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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Ação em Perfeita Renúncia

Ação em perfeita renúncia



Swami Kṛṣnaprīyānanda Saraswatī

Vaiṣṇava Brasil

Gītā aśrāma
2010
Faça de tal modo que tua ação seja universal!

“Faças o que bem entendas, uma vez que entendas bem ou bem entendas o que faças”.

O capitulo XII do Bhagavad-gītā é conhecido como Bhakti-yoga, ou a forma de adoração ou relação ou união com o Supremo através da devoção. O cerne deste capítulo está resumido nas palavras do verso 12.12, as quais colocamos a seguir, tendo em vista alcançar a sabedoria que está contida nos versos que foram escritos em sânscrito, a saber:

śreyo hi jñānam abhyāsāj jñānād dhyāṇaṁ viśisyate dhyāṇāt |
karma-phala- tyāgas tyāgāc chāntir anantaram|| 12.12

Está bem claro em cada palavra acima o que Śrī Kṛṣṇa nos diz; “Certamente, melhor do que a prática é o conhecimento – jñāna – do que se pratica; considerando-se isso, a meditação no conhecimento liberta da ação; liberar-se dos frutos da ação é a paz da bem-aventurança”. Isso é o mais notável dos conhecimentos a respeito da perfeita renúncia, ou renúncia aos frutos da ação. O assinalar por Kṛṣṇa que a paz da bem-aventurança sucede-se ao renunciar do fruitivo resultado das ações é senão uma grande benção, porque nos deixa bem claro que não estamos impedidos de agir, mesmo porque não há como ficarmos no mundo material sem ação ou karma, mas que a ação deve ser feita de tal forma que seja uma ação libertadora.

É sabido que acumulamos karma por ações boas e más. Isso é uma lei física, nem precisa de entendimento muito além da compreensão do que é chamado pelos cientistas de Leis de Newton: ação e reação. É uma obviedade tão clara que não precisamos enumerar que qualquer que seja a ação irá pelo menos ter uma reação. A regra é simples. Mas o Ocidente tende a pensar nesta regra como se ela fosse de cunho moral, mas é meramente uma ação vinculada a prakṛti ou Natureza material. Deve-se procurar não confundir leis da Natureza com leis da eticidade ontológica. Um costume viciado na visão da simples apreensão Ocidental é vincular Estética com Ética. Mas são coisas distintas, assim como distinto é o enfoque dado em cada cultura, povo e costume das ações humanas. Por isso não nos deve estranhar fatos culturais serem considerados normais numa cultura, e em outra não. O Sanātana Dharma é perfeito em assinalar que a ação perfeita é aquela que não causa reação, seja boa ou má. Caindo numa confusão sobre esta afirmação, Arjuna, um dos principais protagonistas do Bhagavad-gītā, não sabia como posicionar-se diante destas instruções de Krsna, que eram no sentido contrário ao que ele entendia até então. No verso 2.57, Śrī Kṛṣṇa havia dito que, “Quem, em qualquer lugar, nunca se afeta, quer alcance o bem ou o mal, e que nunca se regozija e nem sente inveja, tem fixo o conhecimento superior”. Śubha e aśubha são expressões profundas dentro do conhecimento védico. Bem e mal, respectivamente, são conceitos ligados à natureza material. São conceitos relativos e presos ao karma, trabalho ou ação fruitiva. O que é bem para um pode ser o mal para outro. Não parece ser difícil de entender isso se nos colocarmos além do bem e do mal, e vermos que ações acumulam karma. A ação perfeita, que não acumule karma é sem dúvida a ação realizada na perfeita renúncia ou tyaga. Um entendimento objetivo e claro deste tema foi então resumido no verso 12.12 do Bhagavad-gita: se deve conhecer o que se faz, e se deve meditar no conhecimento daquilo que se faz, e por fim, renunciar a qualquer fruto da ação, alcançando a perfeita renúncia, e deste modo alcançando a tão almejada paz. Não importa o que fizermos no mundo. Alguns pensam que agir de forma benevolente, ajudando a todos poderá finalmente liberar-se do ciclo de nascimentos e mortes. Outros pensam que se isolar do mundo, entrar num mosteiro e esquecer das coisas do dia a dia irá libertar do saṁsāra. Contudo, como a ação foi feita em renúncia imperfeita, porque tinha em vista alcançar algum objetivo, ainda que sutil e benevolente, de fato haverá uma compensação pelas boas ações realizadas. Assim, deverá o individuo desfrutar das boas ações acumuladas numa vida futura. Portanto, não haverá moksa nem o cessar da instabilidade do saṁsāra se a ação não for realizada na perfeita renúncia.
Arjuna, um guerreiro - Kśatrīya - perfeitamente autorizado e qualificado para agir.

A atambia ou ataraxia proposta por Kṛṣṇa a Arjuna, num momento crucial que antecede a uma imensa batalha, a de Kurukṣetra, nos parece ser impossível num momento de tamanha turbulência e agitação de humores, como o que se aparecia diante de todos naquele momento. Quem entra numa guerra não deseja perecer; assim como alguém que está em plena saúde não se recorda da dor da doença, do mesmo modo, quem está na certeza da vitória não percebe que pode ser morto pelo inimigo ou oponente. Mas Arjuna estava titubeando, negando-se a lutar, o que contrariava o seu dever-ser de guerreiro. Então neste momento entrou o discurso de ação e reação, karma e suas consequências, apontado por Kṛṣṇa. Ação é karma, e como sabemos, toda ação possui sua reação, ou mesmo mais de uma reação. No Ocidente, a relação de causa e efeito entre as ações é chamada de conhecimento científico, e é justamente o conhecimento correto destas relações que a Ciência embasa suas certezas. Então, quando Kṛṣṇa ensina a ação sem ter em vista o objetivo do fruto dos resultados, Ele nos orienta a agirmos de forma neutra. A neutralidade está em não almejar os frutos das ações, e assim agirmos oferecendo tudo a Quem é de fato controlador de tudo, ou seja, Brahman ou Kṛṣṇa, o Absoluto.

Quando olhamos com atenção o verso 12.12 do Gītā ditado por Kṛṣṇa nos fica bem claro que não devemos negligenciar as nossas ações, mas fazermos o que bem entendermos, desde que entendamos bem o que fazemos. Nada mais perfeito do que isso. Como nos diz Bhagavam, “É melhor a execução de um dever, segundo a própria natureza, ainda que executado imperfeitamente, do que realizar perfeitamente a ação prescrita para outra pessoa; quem assim realiza suas ações, nunca é atingido por reações inadequadas”. (B.g, 18.47) Uma ação que é realizada por quem não conhece o que realiza com certeza não será uma ação que terá bons resultados. Todos nós conhecemos perfeitamente as ações mal feitas por profissionais que não são devidamente qualificados para uma atividade qualquer. Se uma ação é realizada por alguém não experiente, e devidamente qualificado, com certeza poderá ter reações sem controle. Além de o mais, não adianta alguém simplesmente aprofundar-se no estudo de alguma coisa se não alcançou a autoridade de realização dela. Por exemplo, alguém poderá passar muitos anos lendo e estudando livros de Medicina; poderá até mesmo ficar muito erudito na ciência médica, mas mesmo assim não será considerado médico se não realizar os procedimentos que o autorizem ao exercício profissional. Este é apenas um exemplo singular, mas não importa qual seja a ação, esta deverá ser de pleno entendimento de quem a faça, bem como de plena autoridade. Parece que isso não é difícil de compreendermos e realizarmos.
Arjuna! levanta e luta, cumprindo teu Karma em perfeita renúncia.

Arjuna estava devidamente qualificado para a ação de guerreiro, tanto do ponto de vista de treinamento e qualificação técnica, como de autoridade como kśātriya ou soldado de exército legalmente constituído para a guerra. Arjuna não era um guerrilheiro indisciplinado e sem autorização. Ele era um homem adequado e autorizado para lutar e restabelecer o governo legítimo para reino de Bhārata (Índia). Mas quando ele negou-se a cumprir com o seu dever de kśātrīyā ele ficou aflito, porque de algum modo almejava um resultado, e este resultado era causa de ansiedade, e aflição, o que é oposto à paz ou Śanti-ānanda, a bem-aventurada paz, tão almejada por todos. Assim, entendemos que a perfeita renúncia não é renunciar à ação, mas ao resultado dela. Como nos ensina Kṛṣṇa no Gītā, 3.8, não é possível alguém existir no mundo material sem ter que realizar alguma ação, e a simples negação da ação não irá libertar ninguém. Portanto, excetuando as ações que são realizadas objetivando o Supremo todas as demais irão desenvolver algum tipo de reação, seja bom ou não. É por isso que Kṛṣṇa adverte Arjuna para que realize o conhecimento da ação que é feita, meditando na profundidade deste conhecimento, e por fim deve livrar-se da ideia de algum resultado. Kṛṣṇa chama a ação sem ter em vista um resultado, isso se chama karma-mukta samāraca, ou seja, ação perfeitamente libertadora (B.gītā, 3.10).

Uma pessoa que realiza suas ações tendo conhecimento delas, bem como as realizando na autoridade, está qualificada para poder renunciar aos frutos delas, porque as conhece, meditou nelas, e as compreendeu. O resultado das ações é relativo, porque como diz Kṛṣṇa, o arqueiro tem o controle das suas ações apenas enquanto suas flechas estão no coldre, e tão logo as lance o alvo que atingirão serão apenas possibilidades; temos controle apenas das ações, nunca das reações. Estas são possibilidades. A ação da perfeita renúncia é senão outra a que se livra da aflição pela busca do resultado, então a ataraxia, eutimia e atambia da perfeita paz penetra no coração do devoto.

Que possamos sempre e sempre servir a Senhor e a Sua causa desmotivada de amor por todos.

hari hara om tat Sat

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