10 perguntas sobre o Bhagavad-gita
Swami Krsnapriyananda Saraswati
GITA ASRAMA
2010
Sri Krsna instrui Arjuna sobre o conhecimento prático da perfeita renúncia. |
1. Em que língua foi falada o Bhagavad-gita; se diz "o" gita ou "a" gita?
Tudo indica que historicamente o gita (lê-se guîtá; quando falarmos gita estaremos falando do Bhagavad-gita ou a Canção de Bhagavan - Krsna) foi originalmente cantado em Pahli, o Persa antigo; a língua falada pelos Arianos cerca de 5.000 anos atrás, portanto, a língua de Arjuna e Krsna, e posteriormente compilado para o Brahmi. Quando o sânscrito (escrita sagrada) foi então adotado como sendo a escrita para preservar o sentido dos textos, ele foi assim anotado pelos rishis ou sábios. É acadêmico dizer-se "o" gita, porque se trata de um poema, e a palavra "gita- canção" em sânscrito é neutra.
2. O bhagavad-gita é um livro religioso?
2. O bhagavad-gita é um livro religioso?
Efetivamente não. Ele é na realidade um tratado de liberação de qualquer religião. O seu enfoque é a Ontologia ou filosofia do Ser, chamado Atma, Brahman, e às vezes Purusha. Brahma vidya ou conhecimento sobre o Ser é o Seu escopo. Na época em que o gita foi literalmente “cantado” as pessoas estavam atreladas às regras e regulações vinculadas ao Código de Manu - Manusmriti - , e violar as orientações daquele Código era considerado uma grave ação, com severas reações contrárias àquele que se negasse a seguir o que o texto sagrado orientava, ou melhor, obrigava. Ao libertar Arjuna dos antigos deveres diários prescritos no Manusmriti, Krsna deu as chaves da ação sem reações. Ele enfatizou que nossa meta deve ser o conteúdo e não a mera formalidade. Isso é o mais notável passo rumo à liberdade de todas as práticas ou karma. O Ser está além de religiões, portanto, se a meta é a realização do Ser, nada melhor do que se livrar de todas elas.
3. Que tipo de filosofia está contida no gita?
Na verdade podemos dizer que "tipo de assunto está no Gita", e a resposta será FILOSOFIA. A Ontologia é o seu foco central. Brahman ou Atma é o escopo fundamental do gita. O tempo todo Krsna fala para Arjuna deixar de lado a identificação objetiva ou material, sem desprezar a situação corporal, e o karma implícito no corpo, e nas suas relações; o Ser é aquilo que realmente importa. O efêmero e temporário, contido nas coisas objetivas, deve ser superado pela consciência do Ser ou Atma.
Outro enfoque é a práxis ou teoria da "ação livre". Ação livre significa “ação em perfeita renúncia”, ou ação consciente do Absoluto. A ação é perfeita se estiver livre da busca de um resultado. A teoria da ação livre é conhecida como karma yoga mukti - naiskarmya - ou ação libertadora.
Se compararmos com os modelos filosóficos considerados “ocidentais”, o Bhagavad-gita enfoca mais o aspecto dialético do que o metafísico. Krsna enfatiza a dinâmica do Ser ou Atma, ao dizer que o Atma é imanifesto no começo, manifesto no meio e imanifesto no fim. Esta dinâmica se Ser e não-Ser é dialética, ultrapassando o rigidez metafísica dos filósofos gregos, por exemplo, e enfatizando a unidade de Brahman em tudo e em todos.
4. No gita é dado ênfase ao Dvaita ou Advaita?
5. Qual a posição do Bhagavad-gita a respeito de rituais?
Krsna faz uma redução ontológica no gita, de modo que o objetivo final de todas as ações rituais será alcançar a compreensão do Ser ou Atma.
6. No gita é ensinado a repressão dos sentidos?
O gita é um tratado da reta ação, ou ação consciente do Supremo, Absoluto ou também conhecido como Brahman ou Paramatma. Não há qualquer tipo de menção ou orientação para repressão. Se alguém age de tal forma autorizada e conhecedora da ação que realiza é evidente que terá os sentidos controlados, porque não irá buscar o resultado fruitivo da ação. Controlar é muito diferente do que reprimir. O Sanatana Dharma possui um tempo e um lugar para cada coisa, em todas as circunstâncias. Nenhuma filosofia prática de vida é tão elástica, ampla e desrepressora do que a filosofia dos Vedas. Krsna diz que aquele que atua com os sentidos controlados está livre de maya, ou seja, livre de “eu” e “meu”, as bases mantenedoras do egoísmo ou ignorância do Ser. Ou se vive para satisfazer os sentidos ou se vive para compreender o Atma. Se os sentidos são aplicados para a compreensão do Atma, então a ação será perfeita e plenamente livre. Tudo que fizermos, comermos, bebermos, etc., deve ser oferecido ao Absoluto, de modo que os sentidos são então a forma de sacrifício mais perfeita que existe sem nenhum tipo de repressão.
7. O gita ensina algum tipo de prática especifica para alguém liberar-se; Ele preconiza a vida monástica?
Krsna menciona que Arjuna deve buscar o Abhyasa que melhor lhe convenha para alcançar a realização do Ser. Isso é perfeitamente natural, por exemplo, se alguém deseja executar de forma perfeita um instrumento, deverá empreender seus esforços em treinar no instrumento desejado. Apenas ficar pensando, “- ah!, eu estou tocando flauta!” não irá dar resultado prático. A prática que Krsna recomenda é a meditação ativa, conforme o cap. 6, porém Arjuna, sendo de natureza prática externa, diz-se incapaz de realizar isso com perfeição, então Krsna lhe ensina a ação em perfeita renúncia tendo em vista o Absoluto ou Brahman. A ação ensinada por Krsna é da perfeita renúncia, ou ação sem ter em vista o resultado dos frutos ou da fruição. Em momento algum Krsna diz que para alcançar a realização do Ser alguém deverá retirar-se para algum mosteiro ou coisa do gênero, e que somente desta forma irá realizar o Ser. Pelo contrário, Krsna pede que Arjuna cumpra com sua ação e mantenha a consciência do Supremo no dia a dia: no trabalho diário; na vida de relação. A perfeita renúncia não se dá na falsa renúncia do mundo, mas na ação consciente do Supremo, logo, viver em reclusão física não irá esclarecer e realizar o Ser no karma prático da vida. A vida levada em consciência do Supremo é uma vida monástica (focada num só ponto), no sentido que tem o Ser como meta e objetivo.
8. O Gita é apenas para filósofos e sábios?
O gita é um tratado prático de ação aqui e agora, e pode ser realizado por qualquer um com um mínimo de inteligência e força de vontade. A filosofia prática contida no Bhagavad-gita é da maior relevância para que as pessoas possam compreender o destino que possuímos no mundo. Os questionamentos filosóficos primordiais, quem somos, de onde viemos e para onde vamos? São respondidos de forma muito simples por Krsna, de tal forma que qualquer um pode compreender facilmente e realizar o que é instruido. Não há regras fixas para compreender o gita, nem sequer algum preparo acadêmico, ou alguém ter que pertencer a alguma seita, ordem ou grupo para realizar o gita. Basta agir de tal maneira que a sua ação possa ser universalizada.
9. Há alguma religião, grupo ou seita que tenha autoridade absoluta sobre o gita?
Krsna não tem religião. Do mesmo modo como Deus não é Cristão, Muçulmano, Judeu, ou Hindu. Nem Arjuna, nem mesmo qualquer um dos personagens que são citados no gita proclamam alguma religião em detrimento de outra. Todos são seguidores do Dharma ou ordem perfeita. Nenhuma religião está no gita. Portanto, nenhuma religião, nenhum grupo específico religioso, nem seita, nem qualquer filosófico é dono do Gita nem de Krsna. Qualquer pessoa, independente de religião, credo, crença, cor, raça, parentesco, país, etc., pode alcançar e realizar as instruções contidas do Gita. A chave para compreender o gita está em ter consciência que somos o Atma corporificados, e não um corpo com um Atma. Como o Gita não é um texto religioso, em nenhum sentido institucionalizado, Ele é contrário a qualquer grupo, seita ou falsa autoridade que tenta impor-se por sobre a liberdade que o gita ensina. Ser livre, agir de tal forma a universalizar a ação é a meta do gita.
10. Qual o melhor Bhagavad-gita que alguém pode estudar?
Sem nenhuma dúvida o que foi compilado e comentado por Sri Adi Sankaracharya no século VIII – chamado Gita Bhasya, até mesmo porque todos os gitas que temos estão baseados nos versos como Sankara nos apresentou. E isso é sem exceção. Um estudioso sério irá perceber isso com claridade e objetividade. Sankara manteve a natureza não religiosa do texto, sem deixar de manter claro o objetivo de realizar o Atma ou Brahman, na forma de amor puro por Deus. Como Deus não tem religião, o pesquisador sincero irá realizar o Ser apenas empreendendo o que Krsna ensina de forma prática no karma yoga, desenvolvendo amor pelo conhecimento do Atma (jñana-nistha). Há algumas expressões modernas que foram introduzidas em gitas sem base filosófica, e que muito deixam a desejar. Por exemplo, Krsna jamais utilizou o termo “máquina”, porque naquela época a palavra nem mesmo o sentido existiam. Logo percebemos uma falsa tradução do gita quando vemos a palavra “máquina”, porque seria o mesmo que dizer “computador”, nos dias de hoje, quando sequer a palavra existia cerca de 5 mil anos atrás. O gita de Sankara é o néctar dos comentários, e que está fiel ao que fora dita por Krsna, tal qual a poesia foi composta na ocasião em que Krsna cantou para Arjuna.
Todas as glórias ao Bhagavad-gita. Todas as glórias ao mahabhagavata de Krsna Sri Adi Sankaracharya!
Om hari hara om tat Sat!
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