Chinamasta
Swami Krishnapriyananda Saraswati
prof. Olavo DeSimon
prof. Olavo DeSimon
Sanatana Dharma Brasil
Porto Alegre,
2005-2012
Conta o mito que, certa feita,
Srimati Parvati Devi foi banhar-Se no rio Madakini, com duas de Suas servas,
Jaya e Vijaya. Após ter-Se banhado, a bela cor da Deusa tornou-se enegrecida,
devido estar sexualmente excitada. Depois de algum tempo, Suas duas atendentes
pediram-nA: “Dê-nos algo para comer, nós estamos com fome”. Parvati respondeu,
“Eu lhes darei comida, mas, por favor, esperem”. Depois de um tempo, elas
novamente pediram para Ela. Ela respondeu, “Por favor, esperem, Eu estou
pensando em algo importante”. Esperando brevemente, elas imploraram: “Você é a
mãe do universo; uma criança pede tudo para a Sua mãe; a mãe dá às crianças não
apenas alimento, mas também roupas para cobrir seus corpos. Então é por isso
que estamos pedindo alimento a Ti. Você é conhecida por Sua misericórdia; por
favor, nos dê comida”. Ouvindo isso, Parvati disse-lhes que daria algo para
comer tão logo alcançassem a casa. Mas novamente as duas servas pediram para
Ela: “Nós estamos dominadas pela fome, ó Mãe do Universo; dê-nos alimentos,
assim nós ficaremos satisfeitas, ó Misericordiosa, plena concededora de todos
os desejos”.
Tendo escutado este pedido
sincero, Parvati, cheia de misericórdia, sorriu, e então cortou a Sua própria
cabeça. Tão logo Ela cortou a Sua cabeça, Ela a colocou sob a Sua mão esquerda.
Três correntes de sangue emergiram do Seu tronco; as correntes do lado direito
e esquerdo jorraram dentro das bocas das servas, e a do centro, para dentro de
Sua própria boca. Depois de ter
realizado isso, todas ficaram satisfeitas, e depois retornaram para a casa. Com
isso, Parvati ficou conhecida como Chinnamasta
A representação
No
imaginário visual, Chinnamasta é mostrada estando em cópula, na forma do casal
Kamadeva e Rati, estando Rati por cima. Eles estão por sobre um lótus.
Há
duas representações diferentes sobre a iconografia de Chinnamasta. Há o significado
simbólico do controle do desejo sexual, e há outro que simboliza a incorporação
da energia sexual da deusa. A interpretação mais comum é a de que Ela foi
vencida pelo amor, representado na união de Kamadeva e Rati, sendo nomeado de
desejo sexual e energia. Em todos os casos, significa autocontrole, como sendo
a marca registrada de um Yogi.
Há
uma interpretação, um pouco diferente, que diz que a presença do casal em
cópula trata-se de um símbolo da Deusa, sendo carregada pela energia sexual do
casal. Assim como um assento de lótus é tido como conferindo a Deidade que está
por sobre ele, qualidades auspiciosas e pureza, Kamadeva e Rati transmitem para
Deus, que está por sobre eles, o poder da energia gerada pelo amor de suas paixões.
Jorrando acima, através do Seu corpo, esta energia flui para fora do Seu torso,
para os pés dos Seus devotos, e também reabastece-A. é importante salientar que
a atividade do casal não é oposto a Deus, mas uma parte integral do ritmo do
fluxo de energia, que constrói o ícone de Chinnamasta.
Composição
A
imagem de Chinnamasta é uma composição, que transporta para a realidade como um
amalgama do sexo, morte, criação, destruição e regeneração. Impressiona-nos o
fato de que a vida, sexo, e morte são partes intrínsecas de uma cena única, que
faz o universo manifestar-se. O completo contraste no cenário iconográgico, a
horripilante decapitação, o casal em cópula, o ato de as servas beberem o
sangue fresco, estão arranjados de um modo delicado, num padrão harmonioso.
Isso sacode o contemplador internamente, despertando as verdades da vida na
morte, alimentada pela morte, a necessidade da morte, e que o destino final do
sexo é perpetuar a vida, a qual por seu turno decai com e morre, para dar mais
vida. A forma como está arranjado o ícone, a flor de lótus e o casal no coito,
surge como um poderoso canal da força da vida dentro da Deusa. O casal desfruta
do sexo como uma necessidade da Deusa; eles se espelham n´Ela com energia. No
topo, como uma fonte transbordante, Seu sangue brota de Seu pescoço cortado,
fazendo a força da vida deixa-lA, mas jorrando dentro das bocas de Suas devotas
(bem como dentro de Sua própria boca), para nutri-las e mantê-las. O ciclo é
rigorosamente retratado: vida, no casal em cópula; morte, na decapitação da
Deusa (que não morre, porque a alma nunca morre); e a nutrição, no fato de as
Yoginis beberem o Seu sangue.
Trascendental
Quem
se atreva a superar a morte e alcançar a imortalidade? No Tantra, o sexo pode
ser encarado como um processo de mera reprodução, então os praticantes são
Pasus ou animais do rebanho, ou são Devas, que realizam o coito sagrado, Maithuna,
tendo em vista a realização do Supremo, na forma de Devi. O Senhor Krishna,
quem é Kali encarnado na Kali-yuga (por isso era de Kali, porque começa com a intervenção
da Deusa), disse no Bhagavad-gita (7.11) que Ele é quem desfruta de tudo, e que
Ele é o amor dos amantes e o próprio prazer sexual. Quem compreende isso, com
certeza, não vê no sexo algo imundo ou impuro, mas um fator necessário para a
realização do Supremo. Em última análise, é Devi quem desfruta, e o ciclo infindável
de nascimentos e morte tem sentido na dimensão do amor cósmico e divino. Casos
todos se dessem conta, e então reduzissem ao fato de que a finalidade da vida é,
no final das contas, a morte do corpo, então, com certeza, sem a força da
paixão do amor não haveria nenhum motivo para a reprodução, por que quem
quereria ver a morte dos quais gerou?
Kundalini
O
significado esotérico desta bela imagem é de que na coluna vertebral há dois
canais laterais e um central. O canal central é chamado de Brahma-nadi, ou
canal de nutrição central. Ida e Pingala são os canais laterais, um de cada
lado da coluna, que serpenteiam o Brahma-nadi. Ida corre pela esquerda, e Pingala
pela direita. Ida inicia no testículo direito no homem, e termina na narina
esquerda; Pingala inicia no testículo esquerdo do homem, e termina na narina
direita. Na mulher as polaridades são invertidas. Na base da coluna vertebral
está repousando Kundalini, a energia ou poder serpentino que é desperto pela
Sakti. Quando Sakti e Siva se unem, Kundalini sibila e desperta, subindo pela
coluna vertebral do casal, e jorrando no alto da cabeça, iluminando o casal com
a sabedoria do amor divino.
Enquanto
Kundalini permanece na base da coluna Ela fica adormecida. Tal como uma
princesa adormecida, Ela aguarda pelo beijo puro do amor para despertar e
acordar do seu sono e inércia. Somente há liberação, com amor por Deus (ou
Deusa), e somente há amor por Deus com o despertar de Kundalini, e somente há o
despertar da Kundalini com o amor da Deusa.
Na
história há a insistência das servas em serem alimentadas a qualquer custo. Os
ensinamentos védicos dizem que somente quando as línguas estão saciadas todos
os demais sentidos estão saciados. Somente quando Ida e Pingala estão saciados,
bem com Brahmanadi, então tudo estará saciado. No corpo humano há duas línguas,
que em sânscrito tem o nome de Jiva (e que por sinal é uma forma de se dirigir
para a alma). Estas duas línguas são os genitais e a própria língua que está na
boca. Coincidência ou não, embriologicamente as duas línguas têm a mesma origem
embrionária, e são feitas de material biológico idêntico. Que maravilha é a
natureza, tão perfeita nos mínimos detalhes, quem se atreva a modificar isso, a
moral dos homens?
hari om!