento espiritual;

3.d) Titiksa: tolerância, auto-domínio com relação às situações externas, permitem que alguém livre-se do ataque do estímulo sensorial, e da pressão dos outros para que nos engajemos em ações, bem como fala, ou então pensamentos que não conduzem para uma direção aproveitável;

3.e) Shraddha: o termo pode ser traduzido como “fé”, mas aqui não se trata de um processo mecânico, sem conhecimento. Sraddha não é decorrente da falta de conhecimento ou Avidya, mas de Brahma-Vidya – conhecimento a cerca da Realidade Suprema ou Brahman. Uma fé sem conhecimento é apenas um tipo de fanatismo. Mas Sraddha é um intenso sentido de certeza sobre a direção que deve ser mantida, em conformidade com as instruções do Mestre Espiritual; persistindo, permanecendo, seguindo os ensinamentos do Mestre Espiritual, bem como praticando o que é proveitoso e que possa frutificar, e

3.f) Samadhana: focar a mente num só ponto; num só objetivo. O equilibro da mente é importante para o progresso espiritual. Focar a mente num só ponto, utilizando-se dos métodos fornecidos pelo Mestre Espiritual, junto com as virtudes anteriores, traz a liberdade para a auto-realização espiritual.

4) Mumukshutva: vontade de liberação ou auto-realização. Mumukshutva é a vontade intensa e desmotivada egoisticamente de alcançar a liberação do Saṁsāra ou ciclo de nascimentos e mortes, e o natural sofrimento que isso envolve. Este meio de liberação aumenta com o Sādhana, e aos poucos sobrepõem-se aos outros sentimos, e pequenos desejos que desaparecem. Esta vontade de liberação não se trata de uma simples decisão, mas de uma realização ao longo do processo de Bhakti.

Antiga forma de escrita dos Upanisads (em suturas = sutras).
Sumário dos principais Mahavakyas (grandes dizeres)
Quatro destes são tradicionais no Vedānta (veja a origem do Mahavakya depois do Mantra):
1. Brahma Satyam Jagan Mithya (Brahman é real; o mundo é irreal;
2. Ekam evadvitiyam Brahma: Brahman é Uno, sem um segundo/
3. Prajnanam brahman (Aitareya Upanishad, 3.3, do Rig Veda ): Brahman é o conhecimento supremo;
4. Tat tvam asi (Chandogya Upanishad, 6.8.7, do Sama Veda, Kaivalya Upanishad ): isso é o que és;
5. Ayam Ātma Brahman (Mandukya Upanishad, 1.2, of Atharva Veda ): Ātma e Brahman são mesmos;
6. Aham brahmasmi (Brihadaranyaka Upanishad, 1.4.10, do Yajur Veda, Mahanarayana Upanishad ): eu sou Brahman. E
7. Sarvam khalvidam brahma: tudo isso é Brahman.

om hari hara om tat sat

[1]Isso não exclui o Sadhaka de qualquer outro Darshana como do Yoga, por exemplo.

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