Pesquisar este blog

sexta-feira, 23 de março de 2012

Filosofias da Índia


Filosofias da Índia
Aspectos pertinentes ao Ser e Suas relações

Swami Krṣṇaprīyānanda Saraswatī
prof. Olavo DeSimon

SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL
SANATANA DHARMA BRASIL
GITA ASHRAMA

Porto Alegre, RS - Brasil
 2006-2012




Talvez a grande complexidade do pensamento dentro do que chamam "hinduismo" seja algo surpreendente, mesmo para alguém já acostumado ao estudo da filosofia do Ocidente. Para termos uma idéia, o que é chamado popularmente de "hinduísmo" se trata, na realidade, provavelmente,  de cerca de trinta mil (30.000) religiões distintas, que mais ou menos seguem um determinado conjunto de instruções, de um grupo de Escrituras chamadas de Vedas e Seus comentários, como os Upanishads. Uma vez compreendido isso, então pode ser que fique um pouco mais fácil de entender o contexto amplo da filosofia do Oriente.

Devido ao fato peculiar da existência de uma enormidade de religiões dentro do que é conhecido como “hinduismo”, é preferível denomina-lo de “Filosofias da Índia”, para nos referirmos às várias formas de abordagem do Ser e Suas inter-relações (Karma), bem como de “Filosofia Védica”, ou Sanatana Dharma, quando a corrente filosófica segue a supremacia dos Vedas.

Fica claro que não há uma “filosofia Hindu” única, propriamente dita, uma vez que “hindu” é um conjunto de milhares de religiões, além de ser uma denominação pejorativa dada pelos exploradores ao povo da Índia (índia= palavra diminutiva de “indigenius”, que designa “quem tem jeito de gente, forma de gente, mas não é gente!”, ou seja, são “pagãos ignorantes”; animais sem alma). Também, há que se despojar da idéia institucional de “religião” para compreendermos a religiosidade filosófica da Índia. O que podemos, também, referenciar, é o fato de que há diferentes enfoques dentro do Sanatana Dharma, diante de uma “mesma coisa”, mas que todos tendem a convergir para a busca da unidade na diversidade.

Para ilustrar o que estamos dizendo, veremos os aspectos: Deus, homem e natureza, e a relação destes com o Ser ou Atma. Os primeiros três aspectos são fundamentais, e norteiam o pensamento filosófico em praticamente todas as religiões do Sanatana Dharma. Aqueles três aspectos são o Supremo ou Brahman (ou o que no Ocidente chamam de Deus); a Natureza Material ou Prakriti (o mundo fenomênico ou objetivo), e a Alma Individual, também chamada de Atma ou Jiva. Via de regra, Atma é empregado como a unidade de tudo e todos; Atma é algo como “alma” dos cristãos; contudo, sua abrangência é maior, porque ultrapassa a idéia de “eu” e “meu”, típica dos que vêm a religião e Deus como algo externo a si próprio. Numa visão ampla e total, o que chamamos de Deus, homem e Natureza, dentro do Sanatana Dharma, é tão somente Brahman ou o supremo; o Absoluto.

Dvaita
Outro ponto importante é o que diz respeito e tem relação com estas três divisões: Deus, homem e natureza. Num primeiro momento, Deus, homem e natureza são distintos uns dos outros; isso é chamado de Dvaita ou dualismo; nesta abordagem filosófica, Deus é um, o homem é um, e a natureza é um; Deus está acima e fora de nós; a natureza está fora de nós. Sendo cada um deles distinto um dos outros, o Jiva ou alma individual não perde, mas amplia a sua consciência com relação a Deus e a Natureza. O Jiva contempla o mundo e Deus que está fora de si mesmo. Também concebe Deus como diferente da Natureza. Portanto, todos estão interligados, mas são separados uns dos outros. Deus cria tudo, toca em tudo, e não é tocado por nada. Ele é tal qual um “motor imóvel”, aspecto muito comum entre a filosofia dos filósofos gregos dos tempos áureos gregos.

Advaita
Adi Sankara
Um ou outro aspecto, mais abrangente da filosofia védica, vê uma unidade em tudo e em todos. Este aspecto é chamado de Advaita ou não-dualismo. Portanto, Deus, Natureza e o Homem são diferentes aspectos de uma só e mesma coisa, ou seja, são manifestações do Uno ou Brahman. Do mesmo modo como vasos, copos, potes, etc., são feitos de barro, tendo o barro como elemento comum, apesar de suas diferentes formas, o Brahman é a unidade de toda a diversidade. Somente há o Uno Brahman, e esta abrangência de compreender a unidade de tudo e de todos é chamada de iluminação ou Buddhi. Perceber somente os aspectos diferenciados e dizer que eles são a realidade trata-se de Maya, ou ilusão. Uma vez que as idéias de “eu” e “meu” se desfazem, o Ahamkara, ou falsa idéia de “eu” (geralmente identificada com o corpo material), se desfaz. O devoto percebe que é uma alma ou Atma que possui um corpo, mas não um corpo que possui uma alma; ele toma conta que todos somos unos; quanto mais se aprofunda em si mesmo percebe Deus e a natureza, e quanto mais se aprofunda na natureza mais percebe Deus, e quanto mais se aprofunda em Deus percebe a unidade d´Ele em tudo e em todos. No final, devoto e Deus são unos e um só.

Dvaita e Advaita são duas formas de ver o Ser ou Atma num enfoque distinto. A primeira maneira vê as coisas como separadas do Jiva ou “de si mesmo”, porque pensa a si mesmo como eterno, sempre existente e sempre individual; há o objeto e o sujeito; o contemplador e o contemplado. O segundo aspecto não separa a natureza pessoal individual da Suprema. Por isso é dito não-dualista; Samadhi significa “ser uno com o Uno”, desfazendo a idéia de “eu” e “tu”. As religiões Ocidentais todas são dualistas; nelas Deus está fora; Ele é o Supremo; somos meros servos ou diminutas consciências perto da Sua imensa magnitude. Na visão não-dual, Brahman é a unidade de tudo; do mesmo modo como todos os rios deságuam no mar, deixando de ser rios e passando a ser mar; do mesmo modo como uma gota de água se funde no Oceano passando a ser oceano, assim, também, a consciência ou Atma se funde no Supremo ou Sua realidade última, Brahman.

Gayatri
A primeira abordagem ou dualista é considerada ingênua pelos Advaitas, porque é dito que ela apenas transfere os problemas para uma esfera mais sutil ou que chamam de “superior”, não resolvendo as três perguntas fundamentais: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Na visão que transfere o problema da existência ou dualismo, há um “pai e uma mãe dos céus”, assim como há um pai e uma mãe na Terra. Também, há um “mundo espiritual”, mais puro, tranqüilo, sem sofrimentos, do que se encontra no mundo material ou terreno; trata-se de uma escatologia que transfere os problemas encontrados na natureza material para um local divino, puro e tranqüilo. Esta abordagem é a que está presente nas religiões Ocidentais ou Ocidentalizadas. Portanto, para os dualistas há um paraíso celeste, e aqueles que praticam boas obras têm direito a desfrutar da companhia do mundo celeste. O “inferno” seria ter que nascer aqui novamente na Terra, e ter que passar por tantos sofrimentos, e não se tornar servo eterno de Deus. Este dualismo, “Deus/sujeito” tem como base a afirmação de que Deus somente toma conta de quem lhe dá atenção. Uma transposição ingênua das relações afetivas humanas para as “celestes”.

Por sua vez, na visão Advaita, há o sofrimento tão somente porque há a idéia de “eu” e “meu”, ou de que “eu sou o indivíduo”, quando, na realidade, somente há o Ser uno: a máxima Tat Tvam Asi define bem o que estamos dizendo, ou seja, “Sois Ele”; “tal como Ele”. Retorna-se ao mundo material devido aos apegos aos desfrutes, portanto, porque se quer desfrutar do mundo material, mesmo tendo que passar por nascimento, doença, velhice e morte, é que ocorre o Samsara. Mas a consciência de unidade com o Ser Supremo ou Brahman é um estágio elevado da consciência, e somente quem se desfaz por completo da identificação com o corpo material poderá alcançá-la na plenitude. A mente de um Advaita está o tempo todo focada em “Sivoham”, ou “Eu sou o Ser; Eu sou auspiciosidade; puro Brahman”.

A totalidade das Escrituras originais que seguem os Vedas é Advaita ou não-dualista. O dualismo se introduziu mais intensamente na filosofia da Índia devido à influência dos Gregos, principalmente devido a Parmênides (filósofo que viveu cerca de 500 a.n.e), que trouxe o que no Ocidente é conhecido como “metafísica”. Mas também havia gregos que defendiam a mudança na unidade do Ser, como Heráclito (também cerca de 500 a.n.e), que introduziu a filosofia dialética. Mas a forte influência posterior da Igreja preferiu o Ser ataráxico da metafísica. Heráclito foi quem mais influenciou o Budismo, uma filosofia herética do Brahmanismo. O Brahmanismo segue os preceitos dos Vedas, e os Budistas Os desprezam. Os Budistas influenciaram enormemente o modo de pensar no território da Índia por cerca de 1.200 anos, até ser praticamente extinto na ocasião da reintrodução da filosofia de Sri Shankaracharya (por volta do ano 800). Sankar trouxe novamente a adoração no Sanatana Dharma (que havia sido descartada pelo niilismo de Buddha). Sankaracharya retirou os aspectos fundamentais do Advaita confrontando-O com o Mimamsa (rituais de adoração), e o “hinduísmo” voltou a florescer na Índia. Muito posteriormente, principalmente devido ao desenvolvimento do Feudalismo, surgiu o movimento Bhakti dualista, buscando muitas influências do Vedanta, por isso é às vezes chamado de Dvaita Vedanta ou Vedanta dualista.

Bhakti
O Bhakti dualista foi uma espécie de “resposta” indiana para a pressão de religiões como o Islamismo e o Cristianismo, devido ao fato de os governantes naquele período ou serem mongóis muçulmanos ou então estarem sob o jugo de governantes ou comerciantes cristãos. O momento bhakti na India é coincidente com as Companhias das Ìndias, onde os europeus exploravam as “especiarias”, como pimenta, cravo, canela, seda, etc.

Concomitante a filosofia presente nos Vedas, na Índia há outro importante movimento filosófico e, sem dúvida, inteiramente original, conhecido como Tantra (normalmente desconhecido e confundido no Ocidente). Defendem que, se o Ser ou Atma é eterno, sempre-existente, intocável, como descrito pelos dualistas; ou se não há Ser, como defendem os niilistas budistas, então como explicar as constantes transformações do mundo? O Tantra nos traz a idéia do “Ser Vibrante” ou o Ser que está constantemente sendo; o Ser está sempre mudando; é sempre vibrante, porque a natureza do Ser é estar sempre sendo; jamais ficando estático ou ataráxico, como defendiam os metafísicos gregos. No Tantra, Deus é um todo que está se aprontando. A filosofia do Tantra está mais para a Dialética do que para a Metafísica, sem desprezar os aspectos de nenhum dos dois pontos filosóficos. O mais importante propositor da filosofia do Atma vibrante ou dinâmico, também conhecido como Spanda Tattva, foi Vasugupta. Num famoso texto denominado Siva Sutra (Escritos Auspiciosos), Vasugupta defende a idéia de que o Atma é a própria consciência ou Chaitanya, e que a natureza da consciência é sempre-Ser.

Conclusão
Para resumir o que dissemos acima, retomemos os aspectos na Filosofia da seguinte forma:
1. Três aspectos do Absoluto: Deus ou Brahman; Natureza ou Prakriti, e Homem ou Jiva (alma individual que têm consciência de si);
2. Dvaita: Deus, Natureza e o Jiva são distintos uns dos outros; o Ser ou alma é ataráxico, eterno, sempre existente, um mero espectador das ações do Jiva;
3. Advaita: Deus, Natureza e Jiva são três aspectos do Brahman ou Absoluto; somente há a unidade de tudo e de todos ou Brahman, e a distinção entre um aspecto de outro de Brahman é devido à Maya ou ilusão da Verdade.
4. Tantra, o Ser está sempre sendo; Ele é dinâmico, e a própria Consciência.

Hari Om Tat Sat