Filosofias da Índia
Aspectos pertinentes ao Ser e Suas
relações
Swami Krṣṇaprīyānanda
Saraswatī
prof. Olavo DeSimon
prof. Olavo DeSimon
SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL
SANATANA DHARMA BRASIL
GITA ASHRAMA
Porto Alegre, RS - Brasil
2006-2012
Talvez a grande complexidade do pensamento dentro do
que chamam "hinduismo" seja algo surpreendente, mesmo para alguém já acostumado
ao estudo da filosofia do Ocidente. Para termos uma idéia, o que é chamado popularmente
de "hinduísmo" se trata, na realidade, provavelmente, de cerca de trinta mil (30.000) religiões
distintas, que mais ou menos seguem um determinado conjunto de instruções, de
um grupo de Escrituras chamadas de Vedas e Seus comentários, como os Upanishads.
Uma vez compreendido isso, então pode ser que fique um pouco mais fácil de entender
o contexto amplo da filosofia do Oriente.
Devido ao fato peculiar da existência de uma enormidade
de religiões dentro do que é conhecido como “hinduismo”, é preferível denomina-lo
de “Filosofias da Índia”, para nos referirmos às várias formas de abordagem do
Ser e Suas inter-relações (Karma), bem como de “Filosofia Védica”, ou Sanatana
Dharma, quando a corrente filosófica segue a supremacia dos Vedas.
Fica claro que não há uma “filosofia Hindu” única, propriamente
dita, uma vez que “hindu” é um conjunto de milhares de religiões, além de ser
uma denominação pejorativa dada pelos exploradores ao povo da Índia (índia=
palavra diminutiva de “indigenius”, que designa “quem tem jeito de gente,
forma de gente, mas não é gente!”, ou seja, são “pagãos ignorantes”; animais
sem alma). Também, há que se despojar da idéia institucional de “religião” para
compreendermos a religiosidade filosófica da Índia. O que podemos, também, referenciar,
é o fato de que há diferentes enfoques dentro do Sanatana Dharma, diante de uma
“mesma coisa”, mas que todos tendem a convergir para a busca da unidade na diversidade.
Para ilustrar o que estamos dizendo, veremos os aspectos:
Deus, homem e natureza, e a relação destes com o Ser ou Atma. Os primeiros três
aspectos são fundamentais, e norteiam o pensamento filosófico em praticamente
todas as religiões do Sanatana Dharma. Aqueles três aspectos são o Supremo ou
Brahman (ou o que no Ocidente chamam de Deus); a Natureza Material ou Prakriti
(o mundo fenomênico ou objetivo), e a Alma Individual, também chamada de Atma
ou Jiva. Via de regra, Atma é empregado como a unidade de tudo e todos; Atma é
algo como “alma” dos cristãos; contudo, sua abrangência é maior, porque
ultrapassa a idéia de “eu” e “meu”, típica dos que vêm a religião e Deus como
algo externo a si próprio. Numa visão ampla e total, o que chamamos de Deus,
homem e Natureza, dentro do Sanatana Dharma, é tão somente Brahman ou o supremo;
o Absoluto.
Dvaita
Outro ponto importante é o que diz respeito e tem relação
com estas três divisões: Deus, homem e natureza. Num primeiro momento, Deus,
homem e natureza são distintos uns dos outros; isso é chamado de Dvaita
ou dualismo; nesta abordagem filosófica, Deus é um, o homem é um, e a natureza
é um; Deus está acima e fora de nós; a natureza está fora de nós. Sendo cada um
deles distinto um dos outros, o Jiva ou alma individual não perde, mas amplia a
sua consciência com relação a Deus e a Natureza. O Jiva contempla o mundo e
Deus que está fora de si mesmo. Também concebe Deus como diferente da Natureza.
Portanto, todos estão interligados, mas são separados uns dos outros. Deus cria
tudo, toca em tudo, e não é tocado por nada. Ele é tal qual um “motor imóvel”,
aspecto muito comum entre a filosofia dos filósofos gregos dos tempos áureos
gregos.
Advaita
Adi Sankara |
Um ou outro aspecto, mais abrangente da filosofia
védica, vê uma unidade em tudo e em todos. Este aspecto é chamado de Advaita
ou não-dualismo. Portanto, Deus, Natureza e o Homem são diferentes aspectos de
uma só e mesma coisa, ou seja, são manifestações do Uno ou Brahman. Do mesmo
modo como vasos, copos, potes, etc., são feitos de barro, tendo o barro como
elemento comum, apesar de suas diferentes formas, o Brahman é a unidade de toda
a diversidade. Somente há o Uno Brahman, e esta abrangência de compreender a
unidade de tudo e de todos é chamada de iluminação ou Buddhi. Perceber somente
os aspectos diferenciados e dizer que eles são a realidade trata-se de Maya, ou
ilusão. Uma vez que as idéias de “eu” e “meu” se desfazem, o Ahamkara, ou falsa
idéia de “eu” (geralmente identificada com o corpo material), se desfaz. O
devoto percebe que é uma alma ou Atma que possui um corpo, mas não um corpo que
possui uma alma; ele toma conta que todos somos unos; quanto mais se aprofunda
em si mesmo percebe Deus e a natureza, e quanto mais se aprofunda na natureza
mais percebe Deus, e quanto mais se aprofunda em Deus percebe a unidade d´Ele
em tudo e em todos. No final, devoto e Deus são unos e um só.
Dvaita e Advaita são duas formas de ver o Ser ou Atma
num enfoque distinto. A primeira maneira vê as coisas como separadas do Jiva ou
“de si mesmo”, porque pensa a si mesmo como eterno, sempre existente e sempre
individual; há o objeto e o sujeito; o contemplador e o contemplado. O segundo
aspecto não separa a natureza pessoal individual da Suprema. Por isso é dito
não-dualista; Samadhi significa “ser uno com o Uno”, desfazendo a idéia de “eu”
e “tu”. As religiões Ocidentais todas são dualistas; nelas Deus está fora; Ele
é o Supremo; somos meros servos ou diminutas consciências perto da Sua imensa
magnitude. Na visão não-dual, Brahman é a unidade de tudo; do mesmo modo como
todos os rios deságuam no mar, deixando de ser rios e passando a ser mar; do
mesmo modo como uma gota de água se funde no Oceano passando a ser oceano,
assim, também, a consciência ou Atma se funde no Supremo ou Sua realidade
última, Brahman.
Gayatri |
A primeira abordagem ou dualista é considerada ingênua
pelos Advaitas, porque é dito que ela apenas transfere os problemas para uma
esfera mais sutil ou que chamam de “superior”, não resolvendo as três perguntas
fundamentais: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Na visão que
transfere o problema da existência ou dualismo, há um “pai e uma mãe dos céus”,
assim como há um pai e uma mãe na Terra. Também, há um “mundo espiritual”, mais
puro, tranqüilo, sem sofrimentos, do que se encontra no mundo material ou
terreno; trata-se de uma escatologia que transfere os problemas encontrados na
natureza material para um local divino, puro e tranqüilo. Esta abordagem é a
que está presente nas religiões Ocidentais ou Ocidentalizadas. Portanto, para
os dualistas há um paraíso celeste, e aqueles que praticam boas obras têm
direito a desfrutar da companhia do mundo celeste. O “inferno” seria ter que
nascer aqui novamente na Terra, e ter que passar por tantos sofrimentos, e não
se tornar servo eterno de Deus. Este dualismo, “Deus/sujeito” tem como base a
afirmação de que Deus somente toma conta de quem lhe dá atenção. Uma transposição
ingênua das relações afetivas humanas para as “celestes”.
Por sua vez, na visão Advaita, há o sofrimento tão
somente porque há a idéia de “eu” e “meu”, ou de que “eu sou o indivíduo”,
quando, na realidade, somente há o Ser uno: a máxima Tat Tvam Asi define
bem o que estamos dizendo, ou seja, “Sois Ele”; “tal como Ele”. Retorna-se ao
mundo material devido aos apegos aos desfrutes, portanto, porque se quer
desfrutar do mundo material, mesmo tendo que passar por nascimento, doença, velhice
e morte, é que ocorre o Samsara. Mas a consciência de unidade com o Ser Supremo
ou Brahman é um estágio elevado da consciência, e somente quem se desfaz por
completo da identificação com o corpo material poderá alcançá-la na plenitude.
A mente de um Advaita está o tempo todo focada em “Sivoham”, ou “Eu sou
o Ser; Eu sou auspiciosidade; puro Brahman”.
A totalidade das Escrituras originais que seguem os
Vedas é Advaita ou não-dualista. O dualismo se introduziu mais intensamente na
filosofia da Índia devido à influência dos Gregos, principalmente devido a Parmênides
(filósofo que viveu cerca de 500
a .n.e), que trouxe o que no Ocidente é conhecido como
“metafísica”. Mas também havia gregos que defendiam a mudança na unidade do
Ser, como Heráclito (também cerca de 500 a .n.e), que introduziu a filosofia
dialética. Mas a forte influência posterior da Igreja preferiu o Ser ataráxico
da metafísica. Heráclito foi quem mais influenciou o Budismo, uma filosofia
herética do Brahmanismo. O Brahmanismo segue os preceitos dos Vedas, e os
Budistas Os desprezam. Os Budistas influenciaram enormemente o modo de pensar
no território da Índia por cerca de 1.200 anos, até ser praticamente extinto na
ocasião da reintrodução da filosofia de Sri Shankaracharya (por volta do ano
800). Sankar trouxe novamente a adoração no Sanatana Dharma (que havia sido descartada
pelo niilismo de Buddha). Sankaracharya retirou os aspectos fundamentais do
Advaita confrontando-O com o Mimamsa (rituais de adoração), e o “hinduísmo” voltou
a florescer na Índia. Muito posteriormente, principalmente devido ao desenvolvimento
do Feudalismo, surgiu o movimento Bhakti dualista, buscando muitas
influências do Vedanta, por isso é às vezes chamado de Dvaita Vedanta ou Vedanta
dualista.
Bhakti
O Bhakti dualista foi uma espécie de “resposta”
indiana para a pressão de religiões como o Islamismo e o Cristianismo, devido
ao fato de os governantes naquele período ou serem mongóis muçulmanos ou então
estarem sob o jugo de governantes ou comerciantes cristãos. O momento bhakti na
India é coincidente com as Companhias das Ìndias, onde os europeus exploravam
as “especiarias”, como pimenta, cravo, canela, seda, etc.
Concomitante a filosofia presente nos Vedas, na Índia
há outro importante movimento filosófico e, sem dúvida, inteiramente original,
conhecido como Tantra (normalmente desconhecido e confundido no Ocidente). Defendem
que, se o Ser ou Atma é eterno, sempre-existente, intocável, como descrito pelos
dualistas; ou se não há Ser, como defendem os niilistas budistas, então como
explicar as constantes transformações do mundo? O Tantra nos traz a idéia do “Ser
Vibrante” ou o Ser que está constantemente sendo; o Ser está sempre mudando; é sempre
vibrante, porque a natureza do Ser é estar sempre sendo; jamais ficando
estático ou ataráxico, como defendiam os metafísicos gregos. No Tantra, Deus é um
todo que está se aprontando. A filosofia do Tantra está mais para a Dialética
do que para a Metafísica, sem desprezar os aspectos de nenhum dos dois pontos
filosóficos. O mais importante propositor da filosofia do Atma vibrante ou
dinâmico, também conhecido como Spanda Tattva, foi Vasugupta. Num famoso texto
denominado Siva Sutra (Escritos Auspiciosos), Vasugupta defende a idéia de que
o Atma é a própria consciência ou Chaitanya, e que a natureza da consciência é
sempre-Ser.
Conclusão
Para resumir o que dissemos acima, retomemos os
aspectos na Filosofia da seguinte forma:
1. Três aspectos do Absoluto: Deus ou Brahman;
Natureza ou Prakriti, e Homem ou Jiva (alma individual que têm
consciência de si);
2. Dvaita:
Deus, Natureza e o Jiva são distintos uns dos outros; o Ser ou alma é
ataráxico, eterno, sempre existente, um mero espectador das ações do Jiva;
3. Advaita: Deus,
Natureza e Jiva são três aspectos do Brahman ou Absoluto; somente há a unidade
de tudo e de todos ou Brahman, e a distinção entre um aspecto de outro de
Brahman é devido à Maya ou ilusão da Verdade.
4. Tantra, o
Ser está sempre sendo; Ele é dinâmico, e a própria Consciência.
Hari Om Tat Sat