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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A Índia continua sendo 'hindu'

Swami Krsnapriyananda


Festival de Ganesha Chaturti - Índia


Índia, a origem
A história da Índia é a história da humanidade. Sem dúvida, não temos como negar isso, porque a região do que hoje chamamos Índia, ou “Bharata” conforme os indianos a chamam - é a terra da diversidade cultural e religiosa. Diversidade, abundância, variedade, são características da Índia. Se há povo que possui uma grande variedade de religiões, cultos, crenças, bem como uma enormidade de línguas vivas faladas, sem dúvida este é o da Índia. Mais de 20 línguas oficiais; cerca de 30 comemorações de ano-novo diferentes. Se somarmos as variações dentro do que chamamos de “Hinduísmo” – Sanatana-dharma-, encontraremos cerca de trinta mil do que conhecemos no Ocidente como “religião”. Apesar desta imensa variedade de pessoas, crenças e língua, a Índia é, sem dúvida nenhuma, o país da Democracia. Em poucos lugares do mundo poderemos encontrar uma diversidade de pessoas e crenças como o que vemos na prática religiosa da Índia. Além da enorme diversidade de “religiões” dentro do que conhecemos como “Hinduísmo”, há quase uma centena de religiões outras, normalmente advinda de outras regiões próximas ao território indiano, geralmente do Oriente Médio. A Índia é onde podemos encontrar Parsis (a antiga religião dos Persas); Sikhs, uma mescla de Hinduísmo como Islamismo; Jainistas, culto niilista ateu, que deu origem também a culto de igual ordem, o Budismo. Também encontramos Mazdeistas ou Zoroatros; Judeus indianos (alguns reivindicam a nacionalidade israelita, por se consideram “tribo perdida de Israel”, e mais recentemente os Lamaistas, advindos do Tibete, expulsos pelos chineses, etc.

Também encontramos Islâmicos das mais variadas ordens, inclusive, alguns que compactuam com as festividades dos Hindus. Apesar de grandes conflitos locais promovidos por fanáticos islâmicos, a Índia abriga centenas e milhares de credos, religiões, crenças, seitas, numa infinidade que não seria possível denominarmos completamente.

Os cristãos, chegados em grande parte no período da colonização européia, apesar da longa dominação que se estabeleceu no comércio com as índias, não são expressivos em número no continente. Muito poucos se converteram à fé trazida pelos Europeus; então mantiveram uma convivência pacífica com aqueles que defendem o religião do Messias.

Um exemplo do período colonial português está em Goa, onde encontramos a Igreja de São Tomé, local que é dito estar o corpo daquele discípulo de Jesus. Nesta igreja, muitos vêm orar com seus trajes típicos indianos; de fato, não é possível diferenciar a adoração que é feita naquela igreja daquelas que são feitas nos templos ao Senhor Krishna ou de Devi (forma feminina de Deus). Quem sabe, a diferença mais notável seja a presença do crucifixo, que apesar de não ser de uso exclusivo dos cristãos, aos poucos se firmou como ícone representativo daquela fé.

Colonizadores
A recepção aos pregadores cristãos, na época das Grandes Navegações, até a independência da Índia em 1947, no mais das vezes foi pacífica. A convivência com a tradição religiosa e cultural da Índia e dos ingleses acabou dando um matiz diferente para o que hoje temos conhecido como “sistema de castas”. Até a chegada dos ingleses, “casta” ou “varna”, dizia respeito tão somente à ocupação e função que cada um exercia na sociedade. A distinção trazida entre realeza, comerciantes, e povo em geral, inclusive com a proibição de casamento entre pessoas de “classes diferentes”, acirrou-se com a dominação inglesa.

Nos primeiros tempos da colonização, a coroa inglesa impedira que os pregadores anglicanos fossem até a terra das especiarias conquistar novos adeptos. Mas no devido decurso do tempo as missões de conversão se infiltraram na Índia. Apesar do enorme esforço despendido pelos evangelistas ingleses, foram poucos os que se converteram a nova fé. A grande maioria dos convertidos tratava-se de muçulmanos pobres. A razão para isso se deveu ao fato de que religião na Índia é o que tem menos influência, estando abaixo da religiosidade e da fé. Uma forma diferente de conviver com o Sagrado. De acordo com a religiosa da Índia, se há tão somente um único e mesmo Deus, então, por que mudar de religião? Ainda mais que a religiosidade vivida em Bharata é prática, e vivencial, não se separa Deus e o mundo. Profano e sagrado é uma questão de consciência. Na filosofia prática religiosa da Índia, Deus não está fora ou dentro de templos tão somente, mas sim dentro de nós. Assim como a morte não está distante da vida, Deus não está fora, mas dentro de nós. Ele é imanente e transcendente. Por conseguinte, Deus é uno e igual para com todos. Eis porque foi difícil converter os indianos ao cristianismo, onde mesmo hoje notamos o pequeno número deles em todo o imenso território da Índia. Nem mesmo o apelido depreciativo “índio”, “indígenas”, que tinha o sentido original de “gentinha; com jeito e cara de gente, mas não são gente, nem sequer têm almas”, porque não eram batizados, foi suficiente para demover a fé prática que os indianos possuem.

Tentativa nova
Apesar da insistência de conversão dos indianos ao cristianismo, realizada pelos antigos cristãos, a presença deles no território da Índia fora pacífica. Um ou outro evento isolado promoveu algum distúrbio temporário, mas nada que não fosse resolvido de forma diplomática e pacífica. Mas a partir da década de 50 acirraram-se a chegada dos neopentecostalistas. Com a independência, a Constituição da Índia, promulgada em 1947, tendo sido uma conseqüência direta da ação do movimento de resistência pacifica de Mahatma-Gandhi, a Índia tornou-se o maior país democrático do mundo. 

Festival Kumbhamela
A abertura para as religiões cristãs, agora num grande número de denominações, deu início a uma campanha em massa em busca da conversão. Contudo, mais uma vez, a grande diversidade religiosa e de línguas, bem com a imensa variedade de povos, povoados, hábitos e costumes, não permitiu que a conversão atingisse mais que uns poucos números de indianos paupérrimos, nada muito significativo, numa população que na época chegava aos 800 milhões de pessoas.

Mesmo que a população da Índia hoje beire um bilhão e duzentos milhões de pessoas, encontrar cristãos na Índia, sem dúvida, será difícil, e a sua maioria será constituída de estrangeiros. As razões permanecem as mesmas: diversidade da cultura; religião vivida na prática sem separar o “profano” do “sagrado”; crença que Deus é um e mesmo, apesar de Seus muitos nomes e formas. Em fim, a Índia vive uma religião desinstitucionalizada. 

Contudo, a experiência antropológica diz que há normas culturais que permanecem acima de qualquer nova idéia, principalmente se esta é advinda de fora. Um exemplo notável foi o que aconteceu no ano de 2006, onde, então, um grupo de neopentecostalistas, encabeçados pela Igreja Universal (de origem brasileira), beirou á loucura. Por exemplo, entre tantas outras coisas, eles ofereceram do modo dissimulado carne de gado para o povo. Quando isso foi descoberto, gerou tamanha rebelião dentro do país que ficou muito difícil alguém manter sua posição de cristão sem ser molestado por algum grupo de devotos ou religiosos indianos. Apesar de nós aqui termos bem claro as distintas diferenças entre uns e outros cristãos, na Índia isso não existe. Para eles, todos que defendem a religião do "Messias" são cristãos, independentemente do “cristianismo” que defendam. Então, tamanha desavença gerou por fim a expulsão da maioria dos neopentecostalistas da Índia, ato votado pela  Corte indiana, que amparada na Constituição e nas Leis Civis, não mais permitiu que aqueles atuem em todo o território da Índia, tampouco nas ilhas além-mar que sejam do Governo indiano. Foram expulsos, e não mais poderão entrar no território para fins religiosos.

Conclusão
O povo da Índia, vista como sendo a terra de “pagãos ignorantes” - por parte dos neopentecostais, e muitos cristãos tradicionais - até então absolutamente pacífico por centenas, senão milhares de anos, com uma cordial convivência religiosa entre os povos e religiões do mundo, mostrou-se firme e mais do que nunca convicto da sua própria fé diante da crescente e constante ameça neopentecostal. Como vimos, religião é o que menos incomoda o indiano. Há centenas de milhares delas por toda a Índia. Pode ser que numa mesma casa convivam pessoas de religiões distintas, sem que isso incomode uns aos outros. Mas apesar desta imensa diversidade religiosa, não será possível impor costumes e tradições outras que estão fora do ethos do povo da Índia. A vaca ocupa uma posição central na fé dos indianos, sejam eles Hindus, ou qualquer outra religião que esteja no país. Mesmo muçulmanos se abstêm de carne de gado, no mais das vezes, porque compreendem se agirem diferente isso irá pôr a Índia em colapso. Isso porque a maior parte da população da Índia cozinha em esterco de gado, e o utiliza como adubo para manter as suas enormes plantações de arroz. 

As tentativas de conversão à força, com o uso da violência estrutural na Índia, protagonizadas por aqueles neopentecostais, não surtiram efeitos na sua pretensão inicial (converter os ignorantes), acabando por gerar a antipatia da população em geral. Lástima que isso tenha acontecido, contudo, isso deverá servir de experiência antropológica para as gerações futuras, quem sabe, numa “moral da história”, possamos entender que o ethos de um povo é sua raiz e tronco, os quais removê-los será mais fácil do que controlar o incontrolável. Tentar mudá-lo será o mesmo que tentar deter o vento numa gaiola, cuja grades sejam feitas de ideologias, na tola maneira de ver os diferentes morais como sendo abjetos da verdade.

Hari OM Tat Sat

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