Alguns Princípios do
Sanatana-Dharma
“hinduísmo”
Swami Krsnapriyananda Saraswati
prof. Olavo DeSimon
GITA ASHRAMA
Porto Alegre, RS - Brasil
2006-2011
OM - símbolo gráfico do Absoluto - Brahman |
1) Quais as principais doutrinas, crenças ou dogmas do Hinduísmo?
Para o bem da verdade, o Hinduísmo é o nome que os estrangeiros (na maioria europeus) deram ao conjunto de crenças, filosofias, adorações, etc., realizadas pelo povo que vivia no continente conhecido por "Bharata" ou "indiano" (dito pelos estrangeiros com sentido de denegrir os habitantes daquele região, uma vez que a expressão "índio", refere-se a alguém 'indigenius'= sem alma, portanto, com jeito de gente, aparência de gente, mas que não é gente - são considerados "pagãos ignorantes", "sem alma", "sem educação", etc.), e então localizados às margens do rio Indu. O nome correto deste conjunto de crenças, filosofias e adorações chama-se Sanatana-Dharma, o que quer dizer "Ordem ou Dharma (retidão) eterno". Por conseguinte, esta filosofia de vida não possui dogmas de fé, aos moldes das tradições Ocidentais (judaico-cristãs), mas, possui preceitos embasados sobre um conjunto de leis divinas denominadas de Sruti e Smriti, bem como Sastras, especificamente sobre estes últimos aspectos: Artha-sastra; Kama-sastra; Moksha-sastra, e Dharma-sastras, sendo que o principal e mais importante conjunto de "Leis Jurídicas" está no Mana-dharma-sastra, conhecido popularmente como Manu-sastra ou Código de Manu. A retidão, a reta conduta, conduta correta ou ética - Dharma - é o principal ponto do que popularmente chama-se "Hinduísmo". Na verdade, não se pode separar a Ética da "religião" dentro desta filosofia religiosa. Talvez, por isso, seja a Índia a possuidora de um dos menores índices de criminalidade no mundo, apesar da sua imensa população de quase 1.200 milhões de pessoas, e que vivem numa condição econômica considerada muito inferior pelos moldes ocidentais.
Manu Rishi |
Apesar do Hinduísmo não possuir dogmas, como nas demais religiões institucionais, que possuem um fundador (uma vez que o Hinduísmo não possui fundador), há um conjunto básico de filosofia ou de regras (mais deônticas do que morais) que norteiam o agir das pessoas. Salienta-se, contudo, que a "religião védica" não é fruto do especular de ideias, nascidas da mente fértil de alguém, mas fundamenta-se no conhecimento realizado. Podemos ver isso, conforme a seguir:
Sanatana-dharma
A) Quatro pilares; B) Três grandes princípios:
A conduta, o modo de agir ou Karma, segundo os preceitos do Hinduísmo está fundamentada em quatro pilares ou conjuntos de regras, a saber: A) quatro pilares: 1) Artha, 2) Dharma, 3) Kama, e 4) Moksha. B) Três grandes princípios: 1) Ahimsa; 2) Karma; 3) Samsara ou reencarnação
A) Quatro pilares: 1) Artha diz respeito ao conjunto de regras que têm por objetivo tratar da riqueza econômica, distribuição de bens e valores, bem como trata com impostos, administração da riqueza do país, etc.; 3) Dharma, constitui a parte religiosa, bem como o exercício do que hoje modernamente chamamos de Direito. Convém salientar, que o Código de Manu, por exemplo, certamente o mais antigo grupo de regras e leis sociais e civis existentes, não está baseado na “Lei de Talião”, processo esse que se difundiu muito no Oriente Médio, sendo aquele princípio, diferente do Manusmriti, a base do Código de Hamurabi. Resultante daquilo, no Código de Manu, não há a ´vingança de sangue´, ou punição indireta de pessoas que possuem alguma relação de parentesco com quem praticou um ato ilícito, etc. A punição ou pena era direcionada para o autor do fato, bem como ele estaria sujeito a indenização pecuniária ou mesmo de propriedade. De modo que penhor, antecipação de tutela, etc., exercícios considerados modernos diante do Direito de hoje, já eram conhecidos e praticados fazem 5.000 (cinco mil) anos antes de Cristo, o que antecipa, pelo menos, em 2.500 anos o Código de Hamurabi, conhecido como uma relíquia dos Diplomas Legais conhecidos no mundo; 3) Kama, que diz respeito a atividade do gozo dos sentidos, ou a parte da arte e da estética. Neste sentido, música, dança, pintura, escultura, ou tudo o que diz respeito ao prazer estético, gustativo, táctil, em geral, está dentro deste conjunto de escrituras ou regras que têm por norma disciplinar as sociedade. Por último, 4) Moksha, trata-se de um conjunto de regras ou escrituras que têm por finalidade promover a liberação do mundo material, ou do Samsara, que se trata do eterno retorno da alma condicionada a este mundo, considerado um mundo de desfrute do gozo dos sentidos, porém de nível mediano, uma vez que a cosmologia védica aceita mundos superiores e inferiores, etc. No grupo de regras e escrituras construídas por sobre o Moksha-dharma, estão grande parte dos textos sobre Yoga, filosofias diversas, sendo que, no mais das vezes, aceitam a autoridade dos Vedas como escrituras fundamentais desveladas diretamente da Suprema Personalidade de Deus a um grupo de sábios ou Rishis através de profunda meditação. Estes livros foram ditados e escritos, posteriormente – devido a longa tradição oral – totalmente na língua sânscrita.
Manusmriti |
B) Três grandes princípios: 1) Ahimsa, este princípio é a base para todos os outros, de modo que origina, fundamenta e norteia todo um conjunto de princípios. Ele ficou popularmente conhecido como “não-violência”, devido a notável conduta de Sri Mahatma Gandhi, na ocasião da libertação da Índia do domínio inglês. Contudo, não-violência não se resume apenas em não agredir fisicamente a alguém, mas em tratar a todos da mesma maneira que gostaria de ser tratado. É por isso que se entende a conduta da grande maioria dos indianos no vegetarianismo, uma vez que matar alguma criatura apenas para a satisfação da língua seria um ato de violência que tem suas consequências futuras, ou reação, pelo Karma, que veremos a seguir; 2) Karma; literalmente significa “ação”, ou “trabalho’, significando tudo aquilo que realizamos no mundo. A ideia fundamental é de que não há ação sem reação, uma vez que tudo está interligado na natureza material ou Prakriti. A Prakriti possui seus conjuntos de regras e leis, que de um certo modo os Físicos contemporâneos afirmam de modo muito semelhante. Isso quer dizer que na natureza material tudo funciona como uma espécie de rede ou teia, de modo que não podemos agir num lado sem que o outro responda interativamente, de algum modo, a ação que foi feita. Este é o real sentido de Karma, e que foi muito distorcido na século XIX principalmente protagonizado por grupos apressados em querer juntar as ideias da reencarnação com a do advento central da “Ciência”. Sendo assim, encontramos uma tendência em adaptar as ideias originais do Hinduísmo com as ideias científicas de evolução, etc. Isso resultou num grupo de confusões que afastaram o real sentido do Karma. Devemos compreender de que no mundo material não há como vivermos sem que haja algum tipo de ação. O próprio mundo material é resultado de um conjunto de ações e reações. Há um certo sentido na ação, e qualquer modificação neste sentido, causará os efeitos que conhecemos, por exemplo, com a questão do meio-ambiente. Por fim, temos 3) Samsara ou reencarnação. Apesar de ter ficado mais ou menos popular, a lei da reencarnação ou Samsara não é corretamente conhecida no ocidente. Samsara significa “retorno de acordo com a própria vontade”, de modo que retornamos ao mundo material apenas porque desejamos fazê-lo. Neste sentido, nosso Karma ou ações direcionam nossa vida futura, mas sempre - isso deve ficar claro - voltamos ao mundo material porque desejamos tal retorno. Somos responsáveis pelo nosso destino, na medida em que nos envolvemos com nossas ações. Esta é a verdadeira ciência da reencarnação.
Há todo um outro conjunto de ideias, filosofias, que defendem estas "regras". Hinduísmo trata-se, portanto, de REGRAS ou DHARMAS, e a disposição que temos que ter para segui-las.
Rangoli |
2) Citem algumas curiosidades gerais?
O que é curioso no Hinduísmo é o fato de apesar das milhares de formas de adoração a Deidade, todas têm um único e mesmo objetivo, ou seja, Adorar ao Deus único, também chamado de Brahman. Outro fator, é que alguns não aceitam o fato de alguém nascer fora da Índia e ser considerado "Hindu". De um certo modo, eles misturam“ nascimento" ou Jati, com “Bhava" ou fé. Isso se deveu pelo fato de que o domínio dos povos árabes e ocidentais, terem tentado destruir a identidade da fé do continente indiano.
3) Qual a origem do Hinduísmo?
Os Vedas. Como dissemos, o Hinduísmo não possui um fundador, tal como vemos nas religiões como o Cristianismo, Islamismo, Budismo, etc. Segue-se a autoridade dos Vedas, e o autor destes textos sagrados é a própria Personalidade de Deus, em todos os Seus nomes e formas, o que é mal interpretado como sendo politeísmo. Para o bem da verdade, o Hinduísmo possui a crença num único e mesmo Deus UNO, mas manifesta a sua fé em muitos ídolos e passatempos ou Lilas do Senhor, semelhante ao que faz o Catolicismo com Santos, Santa Virgem, etc., mas todos reverenciam a um único e mesmo Deus.
4) Principais ritos e costumes?
Adoração à Deidade; vegetarianismo. Adotar um tipo de vida desapegada do dinheiro e de bens materiais.
5) Obras que fundamentam a religião Hindu?
As obras principais que fundamentam o Hinduísmo podem ser vistas em Escrituras, mas basicamente são os Vedas, os Upanishads, o Ramayana, o Mahabharata e o Bhagavad-gita.
6) Qual a ideia de vida pós-morte?
Moksha ou liberação é alcançada quando a pessoa descobre-se como um ser espiritual, e vive segundo as ordens do Dharma. E isso somente é possível pela dedicação ou Karma realizado ao Supremo, através do serviço devocional ou Bhakti. É importante salientar que uma pessoa não pode seguir o Hinduísmo sem render-se a um Guru ou preceptor espiritual. Enquanto a pessoa desejar retornar ao mundo material, e dele desfrutar, não será liberto e não irá alcançar o mundo espiritual (não confundir com o mundo dos espíritos). O mundo espiritual é a morada do Ser Supremo ou Deus; do puro Atma. Veja-se mais sobre isso lendo o artigo sobre Morte.
Sri Siva, uma das formas do Absoluto |
7)Qual a relação da religião com a cultura e sociedade?
A cultura da Índia não existe sem o “Hinduísmo”. É tamanha a identidade entre os dois aspectos, sociais e religiosos, que podemos dizer que o Hinduísmo se trata da vida prática do povo. Ela está visível nos símbolos usados no dia a dia, mesmo nos símbolos oficiais do Governo dos dias de hoje, etc. Allan Watts disse, certa feita, que a vida da Índia é uma filosofia prática, e isso está correto. Não há como dividirmos fé e ação na Índia. As pessoas não vão a um templo para orar, e depois voltam a vida prática com outros propósitos, a vida delas segue como uma oferenda. O Senhor Krishna no Bhagavad-gita, 5.10, disse: “Faça tudo como sendo uma oferenda para Mim ou Brahman” (Krishna é Brahman personificado). De certo modo, poderemos fazer tudo como se fosse um ato religioso, tendo em mente que por detrás de tudo está a Vontade Suprema ou Ishvara – Supremo Controlador – sendo que nós somos apenas instrumentos em Suas mãos e Vontade. Quando essa submissão ao Supremo se quebra surgem todos os problemas no mundo material.
Hari Om Tat Sat
Glossário
Ahimsa= princípio da não-agressão.
Artha= administração e riquezas.
Brahman= o Absoluto; realidade única.
Dharma= eticidade; reta ação; dever prescrito
Karma= ação; trabalho. atividade.
Moksha= liberação de nascimentos e mortes; liberação do Samsara.
Rishi= instrutor; sábio realizado; quem vê a Verdade.
Samsara= nascimentos e mortes repetititos.
Sastra= lit. sânsc. "dito; falado"; diz respeito a comentários sobre os shruti.
Shruti= instruções desveladas.
Smriti= instruções comentadas.