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quarta-feira, 21 de março de 2012

Escrituras Hindus


Escrituras Hindus

Srī Swami Kṛṣṇaprīyānanda Saraswatī
prof. Olavo DeSimon

SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL
SANATANA DHARMA BRASIL
Gītā Āśrāma
Porto Alegre, RS
1997-2012



Sri Vyasadeva Maharishi



1. Introdução
É um fato notável de que não há uma religião sem seus escritos sagrados. Uma religião deve possuir um corpo de doutrinas, bem como uma cosmologia, uma teodicéia, e todo um conjunto de ensinamentos e filosofia que a tornam uma verdade possível. Também é bem conhecido o fato que uma religião deverá possuir um conjunto de mitologia, sem que esta expressão possua conotações inferiorizantes. Para o bem da Verdade, uma religião sem estudo e sem filosofia trata-se de uma forma de fanatismo, da mesma forma que uma filosofia sem religião é um modo de exibir a ignorância. Não há religião sem filosofia, sem um corpo de textos que lhe dão a devida sustentação. O Sanatana-dharma, na Sua própria definição de "conhecimento religioso eterno" é uma viva expressão da Verdade Suprema na forma de Escrituras.

2. Escolas de pensamento
Nós podemos destacar seis principais escolas de pensamento que expressam o Sanatana-dharma, a saber: 1) Nyaya; 2) Vaisheshika; 3) Sankhiya; 4) Yoga; 5) Purva-Mimamsa e 6) Vedanta. Uma particularidade destas escolas é que cada uma delas possui um fundador: Nyaya é atribuída a Buddha; Vaisheshika ao sábio Kanada; o Yoga a Patañjali; o Purva-mimamsa a Jaimini, e, por fim, o Vedanta a Badarayana. Apesar de defenderem pontos de vistas diferentes, estas escolas, decerto, abordam questões semelhantes e triádicas, pois procuram analisar as relações existentes entre o Brahman (Verdade absoluta; o Absoluto impessoal), a Jiva, (a alma) e a Prakriti, (mundo material; a Natureza). Às vezes, as escolas Nyaya e Mimansa, são as denominadas escolas heréticas, pois desqualificavam, de certo modo, os textos védicos clássicos.

Vendo a grande diversidade de pensamentos e de suas derivações, fica claro que o Hinduísmo é uma ampla e quase infindável variedade de pensamentos, permitindo conter, inclusive, e abrigar uma outra religião, como o caso do Budismo, que cresceu muito, principalmente, fora do território da Índia, onde não é significativamente expressivo o seu número de adeptos naquele país.

Para um praticante sério de Yoga, os escritos sagrados são personificações da Verdade Suprema, do Senhor em Si mesmo. O Vedanta, e todo o Seu conjunto de escrituras, contêm um vasto número de livros, textos, poesias, Sutras, enfim, contêm o vasto universo védico, numa tentativa de descrever as honras e glórias do Senhor Supremo. Como diz Maharaj Krishnananda, "Toda a nossa tentativa humana de entender a Deus sempre será uma tentativa", ou seja, sempre será uma forma de darmos uma espécie de antropomorfismo para Deus, segundo nossa própria imagem e semelhança. Por conseguinte, o estudo das Escrituras védicas constitui todo um corpo doutrinário e filosófico, do mais elevado nível. Na realidade, o desconhecimento ocidental, senão total da filosofia dos Vedas, e dos seus seis Darshanas insubstituíveis na história do pensamento humano, é algo imperdoável, e tem sido, sem nenhuma dúvida, um dos maiores empecilhos para o desenvolvimento humano.

3. Corpo doutrinário
No Sanatana Dharma há um conjunto de escrituras para um dos pilares sociais da vida. Artha, Kama, Dharma e Moksha, por sua vez, originam todo um corpo de doutrinas que antecedem seus nomes e ciências. Temos, assim, Arthashastras, que são escritos sobre o desenvolvimento econômico; Kamashastras, que tratam do gozo dos sentidos; Dharmashastras, que são os escritos das leis, e, por fim, os Mokshashastras, que se constituem no corpo doutrinário da liberação material "par excelence". Isso significa que o leitor terá todo um conjunto de textos para cada área que desejar desenvolver nos seus estudos. Por outro lado, o correto desenvolvimento e aprendizado das Escrituras deverá ser conduzido sob a orientação experiente de uma pessoa versada nelas, chamado de Guru ou preceptor. Esta dedicação ao Guru não se trata de nenhum fanatismo ou de uma perda de identidade, mas da correta forma de encontrar-se e ter clareado os reiais propósitos da vida humana. Yoga trata-se de um conjunto de ensinamentos e doutrinas que está muito além da simples alienação mental ou psicológica de alguém. O Yoga é um conjunto prático de vida que açambarca um universo inteiro de conteúdos e sentimentos, os quais não podem ser transmitidos apenas por livros. A rendição ao Guru é mais do que uma submissão pura e simples para alguém mais superior em conhecimeto, é uma forma de entregar o coração e a alma para o preceptor que remove toda a escuridão da ignorância na qual estamos mergulhados por absoluta vontade própria. Sendo assim, nada mais acertado do que sairmos desta ignorância por nossa própria vintade, sob a orientação segura e amorosa do Guru.

4. Divisões das Escrituras
As Escritura Hindus podem ser divididas em dois grandes grupos, a saber, Shruti e Smriti. Academicamente podemos dizer que as fontes autorizadas do Hinduísmo estão divididas nestas classes: 1. Shruti e 2. Smriti. Onde, Shruti é considerada a autoridade principal, e Smriti é a autoridade “secundária” dos textos sagrados.

5. Shruti, significa literalmente “aquilo que é ouvido”. Diz-se que grandes Rishis (sábios) escutaram em meditação às verdades eternas da religião e deixaram um relatório para o benefício dos outros. Estes relatórios são chamados Vedas. Temos quatro Vedas a saber: o Rig-veda, o Yajur-veda, o Sama-veda e o Atharvana-veda.

O Rig-veda é considerado um dos mais antigos Veda, consiste em mais de 1.000 hinos, e, praticamente, todos os outros Vedas baseiam-se nele. Contudo, grande parte dos aspectos conhecidos nas “ciências védicas”, como as técnicas de meditação, mantras e yoga são ali encontrados. É costume datá-lo em torno de 1.500 a.n.e., mas esta data pode estar bastante equivocada, pois sabemos de descobertas arqueológicas anteriores a ela, em pelo menos 5.000 anos, que relatam textos do Rig-veda.

No Sama-veda nós iremos encontrar uma espécie de releitura do Rig-veda, pois contam os versos do Rig-veda na forma de cânticos, representando, segundo a tradição védica, o êxtase e a benção da chamada auto-realização. Faz-se comparações de que, “enquanto o Rig-veda é o passo, Sama-veda é a dança; o Rg-veda é a palavra, o Sama-veda a compreensão”.

Já o Yajur-veda, o real precursor de todos os outros Vedas, uma vez que todos estavam inicialmente reunidos nele, dedica-se a purificação da mente e o “despertar” da consciência. De fato, o Yajur-veda pretende unir, pelo processo de yoga - união -, o indivíduo com o cosmos.

Por fim o Atharva-veda, contém cânticos e processos mágicos visando acalentar os deuses e as forças da natureza, com grande ênfase na arte da cura. Seus mantras visam afastar todo o mal, os inimigos, as doenças, a má sorte e todas as espécies de interferências positivas na vida. Este Veda é o único que contém rituais de magia e teurgia utilizadas pelos sacerdotes. Muitos ensinamentos do Ayurveda (ayur = vida quotidiana, e vid = conhecimento; ciência da vida quotidiana), tratado sobre a saúde, saíram do Atharva-veda.

No Srimad-Bhagavatam, 1.4.16-25, encontramos o seguinte: “Certa vez, Vyasadeva, logo ao nascer do Sol, tomou sua ablução matinal nas águas do rio Sarasvati e sentou-se sozinho para concentrar-se. O grande sábio, viu anomalias nas funções do milênio. Isso acontece na Terra em diferentes eras, devido a forças invisíveis, no decorrer do tempo. O grande sábio, que estava plenamente equipado com conhecimento, pôde ver, através de sua visão transcendental, a deterioração de tudo que é material, devido à influência da era. Ele pôde ver, também que das pessoas infiéis em geral teriam reduzida sua duração de vida e seriam impacientes, devido à falta de bondade. Desse modo, ele procurou o bem-estar dos homem em todas as ordens de vida [segundo o sistema de castas tradicionais da Índia]. Ele viu que os sacrifícios mencionados nos Vedas eram meios pelos quais as ocupações das pessoas poderiam ser purificadas. E para simplificar o processo, ele dividiu o único Veda [Yajur-veda] em quatro, a fim de expandi-los entre os homens". As quatro divisões das fontes originais de conhecimento (os Vedas) foram feitas separadamente. Mas os fatos históricos e histórias autênticas mencionados nos Puranas são chamados de quinto Veda.

Após o Vedas serem divididos em quatro partes, Paila Rishi tornou-se o professor do Rig-veda; Jaimini, o professor do Sama-veda, e Vaishampayana sozinho obteve a glória de Yajur-veda. Ao Sumantu Muni Angira, que era um Rishi muito devotado, foi confiado o Atharva-veda. E Romaharshana, ficou encarregado dos Puranas e dos registros históricos.

Todos estes acadêmicos eruditos, por sua vez, transmitiram os Vedas que lhes foram confiados a seus muitos discípulos, vem como aos discípulos de segunda a terceira gerações; e assim surgiram os respectivos ramos dos seguidores dos Vedas. Dessa forma, o grande sábio Vyasadeva, que é dito como sendo “muito bondoso para com as massas ignorantes”, editou os Vedas para que eles pudessem ser assimilados pelos homens da vida comum. Por compaixão, o grande sábio achou sensatamente que isso iria capacitar os homens a atingirem o objetivo último da vida, a liberação. Desse modo, ele compilou a grande narração histórica chama Mahabharata, para as mulheres, trabalhadores e amigos dos duas vezes nascidos (Brahmanas).

Por sua vez, cada Veda consiste de três partes: 1. Mantras ou hinos, 2. Brahmanas ou explicações dos mantras e rituais e 3. Upanishads ou expressões místicas que revelam profundas verdades espirituais. As mais importantes são os Upanishads. Formam as bases do Hinduísmo. Os mais importantes Upanishads são: Kata, Kena, Katha, Prashna, Mundaka, Mandukya, Aitareya, Candogya, Bahadaranyaka, Kaushitaki e Svetashvatara. Estas são altamente autorizadas. Como aparecem no fim do Veda, o ensinamento baseado neles é chamado Vedanta (teleologia (finalidade) védica). Algumas vezes o assunto exposto de todo o Veda acha-se dividido em: 1. Karma-kanda, 2. Upasana-kanda e 3. Jñana-kanda. O primeiro trata dos rituais, o segundo do culto ou meditação e o terceiro do mais alto conhecimento”. Costuma-se dizer que os Upanishads contém seis máximas ou Mahavakyas, “grandes ensinamentos”, sendo eles descritos a seguir:

6. Os Upanishads e os Mahavakyas
Os Upanishads são um conjunto de escrituras védicas, alguns em prosa, outros em verso, dos conhecimentos fundamentais dos Vedas. É dito que os Upanishads são os textos teleológicos dos Vedas, porque contêm em si a essência Vaidika-dharma. A complexidade dos Seus assuntos requer que aquele que Os estuda tenha o supervisionamento de um mestre experiente e realizado na Sua sabedoria. Assim como é dito que o Mantra Gayatri é a essência dos Vedas, e o OM a essência dos Vedas e do Gayatri, Os Mahavakyas (diz-se marra váquia) "ou grades ditos ou dizeres" são a essência dos Upanishads. Estes Mahavakyas resumem o conteúdo de todos os Upanishads, sendo que os 6 a seguir são o néctar da essência dos Upanishads.

1. Aham Brahmasmi: “Eu sou Brahma”. Estabelecendo a identidade entre o indivíduo e o chamado “Eu” supremo. Dentro de cada um de nós há a presença Dele em nossos corações;

2. Ayam Ama Brahma: “O Eu é eterno”. Havendo uma unidade entre o indivíduo e o Eu Absoluto, todos perfazemos o Absoluto e Ele é eterno;

3. Tat tvam Asi: “Tu és isto”. A mente é que nos conceda a ilusão do outro. Nós somos também os outros, pois o conhecimento está em todos os lados. Eu me percebo nele, logo, “todos somos isto”;

4. Prajñanam Brahma: “A inteligência é Brahma”. De certo modo, esta afirmação está dizendo que a nossa inteligência individual é a presença da inteligência divina em nós. Portanto, pelo seu intermédio podemos conceber o Absoluto;

5. Sarvam Khalvidam Brahma: “Todo o Universo é Brahman”. Portanto, tudo o que existe e que também não existe forma o Eu Supremo, o Uno. Não há nada que é ou será que não seja Brahma;

6. So ham: “Eu sou Ele”. No ato de respirar, nós dizemos o tempo todo o Absoluto.

Segundo Sarma, “A seguir, em importância ao Shruti, está o Smriti, que coletivamente significa as escrituras secundárias. Estas têm sua autoridade derivada do Shruti, pois sua finalidade consiste em expandir e exemplificar os princípios do Veda. Consistem em: 1. Smritis ou códigos de lei, 2. Itihasas ou épicos, 3. Puranas ou crônicas e lendas, 4. Agamas ou manuais de culto e 5. Darshanas ou escolas de filosofia. Vejamos:

7. Smriti
Cada um destes itens está distribuído em códigos ético-morais: os códigos mais importantes são o Manu, o Yajñavaika e o Parashara, dando conta, digamos assim, do que cada um deveria fazer segundo sua “classe social (varnashrama)”; Itihasas: estes são sem dúvida alguma os livros mais lidos (sabidos de-cor) de toda a Índia Hindu. O Mahabharata (grande Índia) e o Ramayana (epopéia de Rama), constituem os grandes épicos védicos. O Bhagavad-Gita, um capítulo do Mahabharata, constitui um livro a parte. Seus 700 versos contam a história de Arjuna e Krishna, diante do campo de batalha de Kurushetra, onde também são descritos os quatro tipos de yoga fundamentais: Karma-yoga, Dhyana-yoga, Jñana-yoga e Bhakti-yoga;, sendo que Karma-Jñana-Bhakti é o conjunto perfeito da desvelação da Verdade Suprema.

8. Puranas
São considerados “instrumentos de educação popular”, mas seguem os textos épicos importantes. Mesmo assim, muitos dos Puranas contêm relatos históricos importantes. Nestes textos, é freqüente o aparecimento de avataras e o relato de seus feitos. O mais constante são as citações às dez encarnações principais de Vishnu, como: Matsya (o Peixe), Kurma (a Tartaruga), Varaha (o Javali), Narasimha (o Homem-leão), Vamana (a Anão), Parashurma (Rama com o machado), Ramacandra (herói do Ramayana), Shri Krishna (o Bhagavan do Gita), Buddha (o fundador do Budismo), Kalki (o herói que num cavalo branco irá aparecer no final da Kali-yuga).

Se nós observarmos com atenção, existe uma teleologia em cada um dos aparecimentos de Vishnu na forma de um avatar. Matsya, por exemplo, possuía o objetivo de proteger e salvar o “progenitor da raça humana”, Vaisvasvata Manu, diante de um dilúvio que punha em risco toda a existência terrestre. Já a tartaruga Kurma, apareceu para “recuperar algo de valor”, os Vedas e Manu, que havia sido perdido no dilúvio, uma vez que os deuses e demônios tinham “revirado o Oceano de leite” procurando por “estes princípios perdidos”, mas nada encontraram. Kurma ofereceu-se para encontrá-los. A Terra, submersa nas água do dilúvio, tragada pelas atitudes maléficas de um demônio denominado Hiranyaksha, é levantada por Varaha, o Javali. O Homem-leão, Shri Nrishimhadeva, veio a este mundo com a finalidade de libertar a Terra da tirania de Hyranyakashipu. Este poderoso demônio havia adquirido alguns dons de Brahma, o criador do mundo, mas logo achou-se todo-poderoso, pois realmente estava imune a deuses, homens e animais. O avatar anão, Vamana, tinha como propósito “restabelecer o poder dos deuses”, que se encontravam esquecidos do reinado de Deitya Bali. Parashurama veio ao mundo para libertá-lo da tirania dos Kshatriyas, destruindo esta raça vinte e uma vezes. Rama, o principal agente do Ramayana, teve como objetivo derrotar o tirano Ravana, o conhecido “rei demônio de Lanka”. Krishna possui um triplo objetivo, uma vez que seu aparecimento condiz com o início da Kali-yuga. O primeiro deles é destruir os demônios, liderar a grande batalha de Kurushetra e trazer o mundo a grande mensagem de Bhakti (protegendo seus devotos), no Bhagavad-Gita. Buddha, por sua vez, é o fundador do Budismo, onde é frisado a proibição dos sacrifícios dos animais, enfatizando também a sua vontade para com todas as criaturas, para com todas as entidades vivas. Por fim, o décimo avatar em importância é Kalki, que nos final da Kali-yuga virá para virá para destruir os demônios e restabelecer a moral e a virtude, que estarão em completa decadência na mal de governantes completamente desqualificados e demoníacos (veja mais sobre Dasa-avatara).

9. Ágamas
Os Agamas podem ser considerados uma classe de escritos populares. Entretanto, o uso deste termo refere-se mais à forma como lidam os devotos com os cultos num aspectos singular ou particular. No Hinduísmo, podemos destacar três grandes grupos devocionais, os Sivaistas, que adoram Deus como Siva; os Vaishnavas, que adoram Deus como Vishnu, e os Shaktistas ou tântricos, que adoram a Deus como Mãe do Universo, sobre as diversas formas de Devi.

Escolas de filosofia ou Darshanas, que na realidade são “pontos de vista” filosóficos, semelhante, por exemplo, como acontece no Ocidente sob um mesmo aspecto metafísico. Dos seis pontos de vista filosóficos, a saber: Nyaya (Buddha), Vaishesika (Kanada), Sankhya (Kapila), Yoga (Patañjali), Mimamsa (Jaimini), Vedanta (Badarayana)], permanecem como de maior importância o Vedanta.

Mahadeva (Siva) com fragmentos dos Āgamas
Devemos, também, chamar a atenção dos leitores para algumas interpretações ocidentais fruitivas dos textos védicos, que fazem uma espécie de “polaridade” indevida entre o Sankhya e o Vedanta. Os Vedanta-sutras, na realidade, são textos filosóficos védicos comentados. E, obviamente, tanto o conhecimento do Sankhya como o Vedanta pertencem aos Vedas, e estão de um modo outro contextualizados naqueles Escritos. Entretanto, alguns autores dizem que o Sankhya é filosofia naturalista pura, dando, evidentemente, uma ênfase às suas convicções particulares e materialistas, independente dos Vedas. Mas, isso se deve pela existência de um monge chamado Kapila que pertencia aos materialistas, mas não se trata de quem é citado no Srimad-Bhagavatam; e, quanto ao restante, os chamados "espiritualistas", segundo esta classificação não autorizada, estariam vinculados ao Vedanta. Quando nós nos referimos a Kapila, com certeza, estamos nos referindo a Kapila Muni, filho de Devahuti, e que aparece registrado no Srimad-Bhagavatam (Bhagavata Purana). O Srimad-Bhagavatam é um dos documentos sagrados de grande importância dentro do chamado “teísmo védico”, e que postula as bases analíticas da Metafísica oriental, bem como qual é seu escopo e teleologia.

Kapila Muni, como anteriormente dissemos, aparece no Srimad-Bhagavatam, precisamente no Terceiro Canto, do Capítulo 25 ao 33. E, Este, definitivamente, é teísta e se trata, segundo nós entendemos, pela literatura védica consagrada, do verdadeiro Kapila que instruiu sobre o Sankhya.

O Sankhya, como vimos acima, nos permite distinguir entre o físico e a matéria, na medida em que avança nos aspectos metafísicos da existência, mas, convém salientar, faz também afirmações a partir das “contingências do mundo material”, portanto, possui uma espécie de cunho naturalista, mas não é naturalismo puro.

10. Os textos fundamentais do Hinduísmo e as escolas
Sri Kapila Munī
Dentro do Hinduísmo nós podemos destacar muitas escrituras, sendo que os Vedas são seus mais importantes textos e lhe ocupam o topo na hierarquia de importância. A palavra “veda” pode ser traduzida como “conhecimento”, ou “sabedoria”, e é possível que tenha influenciado o latim com o vocábulo “veritas; veritatis”, que em português quer dizer “verdade”. Os Vedas tradicionais são o Rig-veda, o Sama-veda, o Yajur-veda e o Atharva-veda. A maioria dos Vedas possuem os hinos e os rituais de sacrifícios religiosos dispostos de forma aprofundada. Em todos eles, porém, nós encontramos três partes importantes, a saber:: Samhita, Brahmanas, e Upanishads. Estas divisões têm a finalidade de atingir públicos diferentes, uma vez que se entendia que nem todos possuíam a mesma capacidade de intelecção e de compreensão dos textos védicos originais. Nós encontramos algo semelhante nos textos filosóficos gregos de algumas escolas, onde existiam os chamados textos ou escritos exotéricos, destinados ao público em geral, e os escritos esotéricos, textos destinados somente para um seleto grupo de filósofos ou pensadores. Neste sentido, os Upanishads são textos de difícil entendimento por parte do grande público, e sua tradução literal significa “diante de”, ou seja, eram comentários e textos obtidos frente a um mestre instrutor. Por outro lado, muitos Samhitas e Puranas, a exemplo do Bhagavad-Gita e Srimad-Bhagavatam, fazem parte dos ensinamentos para o público em geral. Já os Brahmanas são textos voltados para os preceitos e rituais praticados pelos sacerdotes, que recebem seu nome, tendo em vista o pré-requisito da compreensão e estudo aprofundado dos Vedas. Apesar do Manusmriti parecer como um texto independente, e posterior aos Vedas, Manu é citado nos textos védicos clássicos e originais. Por exemplo, lemos no Kanda I, Prapathaka I, “Sacrifícios para Lua nova e cheia” nas orações preliminares do Yajur-veda, mantra 2, o seguinte verso: “Vós sois a substância do sacrifício. Os Rakshasas (demônios) são queimados por ele, e os espíritos demoníacos são também queimados. Sois a causa Védica para os sacrifícios de palha; feitos originalmente por Manu e adaptados pelos chamamentos de Svadha”.

Os textos hindus mais apreciados por todos são os Puranas, devido as suas características de contar os chamados Lilas, ditos passatempos dos seus personagens, principalmente Krishna e Siva. Nos Puranas nós temos muitos dos chamados mitos hindus, onde seus personagens nos desvelam suas personalidades, sua vida cômica e trágica. Nos Puranas está muito da cosmologia védica: de como o mundo iniciou; como teve outros começos; batalhas entre semideuses e demônios, etc. Um dos mais famosos Puranas é o Bhagavata-Purana, também conhecido como Shrimad-Bhagavatam; é uma volumosa obra onde no seu Canto X é descrito a vida de uma encarnação de Vishnu, conhecida como Krishna. Krishna é um dos principais mediadores na Batalha de Kurukshetra, junto de Arjuna, seu primo. A parte do Mahabharata, no seu sexto Canto, chamada de Bishma-parva, a saga de Bishma, o avô dos contendores, ficou conhecido popularmente conhecida como Bhagavad-Gita, ou a “Canção do Senhor”. Nesta batalha digladiaram-se membros de uma mesma família, dividida entre as facções, os Pandavas e os Kauravas.

O Mahabharata e o Ramayana são considerados as duas epopéias do Hinduísmo. No primeiro, como vimos, está a mais espetacular das batalhas já ocorridas no mundo. No segundo, que é anterior ao primeiro na sua realidade histórica, é contada a saga de Rama e sua consorte Sita, que fôra raptada pelo demônio Ravana. No Ramayana aparece a figura de Hanuman, o homem-macaco, que se tornou o principal apoio para a vitória de Rama.

Uma parte do Mahabharata, o Bhagavad-Gita, é uma importante obra de discussão filosófica onde aparece o principal significado da natureza da existência, quais os desígnios dos homens, e como devem agir para atingirem a perfeição. É sem dúvida uma das obras mais publicadas no mundo, só ficando em segundo lugar com a Bíblia judaico-cristã.

Hari OM Tat Sat