O Sonho
de Rāja Jānaka
Por
Swāmi Kṛṣṇaprīyānanda Saraswatī
prof. Olavo DeSimon
SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL
GITA ASHRAMA
Porto Alegre, RS -
Brasil
2006-2016
O Rei Jānaka concede sua filha Sita para
Śrī Rāma
karmaṇaiva hi saṁshiddhim
āsthitā janakādayaḥ
loka-saṅgraham evāpi
sampraśyan kartum arhasi
“Certamente,
pela ação correta ou Karmayoga o rei Jānaka, e outros, conseguiram a perfeição,
agindo pelo exemplo; considera que devas atuar e cumprir”.
B.gita, 3.20
- Introdução
Qual foi a ação correta que o rei Jānaka realizou? Que
experiência magnífica ele teve que o colocou diretamente com a consciência do
Ser ou Ātma? Uma breve história sobre este rei e o que o fez mudar o enfoque
sobre a realidade será comentado a seguir.
O rei Jānaka foi o pai de Sita, a esposa de Sri Rāma.
Ele foi um rei exemplar, e tinha um profundo senso de liberação. A partir de um
sonho que teve certa feita, ele deu início a uma profunda investigação do Brahman. A história que veremos a seguir
tem em vista mostrar a irrealidade do mundo material, não enquanto expressão
material, mas enquanto realidade transcendental. Para o leitor compreender o
texto na sua profundidade filosófica deverá despojar-se das ideias dualistas
“eu” e “meu”, uma vez que não é possível uma metafísica sem que haja o devido
despojamento da dualidade ou do Dvāita.
A filosofia dos Vedas,
e todos os textos derivados e comentados são Advāita, ou não-dualistas. A grande confusão nos dias de hoje é
devida às más interpretações e solipsismos feitos por sobre a metafísica dos Vedas, e que no mais das vezes estão comprometidas
com a visão de movimentos religiosos independentes, e que não possuem vocação
filosófica, sendo puramente especulativas.
No Bhagavad-gītā,
e numa enumerável seqüência de textos e comentários diversos da literatura
védica, o rei Jānaka é citado como exemplo de retidão, esforço e empenho no
caminho do Dharma. No verso 3.20 do Bhagavad-gītā, Kṛṣṇa cita o rei Jānaka
como sendo um grande exemplo de quem alcançou a liberação do Saṁsāra por meio da ação abnegada ou Karma-yoga. São as seguintes as palavras de Kṛṣṇa, dirigidas para Arjuna:
“Certamente, pela ação correta ou
Karmayoga o rei Jānaka, e outros, conseguiram a perfeição, agindo pelo exemplo;
considera que devas atuar e cumprir”. Bgita,
3.20 Isso quer dizer que a realização do serviço abnegado é tão elevada quanto
qualquer exercício de realização pelo Jñana.
Karma-yoga não é uma ação feita tendo em vista um resultado, mas
uma ação pura e livre de busca de resultados. A ação deve ser exemplar, uma vez
que na ação abnegada está a liberação da idéia de “eu” e “meu”. Deve-se saber
diferenciar uma ação benevolente, que tem em vista agradar o próprio ego e receber
fama e prestigio dos que olham daquela ação que é feita de forma absolutamente
abnegada, sem ter em vista nenhum beneficio egoísta como fama, prestigio e
poder. Kṛṣṇa salienta o tempo todo que alguém devidamente iniciado e reverente
ao Guru (4.34), prestando serviço aos
seus pés, é de fato adequado para liberar-se do mundo material.
Ensina-se mais pelo exemplo do que por teorias
contidas em textos. Isso
nos mostra que não é de agora a ocupação com o processo de educação onde o
exemplo dos ācāryas, como verdadeiros
modelos de exemplos, as pessoas procuram seguir. Kṛṣṇa, mais uma vez, reforça a
idéia de que Arjuna deve lutar, porque seus atos não estão isolados de todo o
contexto. O rei Jānaka foi instruído pelo sábio Aṣṭāvakra, numa obra intitulada
“Aṣṭāvakra-gītā”, de como deve ser a
ação de um renunciado. A ação correta é aquela que e feita sem ter em vista o
fruto ou a expectativa do resultado, chamado pelo sábio de “picada da serpente
negra da auto-opinião de “eu sou quem
faz”. Os pares de opostos, do mundo material, são explicados ao rei naquela
obra, tendo em vista alcançar a liberação do saṁsāra ou ciclo de nascimentos e mortes.
2. O Sonho
do Rāja Jānaka
Swami
Sivananda
O Rāja Jānaka governou o país de Videha. Certa feita,
ele reclinou-se num sofá. Isso foi por volta do meio dia, no mês de junho. Ele
deu uma soneca de alguns poucos segundos. Ele sonhou que tinha um rei rival com
um grande exército e que tinha invadido o seu país, matado seus soldados e
ministros. Ele saiu do seu palácio, estando descalço e sem roupas que o cobrissem.
Jānaka encontrou-se perambulando na floresta. Ele
ficou com sede e com fome. Ele chegou numa pequena cidade onde pediu comida. Ninguém
deu bola para o seu pedido. Então ele foi até um local onde algumas pessoas
estavam dando comida para os mendigos. Cada mendigo tinha uma tigela de barro
para receber arroz e água. Jānaka não tinha a tigela, então eles disseram que trouxesse
uma. Então ele foi à procura de uma tigela. Ele pediu para outros mendigos para
emprestar uma tigela para ele, mas nenhum deles quis emprestar a sua. Por fim, Jānaka
encontrou um pedaço de uma tigela quebrada. Então ele correu com o pedaço, onde
arroz e água estavam sendo distribuídos. Mas tudo já havia sido distribuído.
O Rāja Jānaka estava muito cansado devido a longa
viagem, e com fome, sede e calor devido ao verão. Então ele se recostou próximo
ao local onde a comida havia sido cozida. Ali, alguém se tomou de piedade por Jānaka,
e deu a ele algum arroz e água, que havia ficado no fundo da panela. Jānaka
pegou com imensa alegria e assim que ele iria colocar o alimento em seus
lábios, dois enormes touros jogaram-se brigando por sobe ele. A sua tigela se
quebrou. O Rāja acordou-se com grande medo.
Jānaka ficou tremendo violentamente. Ele ficou com um
grande dilema, em saber qual dos dois estágios era real. Todo o tempo em que
estivera sonhando, na miséria, com sede e fome, ele jamais pensara que era uma ilusão.
Então a rainha perguntou para Jānaka, “Ó
Senhor! O que o está afligindo?” Em poucas palavras Jānaka disse, “O que é real, ou que não é?”. A partir
de então deixou todo o trabalho e ficou silencioso. Ele não falou nada mais do
que as palavras acima.
Os ministros pensaram que Jānaka estava sofrendo de
alguma doença. Então eles anunciaram que qualquer um que pudesse curar o rei
seria ricamente recompensado, mas se falhassem na cura seriam feitos prisioneiros.
Grandes médicos e especialistas tentaram a sorte, mas nenhum deles pode
responder a pergunta do Rāja. Centenas de Brahmaṇas bem versados na ciência da
cura de doenças foram postos na prisão. Entre os sábios, estava, também, o pai
do grande sábio Aṣṭāvakra. Tendo apenas dez anos de idade, e ao ficar sabendo
por sua mãe da situação do seu pai ter sido preso, por ter falhado na cura do Rāja,
ele pediu para ver o rei Jānaka. Chegando
ao rei, ele perguntou se ele gostaria de escutar a solução da sua pergunta em
breves e poucas palavras, como a questão estava sendo colocada, ou em detalhes
devido a experiência do sonho. Jānaka não quis repetir o sonho, uma vez que
considerava humilhante fazer isso diante de uma grande platéia. Então ele
concordou em receber uma breve resposta.
Aṣṭāvakra, então, sussurrou no ouvido de Jānaka: “Nenhum nem outro é real”. Então Jānaka alegrou-se.
Sua confusão foi removida. O Rāja Jānaka, então, perguntou para Aṣṭāvakra, “O que é real?”, e daí sucedeu-se um
longo diálogo entre eles. Isso está bem documentado num livro chamado Aśtavakra-Gītā, o qual é altamente
recomendado para os buscadores da Verdade.
3. O rei
discípulo e a ilusão do mundo
Swami Kṛṣṇaprīyānanda
excertos
Śukadeva Goswami ensinou o Śrīmad Bhāgavatam para os reis sábios, como Parīkṣit maharāj e Jānaka
Maharāj. Os textos dizem que certa feita Śukadeva iniciou um discurso atrasado,
porque Jānaka não tinha chegado. Então os outros se ressentiram pelo sentimento
de Śukadeva em relação ao rei Jānaka. Então, de modo equivocado, eles pensaram
que Śukadeva estava fazendo aquilo devido a posição real de Jānaka, pensando
que o seu Guru estava se deixando
levar pelas coisas mundanas. Śukadeva ficou sabendo desta má interpretação,
então ele pensou numa forma de dar uma lição aos discípulos orgulhosos.
Quando Jānaka chegou, Śukadeva falou por algum tempo,
mas então ele fez um arranjo com seus poderes místicos de modo que os
discípulos puderam ver num local distante, no horizonte, a cidade de Mithilā, a
capital do império de Jānaka, e puderam ver que estava em chamas, e assim se desmanchando.
Os discípulos estavam escutando o Ātma-Bhoda, ou a lição de que apenas o Ātma é real e que tudo o mais é simples aparência, imposta pelo Ātma, devido a névoa da ilusão e
ignorância. Ao ver a cena, cada um dos discípulos saiu correndo, deixando a
aula do preceptor, temendo aproximar-se do fogo e que isso pudesse queimar suas
roupas e livros. Mas Jānaka, cuja capital estava sendo reduzida à cinzas, ficou
imóvel, ao saber de que o fogo era apenas aparente não era real.
Śukadeva, pessoalmente, pediu para Jānaka ir e avaliar
os danos e tentar salvar o que não havia sido queimado pelo fogo. Mas Jānaka respondeu
que seu tesouro era Jñāna (sabedoria),
e que havia recebido do seu mestre, e que com isso havia se despreocupado do
mundo objetivo, acessível pelos instrumentos do conhecimento externo.
Com isso, Śukadeva disse que o fogo era uma simulação,
criada por ele para mostrar para os outros a distância entre o conhecimento
erudito de Jānaka em contraste com o conhecimento superficial.
4. Relatividade
do mundo
Certa feita o rei Jānaka se aproximou do sábio Yājñavalkya
e perguntou para ele: “Ó sábio! Por
favor, deixe-me saber sobre minha vida anterior”. O sábio respondeu: “O que passou, passou. Não há utilidade em
relembrar isso. Você completou a sua jornada ao longo da estrada. Não se preocupe
como foi que ela foi trilhada. Isso não irá ajudá-lo na sua jornada rumo a
glória!”. Apesar de o sábio ter usado de muitos argumentos para dissuadir Jānaka
Maharaj, da sua pergunta insistente, ele não conseguiu dissuadi-lo. Yājñavalkya,
então, utilizou do seu poder de visão e disse para o rei, “Jānaka, sua esposa na vida
atual foi sua mãe na vida anterior”. Ao ouvir isso, Jānaka ficou chocado. Ele
refletiu: “Que má pessoa tenho sido, em
desfrutar de minha mãe anterior em minha esposa! Devo abandonar tal vida perversa”.
A partir deste momento ele começou a tratar a sua rainha como sua mãe, e
abandonou todos os apegos mundanos, buscando a realização espiritual.
5. Casamento
para quê?
O rei Jānaka foi um buscador da verdade; da Verdade
Suprema ou Brahmajñana. Ele buscava o
conhecimento tendo em vista a autorealização, e não para alcançar conforto
material. Certa feita, ele organizou uma assembléia de sábios. Nesta assembleia,
Gargī Devī conduzia um debate com Yājñavalkya. O debate estava baseado nas Escrituras.
Mas não chegava a uma conclusão. Então Gargī Munī colocou uma questão para Jānaka,
dizendo: “Qual é a marca de um Sthitha
Prajña?”, no que o rei respondeu, “Ele é o uno; quem realizou a unidade com o
Absoluto”. Gargī disse, “Se você
realizou o estado de Consciência, então você terá apenas a consciência da Unidade.
Você não está neste estágio agora” Então o rei disse, “Eu desejo alcançar este estágio de consciência”. Gargī respondeu, “O rei! Eu tenho um desejo. Você poderá realizá-lo?”;
“Certamente”, respondeu Jānaka. Então ela pediu para casar-se com ele. O
rei respondeu, “Eu tenho apenas uma
esposa, Sunetra (aquela que tem boa
visão). Eu não desejo me casar com qualquer outra esposa”. Gargī disse, “Você e um grande Jñani. Você tem uma boa visão, e sua rainha é uma
dama de boa visão também. Pode ser que eu peça para que o grande Yājñavalkya peça isso para você?”. O rei respondeu,
“Eu darei para ele o que ele me pedir”.
Indubitavelmente Yājñavalkya era um grande sábio, mas não tinha total controle
dos sentidos. Yājñavalkya então pediu para o rei, “Dê-me Gargī em
casamento. Celebre nossas núpcias”. Então, houve um
grande alvoroço na sala. Os grandes sábios que estavam presentes na sala
perguntaram, “Qual o significado do
pedido de Yājñavalkya?” Gargī perguntou para Yājñavalkya, “Qual era o propósito de um casamento?”, Yājñavalkya
respondeu: “Ter progênie”. Gargī
disse, “Não! A esposa é a outra metade do
marido ou Ardhangi. Isso significa
que ela deverá buscar o Dharma junto
com seu marido, como uma Dharmapatni
(uma esposa correta). O casamento é pela segurança da continuidade do Dharma; não para um desfrute de prazeres mundanos.
Por acaso está nosso imperador desfrutando dos prazeres carnais no palácio? O
mesmo que experimentado pelos cães nas ruas? Será isso felicidade?”.
Hari Om Tat Sat